Luanda - A independência dos povos é uma aspiração legitima e remonta aos tempos antanhos, com a erradicação do esclavagismo e, posteriormente, com o fim da colonização de povos sobre outros. Porém, o homem foi, sob várias formas, tentando colocar alguns condicionalismos a esse movimento irreversível e irresistível; o certo é que, leve o tempo que levar, a autodeterminação acaba sempre por acontecer.

Fonte: Club-k.net

Com o advento da escravatura, considerado um dos maiores males que a humanidade já testemunhou, os povos indígenas passaram a ter acesso à educação e, paulatinamente, começaram a ganhar o sentimento natural de autodeterminação, tendo feito da presença dos invasores uma espécie de mal que vinha para o bem; e, assim que se libertaram, fizeram das suas independências factor de unidade nacional e trabalharam para o bem de todos os filhos dessas nações. Infelizmente, não foi o que aconteceu em Angola. Nós, angolanos, não soubemos aproveitar devidamente a Independência. Talvez o ganho mais evidente foi o de os angolanos passarem a conduzir os seus próprios destinos, como Povo e como Nação, ou melhor, os angolanos passaram a ter a Faca e o Queijo na mão.


Quando se dá uma faca afiada à uma criança, que não sabe manejá-la nem conhece a sua utilidade, a possibilidade de ela se ir cortando a si mesma e ir dando punhaladas aos irmãos é uma certeza.


Também, quando uma criança tiver à sua disposição o queijo inteiro, ela come-o sem pensar no dia seguinte e, pior ainda, come sem deixar nada para os outros. – Foi essa ingenuidade que condicionou o futuro do país, tendo-o relegado aos últimos lugares nos índices de desenvolvimento humano, apesar dos vastos recursos (humanos, minerais, culturais) e da posição geográfica de que dispõe. Até hoje, não soubemos tirar proveito das nossas valências, pelo contrário, colocamos em primeiro lugar os interesses pessoais e de grupo, em detrimento do interesse nacional. Foi essa ingenuidade o lado mau da nossa independência, que colocou filhos da mesma pátria, uns contra os outros, ignorando o pensamento que dizia: o mais importante é resolver o problema do povo; que, aos meus olhos, é o mesmo que dizer: colocar em primeiro lugar o Angolano; em segundo lugar, o Angolano; e o Angolano para sempre!


Foi essa falta de visão nacional que nos dividiu; eu considero como sendo o lado mau da independência. – Quando alguém se torna independente tem de ter maturidade suficiente para encarar todos os desafios e tornar-se dono de si próprio e responsável pelo seu destino. E quem é dono de si, é responsável por tudo o que faz e deixa de fazer.


Então, o que é que nós fizemos? – Fizemos a guerra fratricida e agudizamos a prática da corrupção, dos piores males para o desenvolvimento de qualquer nação.


– A guerra entre irmãos é uma das decisões erradas que tomámos, e as suas consequências são da responsabilidade única dos angolanos que não souberam se reconhecer uns aos outros, aceitando a interferência e a conivência estrangeira que, apenas, serviu para acirrar as diferenças, provocando a morte de milhares de filhos desta Angola querida. No fundo, quem perdeu com isto foram os angolanos. E nisto, todos fomos culpados.


– A corrupção endêmica é consequência de sermos donos de nós mesmos sem estarmos devidamente preparados, informados, formados e, talvez, também, bem instruídos. Temos de assumir as consequências dos nossos actos e das nossas decisões.


Fazendo uma comparação entre a vida vivida no tempo colonial e a que vivemos hoje, no período pós colonial, a diferença é abismal, em todos os sectores da vida, quer público quer privado, sem falar dos nossos valores morais e culturais, apesar de haver actualmente muito mais recursos.


Tirando a independência política, que representa um grande ganho para alguns políticos, apenas para esses poucos, por serem os únicos que usam a política para se enriquecerem a si mesmos e aos amigos de perto e mais espertos, de resto, para a grande maioria dos angolanos, a vida passou a ser mais dura. Não é por acaso que boa parte dos que viveram naquele tempo prefiram, ainda hoje, passados 46 anos, a vida do antes da independência! – Que vergonha para os políticos angolanos que não conseguem dar, 46 anos depois, aos seus irmãos, o que os colonizadores estrangeiros, os portugueses, davam ao povo angolano! – É lastimável.


Há que colocar a mão na consciência e repensarmos todos, políticos e não políticos, sobre o futuro do nosso país.

O que queremos, afinal, para Angola, 46 anos depois?


Luanda, 11 de Novembro de 2021.
Gerson Prata