Lisboa - Começa esta quinta-feira a Cimeira para a Democracia, iniciativa em formato virtual promovida pela Presidência norte-americana e que reúne líderes, organizações e jornalistas de mais de 100 países e territórios, incluindo Portugal. Mas nos últimos dias a China e a Rússia têm tentado denegrir o evento de Joe Biden, que decorre nos próximos dias, classificando-o como "uma hipocrisia".

Fonte: Lusa/RTP

O objetivo deste encontro, organizado pela Administração Biden, é trazer os Estados Unidos de regresso aos palcos mundiais para liderar um grupo de democracias empenhadas em fazer frente às ambições expansionistas dos países autocráticos, em particular a China. O presidente norte-americano pretende, assim, "juntar líderes de governos, sociedade civil e sector privado para estabelecer uma agenda afirmativa de renovação democrática e endereçar as maiores ameaças que as democracias hoje enfrentam através de ação coletiva”.

 

A ideia, de acordo com a informação disponibilizada pelo Departamento de Estado norte-americano, é que os participantes trabalhem em ideias práticas para defender as democracias do autoritarismo, combater a corrupção e promover o respeito pelos direitos humanos.

 

Mas os órgãos de comunicação social estatais chineses e russos têm tentado desvalorizar a Cimeira para a Democracia, referindo-se à realização deste evento como hipócrita.

 

Através das redes sociais, avança a CNN, vários diplomatas chineses referem-se ao evento como a “chamada cimeira da democracia”. Já um analista russo comparou a iniciativa de Joe Biden a “uma amante de um bordel que dá lições de moral a estudantes”.

 

Para os analistas políticos, o facto de serem representantes oficiais e diplomatas a tentar denegrir a cimeira reflete a ansiedade da China e da Rússia quanto aos esforços de Washington para conseguir apoio para normas democráticas e isolar Pequim e Moscovo.

 

"[A China e a Rússia] veem isto como uma oportunidade para exacerbar o cinismo no Ocidente político e minar quaisquer manchetes que saiam desta cimeira", disse à publicação Jessica Brandt, diretora de política da Iniciativa de Inteligência Artificial e Tecnologia Emergente do Brookings Institution.
Críticos questionam eficácia da Cimeira

 

A decorrer até sexta-feira a partir de Washington, a Cimeira para a Democracia vai reunir chefes de Estado e de Governo e líderes de organizações, mas também representantes do setor privado e de organizações civis, num esforço global para defender as democracias contra o autoritarismo, a corrupção e os ataques sistemáticos aos direitos humanos.

 

Todos os membros da União Europeia irão participar na cimeira, exceto a Hungria, que não foi convidada. E, não sendo surpresa, os principais rivais de Washington, em particular a China, Rússia ou o Irão, não constam da lista de participantes. Mas também a Turquia (aliado dos Estados Unidos na NATO), Cuba, Guatemala, Venezuela e os parceiros árabes tradicionais dos norte-americanos (Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Qatar ou os Emirados Árabes Unidos) parecem estar igualmente na lista de países que ficaram de fora.

 

Os críticos da Cimeira para a Democracia questionam a eficácia do encontro e perguntam o que poderá ser atingido em apenas dois dias de uma reunião em formato virtual, além de denunciarem o teor abstrato dos objetivos colocados.

 

"A Administração claramente percebe que o retrocesso da democracia é um problema global e vê que problemas globais precisam de soluções globais", afirmou a analista portuguesa Daniela Melo ao Diário de Notícias.

 

"Mas em termos de esta cimeira conseguir mudar a qualidade da democracia nos países que foram convidados, tenho dúvidas sobre isso".
China e Rússia tentam minar "mensagem democrática" dos EUA

 

No entanto, os especialistas relembram que não é nova a estratégia dos EUA para competir com governos repressivos, de forma a moldar as opiniões globais sobre tipos de liderança e democracia.

