Luanda - Acordamos em 2022, um ano tecnicamente não governativo, pelo facto de estar reservado à criação de condições para a realização do culminar do exercício da cidadania de qualquer Estado que se preze nos marcos do cânone da democracia, segundo diversos autores da ciência política e do próprio direito. Pelo título desta reflexão, irão nos apedrejar pelos leitores visto que estamos no princípio do ano eleitoral e já assumimos um posicionamento concreto face às eleições gerais.

Fonte: Club-k.net

Apresentamos a nossa declaração de voto face aos resultados eleitorais, que nos são apresentados pela CNE, que os leitores sufragaram. A bom rigor, foi com profunda dor e tristeza que aceitamos resultados que não reflectem a real vontade do cidadão eleitor.


Angola, volta a perder mais uma oportunidade para emancipar o fortalecimento das suas instituições, o fortalecimento da sua democracia e o fortalecimento do exercício da cidadania.

Neste interim, no princípio de 2017, após a UNITA ter aceite os resultados eleitorais de ânimo leve, diga-se de passagem, forçou obrigatoriamente o surgimento de uma sociedade civil onde por si, procurou chamar-se a responsabilidade de assumir o seu destino onde com frequência, utilizou o slogan “Somos à Esperança de Nós Mesmo”, e mais tarde, “a nossa geração não pode falhar” onde partidos políticos que aceitaram os resultados eleitorais caíram no descrédito total por parte dos jovens activistas. Com maior peso à UNITA, onde na altura o seu presidente Dr. Isaías Samakuva foi confrontado pelos seus militantes a sair às ruas ou a não aceitar os resultados e por consequência, não tomar posse no parlamento.

Tal como o próprio Presidente tivera aludido, “foi um sacrifício necessário para a paz, estabilidade e reconciliação nacional”, onde por impulso, assumiu que não voltaria a "engolir sapos”, uma frase que tornou-se popular.

Ultrapassada essa situação, seguiu-se com a tomada de posse do novo golfinho da Cidade Alta, que no seu primeiro discurso, diga-se em abono da verdade, “arrasou sem dó, nem piedade” à anterior governação do antigo Presidente, José Eduardo dos Santos. Assumiu-se como um verdadeiro reformista e tudo parecia que o tempo perdido seria recuperado com a maior rapidez possível. Diga-se, a sociedade civil, partidos políticos não tinham discursos e João Lourenço, fazia da governação um instrumento de unidade nacional na busca satisfação das necessidades colectivas.

Como diz o velho adágio, “não há almoços grátis”, Presidente Samakuva é substituído pelo seu novo golfinho, Adalberto Costa Júnior, no décimo terceiro congresso dos maninhos, “surpresa que nos surpreendeu”. O Presidente João Lourenço, felicita o seu “possível” directo adversário nas eleições gerais de 2022, via Twitter. Algo que nunca antes aconteceu na vida política nacional, todos regozijamo-nos pelo feito e espírito de cordial assumido pelo Presidente de todos.

Neste período, de 2017 à 2019, tivemos uma governação chegada ao cidadão, onde nós enquanto académicos, sentímo-nos que finalmente, a classe governante fará as pazes com os governados, onde o presidente parava no semáforo, a viagem de Cabinda onde sua caravana atropelou uma menor, que foi prontamente socorrida pela sua equipa de apoio a seu mando, andava pela ilha de Luanda a pedalar numa bicicleta, ia à praia, à entrega das ossadas do mais velho, Jonas Savimbi, visitava doentes nos hospitais, como o Chivukuvuku e outros, visitou de forma surpreendente o antigo hospital sanatório de Luanda, a Centralidade do Zango 8000. Tudo indicava que não tínhamos um Deus na Presidência da República, tínhamos um cidadão que vivia em Angola, que sentia as dores dos seus cidadãos e está/esteve ávido de realizar os anseios dos seus cidadãos. É/era sensacional.

