Paris - Mesmo na velhice, o Kota Maior mantinha todos os músculos e peitorais firmes sem esforço. Ainda quebrava tijolos de adobe com um soco. Nenhum jovem, mesmo aqueles com um físico como o de Mike Tyson, no auge da sua arte, jamais ousou enfrentá-lo. Mas não acho que isso tenha impressionado o Savimbi, não, embora seja provável que ele tenha trazido nele imagens de Mandume ya Ndemufayo. Também não era o seu sucesso com as mulheres que toda a região conhecia, não, e não era a beleza da Marie, embora pudesse ser dado que o próprio Savimbi amava mulheres, então talvez o seu narcisismo de chefe de guerra pudesse ter visto o Kota Maior como um concorrente. E não creio que tenha sido porque o Kota Maior era o chefe do Batalhão de Reserva mais temido da cidade e, aparentemente, que também era temido pela UNITA. Para quem não sabe o que é, durante a Guerra, por falta de homens, o MPLA criou um sistema de protecção das populações pelos homens que não iam ao campo de combate. E todos os homens saudáveis ​​foram obrigados a participar. Em Mbanza-a-Kongo, o Kota Maior comandou com um braço de ferro um grupo de homens. Ele próprio ia, acompanhado por alguns dos seus homens leais, buscar cada um dos seus homens nas suas casas com jipes militares aos quais tinha acesso e coordenava a defesa da sua cidade durante a noite por patrulhamento. Dizíamos ronda naquele tempo. Quem andava fora do horário autorizado tinha que se justificar sob o tom ameaçador do Kota Maior. E todos os sábados, levava os seus homens a uma carreira-de-tiro onde sempre se destacava pelo rigor e pela autoridade. O meu cunhado, António Tusamba Lusuki, que era então, no início dos anos 80, Director Provincial do Gabinete do Plano, fazia parte do seu grupo e ainda guarda vivas recordações do comando do Kota Maior. E também se diz ainda que isso era um dos motivos que impediam a ocupação da cidade pela UNITA.

Fonte: Club-k.net


Mas o Savimbi, homem curioso, provavelmente sabia que o Kota Maior havia cansado mais de um Comissário provincial do MPLA ao resistir a uma decisão que haviam tomado. O carácter dos dirigentes do MPLA, formados pelas doutrinas dos comunistas com que se tinha administrado terrores nos gulags e por outras decorrentes do castrismo, já impunha às populações a sua vontade e as suas decisões unilaterais, mesmo as mais idiotas. Naquela época, o governo local decidiu, ao acaso e sem nenhuma ciência que comprove a relevância do projecto, construir uma estrada no meio de um bairro já bem habitado. E nem é preciso dizer que muitas casas da coitada gente deviam ser destruídas, inclusive a dos pais do Kota Maior! A decisão tomada, os tractores enviados, era, portanto, necessário cumprir. Foi antes de tudo a própria mãe do Kota Maior quem se rebelou, rapidamente seguida por outras mulheres incluindo uma que chamávamos Ndona-O-Láu, nome que significa literalmente "Ndona-a-Louca", porque quando essa senhora ficava zangada, toda cidade ficava abalada. Então era melhor não a provocar!


A mãe do Kota Maior gostava de vestir saia e sempre colocava por cima um pano de wax. E quando ela decidiu se rebelar, primeiro parava na frente do tractor, depois tirava o pano que finalmente girava no ar enquanto corria com muita raiva. A tia Ndona-O-Láu juntava-se a ela para praguejar e outras vítimas também vinham para criar um alvoroço que impedia a execução da Ordem. Os dirigentes tinham que enviar a polícia ou o exército ou ambos. Mas nada podia deter a rebelião dessas mulheres, isso as irritava ainda mais! E era nesses momentos que o Kota Maior se atirava no meio das senhoras, sem camisa, os olhos faiscando, e gritava “Eu nasci nesta casa, ninguém vai tocar nela!”. O tractor e os militares iam embora e assim continuou por muito tempo. Até o momento em que o MPLA, que sempre foi esperto e ainda tinha gente inteligente e apaixonada pela sua causa (sim, naquela época não se entrava no Partido com o único objectivo de ir roubar o dinheiro e o poder do Povo, o saque não era uma prática comum!), descobriu o elo fraco da cadeia. Sim, havia um elo fraco: era o irmão do Kota Maior, tinha um irmão mais novo e mais discreto do que ele. Diz-se então que o MPLA resolveu oferecer a esse irmão um emprego de motorista para os governantes locais e, aos poucos, as regalias chegando em casa, a mamãe estava feliz! E como o MPLA é vivo, também conseguiu acalmar completamente o Kota Maior ao contratá-lo como Director dos Serviços Comunitários, no comissariado municipal! Em seguida, os tractores foram enviados novamente para demolir as casas, tranquilamente, sem a polícia ou o exército. E no lugar, o MPLA fez um pequeno trecho de caminho decotado, de barro vermelho e poeirento, que chama de estrada, e que nunca conseguiu pavimentar desde então, isto é, desde o início dos anos 1980.


Mas não, ainda não acho que seja por isso que intrigava o Savimbi, não. Bem, eu acho que não. Certamente porque o Savimbi já tinha ouvido falar do Kota Maior e sem dúvida compreendeu que tinha um lado rock'n'roll como ele! Portanto, é bastante natural que ele quisesse conhecê-lo porque as pessoas rock'n'roll se encontram e não se encontram para rivalizar ou competir; são as pessoas pequenas que fazem isso! Pessoas rock'n'roll encontram-se apenas para se olharem nos olhos e se "a corrente passar", elas se sentam no quintal para uma bebida com toda a cortesia enquanto conversam sobre tudo, excepto sobre si mesmas. E o Savimbi, homem de cultura e tradição, sem dúvida sabia que o Kota Maior era um homem pertencente a um velho povo político, sábio e inteligente, que não se deixa enganar por falsas cortesias. Por isso sabia, por tudo o que tinha ouvido falar do Kota Maior, que ele tinha uma aura transcendente e uma capacidade de mobilização e sedução que era melhor ter ao seu lado. O Savimbi era um político astuto e nunca poderia ter permitido que oposições potenciais se dispersassem. Mas as guerras do MPLA e da UNITA nunca interessaram o Kota Maior, nunca se deu de todo o coração a nenhum dos lados, provavelmente achava essas guerras egoístas, vulgares e obscenas. Ele lutava pela sua terra e família. E por Amor.

 

Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.