Luanda - No fim, bem no fundo da rua Saidy Mingas, herói do MPLA, no bairro de Álvaro Buta, nome de um herói mukongo da Revolução africana contra o colonialismo, perpendicular a toda essa rua e em frente a uma outra rua paralela que ia para a direita e para a esquerda, estava a bonita casa do Kota Maior. Era uma casa construída pelas próprias mãos, de adobes não fumados, bem rebocada e bem pintada em duas lindas cores, tinha um tecto de chapas de zinco ondulado e se destacava no bairro. Estava cercada por lindas flores e plantas meticulosamente podadas. Podíamos vê-la bem da nossa casa, à direita, décima ao subir a rua, a partir da última casa da rua paralela à casa do Kota Maior. A nossa rua nunca tinha sido pavimentada, embora tenha o nome de um prestigioso herói do MPLA. As ruas eram assim nos anos 80 nessa cidade governada pelo MPLA-Partido do Trabalho. E continuam assim e o MPLA continua a dizer que está a trabalhar. A rua da esquerda conduzia, a cerca de 150 metros da casa do Kota Maior, ao nosso campo de futebol onde o Jesus tinha vindo jogar, eu o vi. Mas não o Jesus trazido pelos brancos, aquele por quem fomos colonizados e por quem os brancos nos trouxeram um monte de coisas alienantes e degradantes! Não, não falo deste aí, não desse cujo nascimento acabamos de celebrar, que nunca poderia ter acontecido em dezembro e, apesar dessa mentira, cuja dita data de nascimento ainda é festejada com todas as outras festas pagãs que os brancos nos impuseram! O Jesus de quem falo é nosso irmão, nosso verdadeiro irmão e não um irmão inventado e imposto. Estou a falar do do Petro de Luanda! E eu o vi, com os meus próprios olhos, no nosso campo de futebol e ele não é branco nem fraternalista! O outro, o fraternalista no sentido de Aimé Césaire, o branco que parece um finlandês que nos é mostrado na propaganda cristã, nunca o vi e acho que nunca o veremos! Este não tem nada a ver conosco.

Fonte: Club-k.net

A observação da vida do Kota Maior revelou-nos um homem na verdade da natureza. Quando amava, amava apaixonadamente e o mostrava em todas as suas formas. Vimos este amor através da sua paixão por Marie, da oposição à demolição injusta da casa dos seus pais, da mobilização patriótica para defender a cidade com o seu Batalhão da Reserva durante a Guerra e através da dedicação para dar pontes à sua terra. É também graças a esse amor e sua generosidade que o edifício principal do Governo Provincial, por ele restaurado, ainda se mantém, assim como o nosso Cine Bula, mais conhecido por Cine Clube. O Kota Maior sempre esteve na linha da frente, em movimento pela grande obra de uma Nação. Esteve presente para a construção da Escola Superior do Zaire, do Banco BCI e para o restauro da capela da Sé Catedral da Igreja Católica. Pelas suas obras, ele provou a nós, seus similares, que palavras nobres como patriotismo, generosidade, solidariedade, sacrifício dão ao país que temos hoje quando são esvaziadas da sua substância pela falta de virtude.


O Kota Maior vem de uma linhagem de pessoas corajosas, nós o vimos com a sua mãe, mas ele provou-nos com a sua vida que devemos agregar a essa sorte da vida a força de carácter, o espírito de sacrifício, o amor pela sua comunidade, ou seja, pelo seu país, para que se possa tirar o máximo proveito disso e superar a pequenez. Sem dúvida ele não procurou ser um modelo ou um exemplo, mas o foi apesar de si mesmo, é a marca dos grandes. Se o Kota Maior foi um bom filho da terra, é porque se entregou de coração ao que sabia fazer pelo bem de todos. Não procurou vagar pelas ruas ou televisões como alguns para exibir PhDs ou diplomas de engenharia vazios que ele não possuía. Deixou isso para os doutores e engenheiros altivos de um país que não consegue nem mesmo colocar as suas universidades entre as 300 melhores da África. O Kota Maior sabia que as acções falam mais alto do que as palavras.


Ele era tão confiável que os clubes de futebol da nossa cidade também o escolheram para guardar em sua casa as duas ou três bolas que tínhamos. E muitas vezes esperávamos pacientemente que ele voltasse do trabalho ou da lavra para pegar a bola, porque ninguém ousava entrar em sua casa para a buscar na sua ausência, nem mesmo a sua família.

Ficávamos felizes em vê-lo voltar da lavra, ainda com grandes pedaços de lenha no ombro robusto. E sempre notávamos que as suas chuteiras já não tinham pitões. Sim, o Kota Maior usava as suas chuteiras para ir à lavra, por isso perdia os pitões com o tempo. Deixava a lenha em casa e, como tinha um espírito sacrificial, ia directamente para o campo com a bola em baixo da axila para jogar com os outros. Já vinha suando.


O que podemos aprender da vida do Kota Maior? Como a nossa arrogância, que nada justifica por não ter génio nem beleza, é a nossa marca, as perguntas inaugurais são: "quantos de nós já nos perguntamos: o que fiz pelo meu país? O que concretamente dei à Angola e como tenho tocado positivamente os meus compatriotas?" E, como todos agora acreditamos em Deus, temos até uma Bíblia em casa e às vezes vamos à Igreja (sim, aparentemente o Deus-Comunista que proibia e negava a existência desse outro deus, o Deus Criador, está morto, foi morto há muito tempo porque era mortal!), quantos daqueles que nos governaram até agora e que conduziram o nosso país onde está hoje poderão confessar, depois de terem domado e engolido o seu ego claro, a base de todos os nossos problemas, que traíram o que os nossos povos defenderam quando lutaram para se livrar do colonialismo? Haverá, entre eles, seres bons e construtores que, ao som da trombeta do Juízo Final, se apresentarão perante o Juiz Soberano e dirão em voz alta: "Eis o que fiz de bem por Angola"?
Feliz Ano Novo de 2022!

Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.