Luanda - 1. Já se disse quase tudo sobre o concurso curricular de provimento para o cargo de Presidente da CNE, aliás, vários artigos de opinião foram unânimes sobre as muitas interferências de malfeitores, sobretudo, de políticos, empresários e juízes-empresários que a coberto dos órgãos e instituições do Estado não permitem corrigir o que está mal, nem melhorar o que já estava bem, para a vivificação do Estado Democrático e de Direito no nosso país. Sabemos todos que não foi isso o que nos foi prometido; não foi isso o que nos foi dito quando nos prometeram a construção de uma sociedade aonde seriam cristalizadas novos princípios, regras e valores. E, um desses ditos foi o de respeito pelos princípios estruturantes do Estado Democrático e de Direito fundado num outro maior que é o da soberania popular, espargido no primado da Constituição e da lei, na separação e interdependência de poderes, no pluralismo de expressão e de organização politica e na democracia representativa e participativa.

Fonte: Club-k.net

2. Ensina um adágio chinês que mesmo o caminho mais longo começa sempre com o primeiro passo. O nosso primeiro passo enquanto país no longo caminho para a construção de um Estado verdadeiramente Democrático e de Direito é o respeito pelo Contrato Social reflectido no principio da soberania nacional e que tem na democracia representativa e participativa a sua expressão maior. Isto é, não há Estado Democrático e de Direito sem a realização de eleições livres, justas e transparentes, baseadas no respeito do princípio do sufrágio universal, periódico, directo e igual. Para tanto, não basta consagrar formalmente uma administração eleitoral independente, é necessário que a referida instituição goze da confiança de todos os sectores da sociedade angolana e que as pessoas a designar para assegurar a organização e o funcionamento da mesma tenham idoneidade cívica, moral, probidade e competência técnica.

3. Vem isto a propósito do processo judicial, em curso, referente ao concurso curricular inconclusivo para o provimento do lugar de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral – CNE, que conheceu novos desenvolvimentos com a interposição de um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, junto do Tribunal Constitucional, por irregularidades graves praticadas, uma vez mais, pelo presidente do Tribunal Supremo Joel Leonardo.

4. De acordo com as nossas fontes, após a admissão do Recurso pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional Laurinda Cardoso, o mesmo foi distribuído à Juíza Conselheira Victória Izata para o relatar. Notificado do Despacho, a Mandatária dos Recorrentes, no processo sub judice, acabaria por dar entrada naquele órgão judicial de um requerimento de “Incidente de Suspeição” contra a referida Juíza Relatora, a Veneranda Victória Izata.

5. Isto deriva dos factos ocorridos muito recentemente entre alguns Juízes Conselheiros em efectividade de funções no Tribunal Constitucional, mormente, Carlos Burity da Silva, Guilhermina Prata, Simão Victor, Júlia Ferreira, Carlos Magalhães e Victória Izata, contra um dos Recorrentes no processo, no caso em apreço, o Concorrente ao concurso curricular Dr. Agostinho Santos, tendo a partir de então nascido e mantido uma relação de profunda animosidade, hostilidade e até mesmo de inimizade.

6. Ao que se deve então este ambiente de profunda animosidade, hostilidade e até mesmo de inimizade entre os Venerandos Conselheiros, acima citados, contra o Recorrente Agostinho Santos?

 Segundo as nossas fontes e os documentos em nossa posse, tudo começou quando o inconformado concorrente Agostinho Santos, no uso do seu direito constitucionalmente tutelado, teria afirmado, em reação ao Acordão n.º 664/21, do Tribunal Constitucional, o seguinte: “(…) Se tivesse sido Relator por exemplo o Juiz Carlos Burity, a Juíza Guilhermina Prata, a Victória Izata ou a Júlia Ferreira, até não nos repugnaria. (…) Agora, se tratando do Juiz Conselheiro Dr. Simão de Sousa Victor ou mesmo do Juiz Conselheiro dr. Carlos Magalhães, aquém lhes reconheço valências técnico-jurídicas bastantes, interrogamo-nos, o que terá efectivamente levado aquele respeitável Juiz Relator do Processo a sacrificar o artigo 29.º da nossa Constituição, que é de aplicação directa, que proíbe a denegação de justiça, a favor da aplicação pura e simples de uma norma infraconstitucional, no caso, o artigo 49.º da Lei do Processo Constitucional. (…) Na verdade, ao tê-lo feito o Acordão n.º 664/21, ao decidir como o decidiu, acabou, por um lado, por violar princípios estruturantes dos democrático e de direito, nomeadamente, princípio da supremacia da Constituição e da Conformidade dos actos dos poderes públicos à constituição. Por outro lado, acabou também por favorecer com aquela decisão, um grupo bem identificado com interesses económico-eleitorais, alias, todo o mundo sabe e escusado será citá-los nominalmente”.

