Luanda - Há dois casos de estudo proveniente da América Latina que importa analisar, podendo servir de “aviso à navegação ” ao grandes partidos que disputarão o poder nas próximas eleições.

Fonte: Club-k.net

O primeiro caso, apesar do principal facto ter ocorrido há cerca de 22 anos, mas os seus efeitos perduram e permanecem actuais - trata- se do “Caso Partido Revolucionário Institucional ( PRI)”.


O PRI é uma partido histórico que teve o poder hegemónico sobre o México entre 1929 a 2000. Todos os presidentes do México foram deste partido, até que Vicente Fox Quesada, candidato do Partido Ação Nacional, nas eleições do ano 2000, pôs fim a 70 anos ininterruptos da governação do PRI.

O PRI é membro da Internacional Socialista, mas, a sua ideologia actual em nada se assemelha à social-democracia, já que, a partir dos anos 80 do século passado, o partido enquanto governo adoptou medidas, como as privatizações, liberalização do comércio e corte nos gastos públicos, medidas essas, que em muito se aproximavam com as do seu principal rival o Partido da Ação Nacional, abandonando, assim, a sua matriz inicial que o caracterizou, ao longo de várias décadas, como um partido de Esquerda. Além do mais, ainda que conte com sindicalistas nas suas fileiras, estes não adoptam uma linha combativa ao neoliberalismo, sendo apenas um instrumento desta organização na busca de influências sobre os trabalhadores. Desde 1989, o PRI governava 32 entidades federativas, número que hoje está reduzido para menos de metade.


A oposição ao partido, como académicos e historiadores sustentam que durante largo período de governo do PRI, as eleições eram nada mais que simulação de uma aparente democracia.


Também lembram que fraudes eleitorais, incluindo repressão e violência contra os eleitores, eram recurso usados pelo PRI quando o sistema político não funcionava como o partido pretendia, de tal sorte que em 1990, o famoso escritor peruano Mário Vargas Lolsa chamou o governo mexicano, sob égide do PRI, de uma “ ditadura perfeita”.


Entretanto, após a estrondosa derrota nas eleições em 2000, o PRI conservou a maioria relativa no Congresso em 2006, colocando -se como a terceira maior força política do México, sendo que até 2000 teve sempre a maioria no Congresso.


O PRI voltou ainda ao poder em 2012 , com a eleições de Enrique Peña Neto, porém regressou de novo a oposição em 2018.

O segundo caso é recente ( eleições de 20 de Dezembro de 2021)- trata-se da eleição no Chile, onde Gabriel Boric, candidato da Coalizão (coligação) de Esquerda Apruebo Dignidad, foi eleito Presidente da República.


Numa segunda volta bem disputada, o candidato de esquerda derrotou o seu opositor de Extrem-Direita, José António Kast.


O vencedor obteve 55% dos votos, contra 44% do derrotado, numa eleição pautada pelo elevado índice de abstenção. No primeiro turno, Kast saiu à frente com 27, 9% dos votos contra 25, 9% de Boric num pleito eleitoral cuja participação chegou a 47%.


No segundo turno, o índice de participação dos eleitores ficou pela casa dos 40%.
Gabriel Boric, ex-líder estudantil de 35 anos, que vai assumir o cargo em Março deste ano tem pela frente vários desafios. A começar pela recuperação económica pós-pandemia, a escalada da inflação e a conclusão do processo constituinte em curso.


O jovem político tem uma frase que já o tornou célebre e entrou no léxico político mundial - “ se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será o seu túmulo “.


Esse parlamentar eleito Chefe de Estado, apesar de ser de esquerda assumido, não tem, por exemplo, simpatia pelo regime de esquerda vizinho na Venezuela, nem nutre admiração pelo chavismo que por lá vigora. Fortemente aplaudido pela esquerda na América Latina e no resto do mundo, Boric ainda tem muito que provar. Veremos.

Aqui chegados, coloca -se a questão de saber qual a relação deste dois casos com o nosso país?