Tivemos uma imprensa pública, não refém aos interesses alheios, mesmo não sendo uma comunicação social satisfatória, era de esperar os seus programas e assistir. De facto, nos foi proporcionado um período grátis de equilíbrio governativo e susceptível de melhorar com boa vontade política e o pleno exercício da cidadania.

Consumido este período da bonança, surge o período da turbulência com a ascensão do fenómeno ACJ. Com o seu surgimento na lide da liderança dos maninhos, ACJ implementou um novo oxigénio no modo de estar e fazer política, utilizou a velha máxima, o adversário do meu adversário, é meu amigo para juntos derrubarmos o adversário comum, diga-se. ACJ conseguiu entrar em zonas privilegiadas do mosaico político nacional, convergiu os interesses da maioria dos activistas cívicos e políticos, transformou-se num verdadeiro calcanhar de Aquiles no pé do Presidente João Lourenço.

Como consequência, o Presidente do tribunal constitucional demite-se do cargo, instituições públicas são tornadas reféns, nomea-se para Presidente do tribunal constitucional membro do bereau político, e o congresso que já tivera sido anotado pelo mesmo tribunal é anulado e recomendados a realizar um novo congresso. As condições foram bem criadas para um clima menos recomendável dum Estado que está prestes a partir para um período eleitoral.

Na epopeia do combate à corrupção, as políticas públicas tornaram-se amorfa face aos anseios dos positivistas. O nível de desemprego agravou, a inexistência do poder de compra, a produção nacional continuou uma utopia face à prática como critério da verdade. Órgãos de comunicação social construídos com fundos públicos arrestados nos processos de corrupção e branqueamento de capitais, milhares de jovens deitados para o desemprego, órgãos de comunicação social passaram de privados à estatais e seguem em rixa com assassinato de caracter, analistas de aluguel contratados a peso de ouro ao serviço do partido de situação para cumprir a missão de ferro e fogo, afastar o fenómeno ACJ da presidência da UNITA, que por maquiavelismo, chamou os amigos e vizinhos, construiu a FPU que pela primeira vez na história política nacional, conseguiu convergir interesses, quer da sociedade civil quer de políticos e partidos políticos com o propósito único, juntos derrubarem o partido que governa. Ente este composto por pesos pesados, refiro-me à Abel Epalanga Chivucuvuku Filomeno Vieira Lopes e Adalberto Costa Júnior. Diga-se em abono da verdade, é um tridente de luxo que qualquer equipa gostaria de tê-los no seu time.

Com o décimo terceiro congresso anulado pelo tribunal constitucional via “extra petita”, — o tribunal extravasou face ao pedido dos requerentes, pois os mesmos solicitaram à impugnação da candidatura de ACJ e não do congresso. O tribunal constitucional entendeu extravasar do pedido e assumiu o ónus da situação. UNITA entra numa crise sem precedentes e o presidente Samakuva volta a assumir a liderança, convoca o décimo terceiro congresso e Costa Júnior é eleito presidente, o que de certeza não agradou quem queria ver de fora este animal político. Os mesmos queixosos, que outrora solicitavam a impugnação da candidatura de ACJ, voltaram a recorrer ao tribunal, solicitando novamente a impugnação do congresso, segundo eles, estarem coagido a realizar um congresso às pressas e não concordar nas datas estabelecidas pela comissão política, datas que foram à votos e à maioria ditou as regras do jogo, regra sine qua non em qualquer processo democrático.

Hoje, nos surpreende com o mesmo tribunal constitucional, que havia anulado o décimo terceiro congresso a voltar a anular um congresso que o mesmo exigiu a sua repetição. Qual é a lição que nos é dada face a essa maracutaias conforme dizia um respeitável académico — José Adriano Dango — é simples, perdemos a oportunidade de emancipar a nossa democracia, estabilidade das instituições e o pleno exercício da cidadania.

