Luanda - Há dois tipos de currículo vitae - aquele que apresentamos ao procurar um emprego e aquele quando deixamos este mundo. Faz um ano que o empresário Segunda Amões nos deixou; todos estamos a analisar o currículo que ele deixou.

Fonte: JA

Tive a grande honra e oportunidade de ter trabalhado muito próximo de Segunda Amões. Ele é, sem dúvida, uma das pessoas mais excepcionais que conheci, um líder no verdadeiro sentido da palavra, alguém que pensava diariamente como resolver os problemas de Angola.

Estávamos em Miami, maior cidade do Estado da Flórida. O ano, 2001. Sim, os arranha-céus, praias bem azuis eram uma maravilha. Eu tinha vivido fora de Angola, ou do continente africano, por uma boa parte da minha vida. Eu fui para Londres, para estudar Jornalismo, em 1986. Inicialmente tinha tido aquele profundo alívio de que tinha nascido no continente errado e agora estava lá onde eu verdadeiramente pertencia — no Ocidente!

Segunda Amões, meu mais novo por três anos, tinha tido a sua formação na então União Soviética, em Baku. A sua esposa e as filhas pequenas estavam com ele em Miami. Passeamos por Miami, admirando os arranha-céus, vimos as praias completamente verdes. Na altura, eu estava determinado em nunca regressar a Angola, para ficar, eu tinha a minha base nos Estados Unidos — esposa, filhos, casa em Jacksonville, que ficava a seis horas de carro de Miami.

Angola ainda estava em guerra. Em 1991, tinham sido assinados os Acordos de Bicesse, que culminaram nas eleições de Setembro de 1992. Tudo parecia tão negativo. Segunda Amões garantiu que um dia teríamos tudo aquilo que admirávamos em Angola, ele insistia que Miami era uma construção de alguém que tinha tido uma visão e capacidade para concretizar a mesma.

A aldeia Camela Amōes, com a qual eu estive ligado desde o seu início, é um exemplo vivo da crença de Segunda Amões de que as grandes transformações das sociedades são possíveis quando existe fé, disciplina e determinação. Em cinco anos, Segunda Amões esteve por trás do que é hoje uma referência não só em Angola, mas no continente africano.

Quando se fala de um empresário, muitas vezes a imagem que se tem em mente é de uma figura determinada, cheia de autoconfiança e talvez um pouco autoritária. Segunda Amões era o contrário disso. Ele tinha uma capacidade excepcional de ouvir, ele escutava atentamente. Foi dele que aprendi que, às vezes, a melhor forma de fazer avançar é escutar. Segunda Amões gostava muito de pensar. Ele conduzia a sua própria viatura no planalto, viajando numa velocidade constante, observando tudo. E quando observava, Segunda Amões estava sempre a fazer comparações.

Nos cinco anos que estive perto da Camela, notei que ele acreditava profundamente que as coisas só acontecem se houver uma rede de pessoas a trabalhar de mãos dadas. Uma vez, o músico Yuri da Cunha veio à aldeia Camela Amões. Segunda Amões pediu-me para eu acompanhar o Yuri à aldeia de Napika, onde o Projecto Aldeia Camela Amões tinha um programa para ajudar os idosos. Quando chegamos lá, o Yuri começou a chorar — para ele, a pobreza era extrema! Segunda estava sempre a pensar a forma como os conhecimentos poderiam ser repartidos. Nunca imaginei, por exemplo, que eu estaria a dar aulas de empreendedorismo a senhoras com bebés às costas. descobri que muitas coisas que eu tinha aprendido no Ocidente poderiam ser partilhadas com a comunidade desta forma, enriquecendo o potencial dos recursos humanos do país.

A aldeia Camela Amões passou a ser um centro que atraía vários tipos de pessoas criativas — arquitectos, escritores, poetas, músicos, cineastas. Segunda Amões acreditava, profundamente, que a sociedade só crescia se houvesse mecanismos para propagar a cultura. Participei na formação de jovens sobre como usar as novas tecnologias para não só contarem a história das suas comunidades, mas também celebrar aquilo que era tão rico da nossa cultura. Difundimos fotos de casamentos, entrevistámos idosos; mostrámos como, com o apoio de um empresário patriota, que não hesitava em investir os seus próprios fundos em várias iniciativas, uma aldeia típica do planalto se transformou num local de referência.

A aldeia Camela Amões foi um dos projectos em que Segunda Amões dedicou muito do seu tempo e energias. Claro que por trás de um homem de sucesso, como se diz em inglês, há sempre uma grande mulher. A senhora Maria Augusta Ferreira Amões também bebeu muito do seu esposo e, não obstante os vários desafios, vai continuando com o projecto. O filho de Segunda Amões, Faustino Pambassangue Amões, formado em Nova Iorque, está hoje na aldeia Camela Amões para dar continuidade ao grande projecto iniciado pelo pai. A Camela Amões não é um plano de acção, a Camela é um exemplo vivo de como se concretiza uma visão. Somos muitos que aprendemos tanto com o Projecto Aldeia Camela Amões e um ano depois da sua morte não temos como não nos vergar perante o currículo póstumo de António Segunda Amões.