As semelhanças entre o MPLA e o PRI são por demais evidentes. Começamos por constatar similitudes na metamorfose ideológica ocorridas em ambas formações politicas. Tanto o PRI como o MPLA passaram de partidos de Esquerda assumida para Centro-Direita disfarçada ( situação actual do MPLA no mandato de João Lourenço). A mutações de ambas forças políticas ocorreram em períodos de profundas crises sócio-económicas nos respectivos países, forçando o governo que lideravam a adoptar medidas que não surtiram efeitos desejados.


Em consequência disso, o PRI e o MPLA foram perdendo percentagem de votos de eleições para eleições até que, no caso do partido histórico mexicano, foi derrotado pela primeira vez em 2000, e no caso da seu congénere angolano tal evento ainda não acorreu.


Outra semelhança de vulto resulta das suspeitas de fraude eleitoral. Nos dois casos, as eleições realizadas, enquanto estiveram no poder ( o MPLA ainda permanece no poder ) foram sempre marcadas por polémicas e acusações de irregularidades. A oposição, a sociedade civil, académicos entre outros denunciam, amiúde, nos vários processos eleitorais ocorridos durante a governação deste dois partidos, irregularidades e até mesmo de fraude.


Desse modo, pode-se concluir que o MPLA corre sérios riscos de ter o mesmo destino que o seu congénere mexicano tal é a semelhança dos dois fenómenos políticos.

No caso da eleição chilena a comparação é de outra índole. Está ligado a ideologia que triunfou naquele país da América Latina! Há, do decorrer desta pandemia, uma tendência eleitoral em penalizar os partidos mais à Direita - foi assim com o Trunp no EUA, em 2020, com Kast em 2021 no Chile. No Brasil, por exemplo, o Bolsonaro, que se move com orgulho no espectro da Direita, está a perder terreno com o ressurgimento do fenómeno esquerdista chamado Lula da Silva. E mais próximo de nós está o fenómeno “ Hichilema”.
Hakainde Hichilema ficou célebre por ter sido perseguido politicamente pelo partido no poder do ex- Presidente zambiano, Edgar Lungu.


Lungu, mesmo tenho toda máquina administrativa a seu favor, não conseguiu evitar a vitória de Hichilema nas eleições presidenciais de 2021.


E caso para dizer que a pandemia está a arrasar com os partidos no poder com dificuldades de governação.


A governação do MPLA de João Lourenço apresenta todos esses sinais. No seu consulado, que termina este ano, o MPLA fez reformas profundas na legislação administrativa e fiscal, alterou a Constituição e está ensaiar um programa de privatizações jamais visto entre nós, colocando -se, claramente, à Direita. E, como vimos, os movimentos à Direita no período pandémico não são bem aceites pelos cidadãos em quase todos os países onde ocorreram recentemente eleições.


Ainda resta ao MPLA a sua máquina organizativa com uma poderosa capacidade de mobilização, o seu peso histórico ( que hoje é uma faca de dois gumes) e o suporte institucional incluindo as estruturas administrativas e judiciais eleitorais.


Há ainda o “factor África”, onde os fenómenos mundiais têm tendência de encontrar outras configurações. Por fim, mais não menos importante, a favor do MPLA, está o elevado grau de abstenção que pode ocorrer nas próximas eleições. De facto, a abstenção tende a beneficiar quem está no poder. E pelos dados que dispomos até ao momento, tudo indica que nas próximas eleições a abstenção terá índices record: a pandemia, a fraca afluência ao registo eleitoral, a iteracia, os problemas sócio-económicos da grande maioria da população, a desmotivação e descrença política, entre outras razões, deixarão, provavelmente, muitos dos os potenciais eleitores em casa no dia da votação. Para grande maioria dos angolanos ir votar nas eleições de 2022 será mais um acto de heroísmo do que um simples e regular exercício de cidadania.


Por outro lado, e a favor da oposição, está o desgaste de longos anos de governação do partido no poder, actual crise sócio-económica, a conjuntura desfavorável causada pela pandemia, uma sociedade civil organizada mais inclinada para oposição e, por fim, uma oposição em ascensão em termos organizativos e com elevada aceitação popular.

Dito isto e como o poder nunca fica vazio, veremos quem o ocupará depois das eleições deste ano. Para já alea jact est