 

"Estamos a ver este esforço intenso [da China] para minar a democracia dos EUA e apresentar uma visão alternativa", disse Kenton Thibaut, analista do Laboratório de Investigação Forense Digital do Conselho do Atlântico.

 

A “Cimeira para a Democracia” é um dos esforços mais importantes da Administração de Biden para promover as “regras” democráticas.

 

“Debatemos esta semana com humildade e confiança. Humildade, porque queremos ouvir e aprender, e não ignorar as nossas falhas; confiança por causa da nossa busca constante por uma união mais perfeita”, afirmou o Subsecretário de Estado para Segurança Civil, Democracia e Direitos Humanos dos Estados Unidos.

 

"Nenhuma democracia é perfeita e nenhuma democracia é final", afirmou o presidente dos Estados Unidos no Dia internacional da Democracia, a 15 de setembro. "Cada ganho conquistado e cada barreira quebrada resultam de trabalho determinado e incessante".

 

Contudo, Pequim e Moscovo querem desacreditar esta mensagem de Washington.

 

No fim de semana passado, a China realizou o seu próprio Fórum Internacional para a Democracia, supostamente acompanhado por políticos e académicos de mais de 120 países. No final do evento, foi divulgado um relatório onde se lê que o sistema de partido único chinês “é uma democracia” que funciona melhor que o sistema político dos Estados Unidos.

 

Tian Peiyanm, diretor do Gabinete de Pesquisa do Partido Comunista chinês, disse que a pandemia da covid-19 expôs os defeitos do sistema norte-americano e que o país, polarizado e com dificuldades em controlar a emergência sanitária, não tem condições para dar lições aos outros.

 

"Tal democracia traz não felicidade mas desastre aos eleitores", afirmou, durante uma conferência de imprensa, citado pela Associated Press. Os esforços para que outros países copiem o modelo de democracia ocidental estão, considerou, "condenados ao falhanço".

 

De acordo com o especialista em desinformação Bret Schafer, a hashtag “democracia” tem sido a mais usada no Twitter para contas diplomáticas chinesas e outros perfis de membros do Governo, desde a semana passada.

 

“Realmente tem sido uma prioridade nas mensagens [da China] nos últimos dias”, disse à CNN.

 

Os embaixadores da China e da Rússia nos Estados Unidos escreveram, recentemente, um artigo de opinião em conjunto referindo-se à Cimeira de Biden como "um produto do pensamento da Guerra Fria".

 

A Rússia, por sua vez, emitiu uma declaração apresentando falhas da democracia dos EUA, incluindo a manipulação dos media, a imposição ilegal da democracia no estrangeiro ou a falsa acusação de que as eleições de 2020 podem ter sido roubadas a Donald Trump.
China tenta redefinir “democracia”

 

Apesar de o sistema político autoritário da China e dos documentados abusos dos direitos humanos, os propagandistas do país veem a promoção da liderança chinesa como um caminho para a legitimidade no cenário mundial.

 

“Isto vai ao encontro do que a China tem tentado fazer nos últimos dois anos, que é redefinir certos conceitos no cenário mundial, incluindo direitos humanos e democracia”, afirmou ainda Kenton Thibaut.

 

Alguns especialistas esperam que a cimeira norte-americana dê passos importantes para combater o impacto da desinformação nas democracias, com a disseminação de mentiras sobre as eleições ou o coronavírus, por exemplo.

 

Nina Jankowicz, investigadora política do Wilson Center, apelou à Casa Branca que alcançasse uma aliança para conter a desinformação antidemocrática promovida pela China, Rússia e outros países.

 

“A desinformação tanto de atores estrangeiros como de fontes internas está a ameaçar a base de todas as democracias do mundo, além de contribuir para muitas crises mundiais”, disse Jankowicz.

 

“É importante para a Administração Biden enfatize que a verdade é a pedra angular tanto da era Biden quanto da comunidade democrática que espera construir”.