 E foi em virtude desta declaração, que, em reacção, os mencionados Venerandos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional decidiram instar o Conselho Superior da Magistratura Judicial para que este instaurasse um processo disciplinar e criminal contra o Recorrente, acima citado. Pedido aceite pelo Joel Leonardo nas vestes de presidente daquele órgão, que culminou, em 19 de Maio de 2021, com a aplicação da medida disciplinar de Suspensão por um período de 6 (seis) meses, com perda total da Correspondente Remuneração e Antiguidade e a sua proibição de frequentar as instalações do Tribunal Supremo por um período igual de 6 (seis) meses.

 Segundo as fontes, o referido Juiz Conselheiro, inconformado com a mencionada deliberação, teria manifestado ao então Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, a sua profunda indignação e repulsa pela atitude dos referidos Conselheiros subscritores da queixa (por sinal seus colegas de profissão), por um lado e, por outro, de não compreender a razão dos mesmos terem com ele estabelecido relações de profunda animosidade, hostilidade e de inimizade sem qualquer causa que a justificasse, uma vez não tratar-se de uma questão de natureza subjectiva. Por ser uma questão objectiva, o mesmo reiterava no seu depoimento a posição segundo o qual nunca o Tribunal Constitucional deveria ter deixado de aplicar / sacrificar normas constitucionais, no caso, os artigos 28.º e 29.º, ambos da CRA, a favor do artigo 49.º da Lei ordinária – Lei n.º 3/08 – Lei do Processo Constitucional. Tal acto configurou uma inconstitucionalidade por omissão e contendeu com o princípio da constitucionalidade e da conformidade dos actos dos poderes públicos, incluindo os do próprio Tribunal Constitucional, à Constituição, nos termos do artigo 226.º da CRA.

 Não seria despiciendo asseverar que a tal medida disciplinar aplicada, além de ser inadequada, desproporcional e grave, revela sim, uma profunda subjectividade, uma inaudita animosidade, hostilidade e inimizade para com o concorrente injustamente sancionado, por este ter simplesmente reclamado os seus direitos e exercido, por conseguinte, um direito que a Constituição da República e a Lei lhe conferem enquanto cidadão angolano e parte interessada no processo, o que deixa naturalmente o Conselho Superior da Magistratura Judicial numa posição de suspeição quanto a sua desejada isenção, lisura e imparcialidade no tratamento de casos desta natureza. Por isso, esteve muito certo o Jurista Rui Verde quando afirmava no seu artigo de opinião intitulado:” JUIZ DO SUPREMO SUSPENSO POR DELITO DE OPINIÃO”.

7. A justificar o elevado grau de subjectividade dos Juízes queixosos, estes mesmo não tendo razão, não foram capazes de dar a mão à palmatória ao verificado erro reflectido na aplicação de uma norma ordinária em detrimento de normas constitucionais, pelo contrário, ouviram-se palavras de júbilo nos seus gabinetes após a divulgação da aludida sanção disciplinar apresentada através de uma inusitada e atabalhoada conferência de imprensa sobre o assunto, capitaneada pelo sempre indesejável entre os seus pares, porque incompetente e mentiroso Joel Leonardo, o ainda Juiz Conselheiro presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial.

8. Por tratar-se de uma “cabala”, contra o Recorrente do processo, Dr. Agostinho Santos, pelo facto de se ter pronunciado sobre o Acordão n.º 664/21, do Tribunal Constitucional, e tendo, o Incidente de Suspeição suporte legal inegável que proíbe aqueles Juízes, nomeadamente, Carlos Burity da Silva, Guilhermina Prata, Simão Victor, Júlia Ferreira, Victória Izata e Carlos Magalhães de participarem da sessão do julgamento do processo sub judice, conforme dispõe alínea g) do n. º 1 do artigo 127 do Código do Processo Civil (CPC). Aliás, e no rigor técnico-jurídico, os referidos Juízes Conselheiros devem, por obrigação legal, declararem-se impedidos.

9. Voltaremos a tratar deste assunto com mais pormenores nos próximos dias e o seguiremos com redobrada atenção, visto que o presente processo constitui mais um teste/prova de seriedade e respeito da Constituição da República do órgão Tribunal Constitucional e da sua nova Presidente Dra. Laurinda dos Prazeres Monteiro Cardoso, sendo certo que a jurisdição Constitucional do nosso país deve propugnar para resgatar e consolidar a ideia consensualizada no seio da nossa sociedade que é a de edificar em Angola um verdadeiro Estado Democrático e de Direito.

*Jurista e Prof. Universitário