É de facto doloroso ter de aceitar o afastamento destes políticos da corrida eleitoral tudo porque o novo golfinho da Cidade Alta não tem pujança para correr com os mesmos à mesma velocidade, mesmo tendo tudo a sua disposição. Diga-se, o Presidente da República falhou ao aceitar que a filosofia que vinha defendendo, venha deturpar-se e seja conivente, o que concluímos que aceitou o jogo sujo para a manutenção do poder tal como Maquiavel realça no Príncipe — "todos os meios para a manutenção do poder são legítimos", corroborando assim com a tese que diz que os meios justificam os fins.

O Presidente João Lourenço esqueceu-se que um opositor forte torna a sua governação marcante e competitiva, acertando em cheio nas questões inquietantes que os mesmos levantam, perdeu a soberana oportunidade de pôr o nó à gravata em cheio quando submeteu a proposta da revisão da constituição ao não permitir tocar nas questões estruturais do sistema vigente no país, perdeu-se a oportunidade de reformar à CNE, tornando-a num ente meramente partidário. Falhou-se quando se nomeou o seu Presidente, mesmo tendo processos de corrupção a correr em sede do tribunal, falhou se mesmo sabendo dos vícios decorrente da sua eleição por não reunir todos os requisitos exigidos por lei, mas infelizmente, o seu partido, por via da Assembleia Nacional, deu o voto tácito e assumiu as funções de uma instituição que no final do dia, deveria constituir o orgulho e honra de todos os angolanos, uma vez que é por via dela que o país atribui as responsabilidades de contagem dos votos, validação dos votos, e anunciação dos mesmo, tornando assim responsável de uma das fases mais importantes do processo do exercício da cidadania.

Adiamos para a eternidade a realização das eleições autárquicas, aquilo que poderia ser o cajado da boa governação que sua excelência trazia no período da bonança, perdemos essa soberana oportunidade, como solução paliativa, decidiu-se dividir às províncias para que haja melhor governação e proximidade com o cidadão, paradoxal, para um reformista e exímio xadrezista, como apresentara na sua primeira conferência de imprensa após os 100 dias no palácio da Cidade Alta.

Para ti, para mim e para nós, aceitamos mais uma vez adiar o sonho de atingir o desenvolvimento sustentável do país com boas práticas e ações que nos levem a esse patamar de vida. Continuemos a acreditar em Angola e nos angolanos, pois no final do dia, são a maior riqueza a par de tudo.

Enquanto académicos, reconhecemos que essa problemática é transversal em toda África, em que partidos de situação, é quase impossível partir de um pleito eleitoral com uma lei eleitoral justa e equilibrada sem necessidade de prejudicar um ou outro. Reconhecemos que em África, às eleições são meros actos de manutenção de poder, pois o seu real sentido exige de nós mais trabalho e dedicação, tal como referimos no livro que estamos a escrever sobre o tema que temos como título: "África. Às Eleições como refúgio para a manutenção do poder.", onde apresentamos uma análise do constitucionalismo africano, as leis eleitorais africanas e o modo de agir dos seus líderes em vésperas das eleições. Após lerem este livro, temos a total certeza que irão concordar com as posições que assumimos nesta obra, que breve faremos o seu lançamento.

Deixamos a nossa declaração de votos, ciente que em 2027 as coisas melhorem, e que venhamos a ter um vencedor justo, onde a sua administração não seja vista como Deus na terra ou esteja a fazer um favor aos governados. Tudo isso só será possível se aceitarmos o jogo democrático, tornando-se assim competitivo e a quem souber tirar proveito disso, que seja capaz de transbordar a confiança depositada pelos cidadãos.

Angola é dos angolanos e a sua realização depende dos esforços de todos, esse deve ser um compromisso comum.

Parabéns ao vencedor! Que saiba responder a confiança que a ti é depositada, justificar um erro não constitui na criação da sua solução. O nosso país é eivado de problemas, procurar culpados não torna resolúvel os problemas. É recomendável assumir a posição de um bom pai e seguir na frente, para resolução dos problemas.

Um até já, Excelência!


Kk