Luanda - Com a presença da máquina colonial em Angola os conflitos de terras agudizaram-se significativamente. O Estatuto dos Indígenas que consagra a discriminação; a Lei dos Baldios do Ultramar de 1856 sem prejuízo da outra legislação antes de 1961 não reconheciam nem concediam o direito à terra aos autóctones.

* Activista p/ os direitos humanos
Fonte: Club-k.net


Os fundamentos do direito costumeiro sobre a gestão, ocupação, posse e usufruto da terra foram, profundamente, abalados e manipulados a favor do sistema e regime jurídico colonial. Obviamente, deste viés histórico, milhares de famílias foram desterradas compulsivamente e destruídos os seus sistemas económicos, axiológicos, etc. e o património histórico-cultural __cemitérios, lavras, casas e outros haveres foram arrasados impiedosamente. Esta página da história custou sangue e sacrifícios aos povos de Angola. Era a presença do (i)ndele comparando, deste modo, o branco com o espírito maligno. 


A luta pela independência era para todos a razão do regresso à terra ou noutros termos da recuperação de suas terras. Infelizmente, muitas fazendas e aldeamentos instalados em terrenos comunitários caíram, de forma arbitrária e por conveniências partidárias, financeiras e políticas, nas mãos de pequenos grupos e empreendedores que à semelhança de fazendeiros colonos exploram as terras, tradicionalmente, pertencentes às comunidades rurais protegidas pelo disposto no art. 4º Al. e) (princípio do respeito pelos direitos fundiários das comunidades rurais) e do nº 1 do art. 9º da Lei de Terras (o Estado respeita e protege os direitos fundiários de que sejam titulares as comunidades rurais incluindo aquelas que se fundam nos usos ou no costume). 


Portanto, analisando a problemática desapaixonadamente importa referir que à luz das nacionalizações e confiscos os antigos fazendeiros ou proprietários colonos que tendo abandonado as fazendas para lá dos prazos legais previstos e sem justificação fundada na lei deixaram de ser titulares ou donos daquelas fazendas ou aldeamentos. Quer dizer que a titularidade daquelas fazendas, terrenos ou aldeamentos regressa na esfera jurídica do Estado enquanto proprietário originário da terra segundo a Constituição. E “…são consideradas válidas e irreversíveis todas as aquisições do direito de propriedade pelo Estado por força de nacionalizações ou e confiscos realizados nos termos da legislação respectiva sem prejuízo do disposto em legislação especifica sobre reprivatizações” cfr. art. 11º da Lei de Terras. Significa que uma vez nacionalizada e confiscada alguma fazenda ou propriedade o Estado não recua na sua decisão para devolvê-la novamente nas mãos dos ex-colonos. Portanto, só o Estado saberá a quem conceder ou reconhecer no âmbito das reprivatizações. E quanto a isso o Estado responde com as figuras da concessão e do reconhecimento previstas na Lei 9/04. E tratando-se de terras comunitárias invadidas por fazendeiros colonos o entendimento ou a resposta que deflui da letra e espírito da Lei de Terras e, nos parece, aqui, que deve estar em jogo, acima de tudo, o espírito (espírito) que moveu as nacionalizações e confiscos remete para o reconhecimento. Ou seja, o Estado recupera as terras das mãos do colonialista para entregá-lo por reconhecimento às comunidades rurais tradicionais que antes da presença colonial sempre usaram e geriram essas terras segundo o costume. Em suma, todas as terras, fazendas ou aldeamentos dentro das terras comunitárias pertencem às famílias rurais tradicionais devendo o Estado expropriá-las por imperativo do interesse público cfr. art. 12º da Lei de Terras. 


Por conveniência política temos o caso do Projecto Aldeia Nova em Waku-Kungu onde foram acomodadas em terras rurais comunitárias os ex-militares e pessoas singulares remetendo os verdadeiros donos nas encostas das montanhas ou em outras terras inférteis limitando as pessoas dos seus meios de vida. Para esses casos a lei não só impõe o formalismo devido, a auscultação de famílias comunitárias mas também a indicação de outras terras com as mesmas características ou melhores sem prejuízo da justa indemnização. No caso da Aldeia Nova, deve reconhecer-se que apesar de terem sido observados alguns requisitos legais o processo, ainda menos transparente, tornou reféns os seus ocupantes ao interesse do projecto.


Finalmente, é nosso entendimento que o espírito geral da Lei de Terras remete para o regresso das terras adstritas às fazendas ou aldeamentos dos ex-colonos às famílias rurais comunitárias que devem geri-las segundo o costume. Assim sendo, correm o risco de muitos fazendeiros actualmente instalados em terrenos rurais comunitários, perderem a sua propriedade quando ocorrerem as demarcações e consequente titulação das comunidades rurais. Desta forma a independência política conseguida em 1975 estará enformada de todo em todo de valores e princípios que fundam a soberania territorial traduzida na recuperação das terras das mãos dos colonos que a todo o custo humilharam e mataram a história e a dignidade dos povos de Angola. Hoje, estão de volta debaixo das vestes do camaleão. Voltando à questão essa recuperação deve ser extensiva às políticas e actuais fazendeiros que teimam em humilhar permanecendo e ocupando por todos os meios as terras de famílias comunitárias, injustamente, ainda, não tituladas. Assim, 


Havemos de Voltar à  Nossas Terras?