Luanda - O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, acaba de realizar, na semana passada, uma viagem a três países africanos, quando pairam sobre as relações entre os EUA e África duas sombras notórias: o confronto com a China e a tentativa de golpe de Estado ocorrida na proclamada maior democracia do mundo a 6 de Janeiro deste ano.

Fonte: JA

Daí os pezinhos de lã com que o enviado americano fez questão de caminhar na sua passagem pelo Quénia, Nigéria e Senegal.

De facto, começou por chamar a atenção o facto de, em comunicado divulgado antes da partida de Blinken para o continente africano, a administração americana ter afirmado que a democracia "está em recessão em todo o mundo”.


Ou seja, os EUA parecem reconhecer, pelo menos na conjuntura actual, que não têm condições de dar lições de democracia aos africanos, como até aqui. Assim, as referências ao chamado, até há pouco, "défice democrático” dos países africanos foram transformadas em afirmações compreensivas, se não condescendentes, como a que Blinken proferiu em Nairobi, primeira etapa da sua visita: - "Mesmo as democracias dinâmicas como o Quénia sofrem pressões, em particular em altura de eleições”, disse ele.


Seja como for, o secretário de Estado norte-americano não deixou de exprimir a posição oficial dos Estados Unidos em relação a duas momentosas questões africanas: a guerra civil na Etiópia e os efeitos do recente golpe de Estado militar no Sudão, que interrompeu a transição democrática no referido país.


Assim, em relação à Etiópia, os EUA reclamam novas negociações entre os beligerantes, assim como o desbloqueamento da ajuda humanitária. Washington teme a implosão daquele país do chamado Corno de África, onde o conflito parece aproximar-se perigosamente de um confronto étnico. Se isso acontecer, as consequências para outros países da região são imprevisíveis. Por essa razão, o Quénia, um dos vizinhos da Etiópia, está tão empenhado em alcançar um cessar fogo entre as partes.


Quanto ao Sudão, a administração Biden exige aos militares que voltem a colocar o processo de transição "nos trilhos”, como condição para a retomada da ajuda internacional à democratização e reconstrução do país, a começar pelos 700 milhões de dólares suspensos por Washington.


A sombra da China que pairou sobre a visita de Blinken ao continente africano é igualmente indesmentível. Tanto que o secretário de Estado norte-americano teve de "nega-la”. Afirmou ele, em Lagos, segunda etapa da sua digressão: - "A nossa parceria com a Nigéria e muitos outros países não é sobre a China ou qualquer outro elemento, é sobre África”.


A verdade é que, diplomaticamente, não seria avisado criticar a cooperação incrementada nas últimas décadas entre os países africanos e a China, quando este país é a única potência que, com todos os eventuais defeitos dessa cooperação, tem apoiado os referidos países a desenvolver as suas infra-estruturas – factor imprescindível para o crescimento e o desenvolvimento dos mesmos. Mas que tal cooperação incomoda os EUA é um facto que as palavras cautelosas de Blinken não podem ocultar. Por isso, Blinken observou que "as infra-estruturas de outros países vêm com dívidas impossíveis de pagar, nós queremos fazer as coisas de maneira diferente”.


Uma coisa é igualmente certa: não foi mero acaso que a última escala da visita de Blinken à África tenha sido Dakar, a capital do Senegal, onde no fim deste mês será realizada uma cimeira sino-africana.


O secretário de Estado norte-americano disse que os EUA pretendem "tratar África como potência geopolítica que ela é”. Anunciou igualmente que o presidente Joe Biden quer fazer uma cimeira com os países africanos para discutir questões como democracia, cooperação e mudanças climáticas. Resta saber duas coisas: primeiro, se tais declarações correspondem mesmo a uma nova política americana em relação ao continente africano; segundo, se os países africanos querem agir de facto como uma potência geopolítica ou continuar divididos como até agora.

* Jornalista e escritor