Luanda - Receio que esta carta não chegue ao vosso conhecimento através das páginas do “Jornal de Angola”. Explicarei o que me conduz a este estado de apreensão. A razão assenta nos factos que todos vós, ou a maioria de vós, acompanharam na semana finda. O meu texto habitual publicado ao domingo no periódico estatal foi censurado e não saiu a público. Censura a lembrar tempos velhos, numa altura em que o nosso Presidente da República, há dias e uma vez mais, enfatizou as virtudes do Estado Democrático e de Direito e, consequentemente, da liberdade de imprensa e de expressão dos cidadãos. Foi, curiosa e perigosamente contrariada por um órgão de comunicação estatal, de modo deselegante, a palavra do Chefe de Estado, ferindo com gravidade um dos princípios básicos da prática jornalística e sobretudo do respeito que se deve ao articulista e ao público leitor.

Fonte: JornalOKwanza

Este é o segundo período em que colaboro com o Jornal de Angola, o jornal de todos os angolanos. Faço-o desde que, há cerca de dois anos, creio que me aproximo dos três anos, Victor Silva, então director do periódico, me convidou para retornar à colaboração no Jornal onde, muitos anos antes, iniciara esta experiência maravilhosa de escrever e fazer chegar ao público as minhas ideias, fazendo as críticas achadas justas, fossem dirigidas a quem fossem, desde que não fugissem à verdade, sentindo o palpitar das minhas emoções e sentimentos. Escolhi sempre temas que tocavam questões sociais, nomeadamente as injustiças que perseguem as populações desde há muito. Na verdade, foi no Jornal de Angola, dirigido desde a independência nacional por vários profissionais, uns muito melhores que outros, onde, incentivado por amigos que recordarei sempre, dei os meus primeiros passos de cronista regular não profissional. Com o mesmo objectivo que persigo ainda hoje, tentei e fui conseguindo superar-me na tarefa abraçada, nunca me afastando do compromisso assumido. A defesa do povo angolano.


Aceitei o convite do Victor pensando no seguinte. Haviam passado mais de trinta anos, muitos mais, e fazia sentido o regresso, uma vez que no sector da comunicação sopravam ventos novos, de modernidade, com a nomeação de João Melo como Ministro da Comunicação Social. Tratava-se de um quadro experiente, intelectual com uma sólida cultura, desde logo capaz de um bom desempenho. Vivia-se a euforia da mudança e o sector foi então orientado para que os diversos meios entrassem no cerne das questões mais sensíveis da sociedade angolana, de modo a que ela fosse devidamente informada, abrindo e não fechando, contribuindo para a unidade nacional e para a implantação da democracia, inegável mudança observada e amplamente elogiada. Não tenho qualquer dúvida em afirmar que o rumo então seguido pelo sector da comunicação social angolana, contribuiu bastante para a elevação da popularidade do Presidente João Lourenço que atingiu níveis jamais pensados.


Por razões nunca explicadas, João Melo que havia sido nomeado em Outubro de 2017, foi exonerado dois anos depois. Coincidentemente, a partir daí – e esse facto não pode ser negado porque constatado e comentado pelo público – caiu a qualidade do jornal estatal, a objectividade e imparcialidade política, o nível da informação fornecida aos leitores, a programação de todos os órgãos estatais da comunicação social angolana, numa escalada de nítidos prejuízos para o Estado angolano.


Aguardarei até ao domingo próximo, com a esperança de ver surgir uma réstia de verticalidade, de ética, carácter, educação e bom senso de quem dirige hoje uma publicação que tem obrigações perante os seus colaboradores e para com o público que o procura. É necessário que todos os responsáveis, quer dos órgãos de comunicação estatais como de todas as empresas tuteladas pelo Governo, que se torna premente entenderem as diferenças existentes nos conceitos que se têm do Estado e do Governo. Voltando-me apenas para a área da Comunicação Social, sou obrigado a lembrar que o Governo é um simples servidor do Estado, que tem missões a cumprir e contas a prestar à população. As entidades subordinadas ao Estado, não estão autorizadas a fazer o que melhor apetecer aos seus directores ou administradores. Sejam gestos para agradar ou favorecer este ou aquele indivíduo, sejam os que beneficiem a sua própria pessoa. Existem regras para serem cumpridas que não podem ser apenas ditadas por “ordens superiores”.


Num Estado Democrático e de Direito, a crítica feita a um Ministro, não pode ser censurada. Aos órgãos de comunicação apenas compete verificar se existe ou não razão na sua fundamentação. Se o lesado tiver razão ou se verificar injustiça na crítica, dispõe dos tribunais para mover a competente acção judicial contra o articulista que tenha incorrido em inverdades. Nada mais simples que isso. Nunca voltar aos tempos tenebrosos do lápis azul da censura da PIDE e da DISA. Nestes termos e obviamente, reafirmo aqui duas ideias fortes das quais não abdico. Não foram correctas, quer a actuação do governante, quer a do director do Jornal de Angola. Tentar ofuscar por meio ilícito, os erros cometidos pelos chefes que protegem é uma demonstração de falta de coluna vertebral. E os invertebrados não podem ser directores de jornais, nem de qualquer propriedade pertença do Estado.


É pois chegado o momento de lembrar aos ilustres gestores do Jornal de Angola e de todas as entidades estatais negligentes ou desconhecedoras, que o Estado é o patrão do Governo, e este é um mero servidor do Povo, dos cidadãos. O Estado é o Povo, somos nós, a população angolana. Os que, com os seus impostos e demais sacrifícios lhes pagam os salários e as mordomias que lhes fazem a vida regalada e às vezes perder a cabeça e, consequentemente, a compostura. São os mesmos que, entretanto, podem, a qualquer momento e do mesmo modo que são colocados nos cargos, igualmente fazê-los cair desamparados desses efémeros pedestais.


Posto isto, quero afirmar publicamente, nesta nota que, partilhada pelos meus leitores circulará pelo país, que só voltarei a colaborar nesse jornal, defendendo a arma que utilizo sempre em prol do meu país, quando forem tomadas posições que reconheçam e combatam a gravidade da atitude tomada no melhor estilo ditatorial pela gerência do Jornal de Angola, um órgão de comunicação estatal, nunca é demais lembrar.


Com a certeza de que, nessa ou noutra publicação, de um ou de outro modo, estarei sempre, todas as semanas, com os meus leitores, por Angola e por todos nós. Despeço-me assim, com as minhas cordiais saudações, pedindo desculpa por qualquer palavra ou gesto que tenha fugido dos meus hábitos e costumes. Por favor, continuem a esperar por mim no domingo à hora do matabicho.


Lisboa, 7 de Novembro de 2021