Luanda - Os membros dos órgãos de direcção da Caixa de Previdência e Aposentações dos Trabalhadores Tributários (CPATT) — a entidade usada pelo antigo Conselho de Administração da Administração Geral Tributária (AGT) no alegado esquema de corrupção, por via da conta de reembolsos do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) aos contribuintes —, devem devolver aos cofres da associação mutualista perto de 404 milhões de kwanzas, gastos com processamentos de “salários indevidos”, apurou o !STO É NOTÍCIA de fonte do Ministério das Finanças (MINFIN).

* Nok Nogueira
Fonte: !STO É NOTÍCIA.

O fundo, que entre 2019 e 2021 funcionou como uma espécie de ‘caixa 2’ da Administração Geral Tributária — e receptora dos valores resultantes de aplicações bancárias feitas com os recursos da conta de reembolsos do IVA aos contribuintes —, pagou, durante dois anos e meio, um total de 403 976 445,00 kz (quatrocentos e três milhões, novecentos e setenta e seis mil e quatrocentos e quarenta e cinco kwanzas) só com despesas relacionadas com os salários dos membros de direcção da associação, atropelando o seu próprio Estatuto Orgânico.

Os valores foram apurados através do acesso a cópias de folhas salariais dos membros de direcção do fundo, durante a acção inspectiva que ajudou a ‘destapar’ o esquema de corrupção envolvendo as aplicações bancárias efectuadas com os recursos da conta de reembolsos do IVA aos contribuintes, levada a cabo entre os meses de Julho e Novembro de 2021, conforme revelado pelo !STO É NOTÍCIA.

O valor pago é tido como parte das “vantagens indevidas” a que os membros dos órgãos de direcção do fundo mutualista tiveram acesso entre os anos de 2019 e 2021, no quadro das despesas pagas com os recursos que resultaram das aplicações bancárias feitas pelo anterior Conselho de Administração da AGT, sem o consentimento ou autorização do departamento ministerial superintendente (MINFIN).

De acordo com o próprio Estatuto Orgânico da Caixa de Previdência e Aposentações dos Trabalhadores Tributários, órgão de direcção algum tem direito a salários, senão um subsídio de representação, para cobrir despesas com viagens, refeições e outras, sempre que os seus membros estejam em missão de serviço em nome da associação em eventos afins.

 

O não pagamento de salários destinados à direcção ou aos membros dos órgãos directivos da CPATT deve-se, em parte, ao facto destes últimos não estarem dispensados da prestação de efectividade na AGT, por outro lado, e, por outro, por se tratar de cargos electivos. Quem assim o determina é o próprio Estatuto Orgânico do fundo mutualista no n.º 2 do Artigo 38.º, ao definir que os “funcionários da secretaria são funcionários no activo, em comissão de serviço na CPATT, e não podem prestar serviços em qualquer outra área da AGT, enquanto trabalhadores da CPATT”.

Em bom rigor, o Estatuto Orgânico da CPATT determina que só o seu secretário-geral esteja a tempo inteiro e efectivo na associação mutualista, deixando de fora os demais membros de direcção e colabores, que devem cumprir a sua efectividade junto da AGT e não em ambos os locais como era prática corrente na Caixa de Previdência e Aposentações dos Trabalhadores Tributários até à altura em que se levou a cabo a acção inspectiva.

E, apesar de se admitir que o secretário-geral esteja a tempo inteiro na CPATT, não se lhe é aberta a excepção para o recebimento de um salário mensal ou um outro tipo de pagamento adicional, senão as despesas de representação como já referido.

A nota curiosa é que estes salários foram processados até à data em que a equipa inspectiva tomou as rédeas de todo o processo, tendo interrompido um processamento mensal na ordem dos quase 13 milhões de kwanzas divididos entre membros de direcção e colaboradores.

O Estatuto Orgânico da CPTTA define, na verdade, as competências dos titulares em funções na direcção do fundo mutualista como uma espécie de “cargos voluntários”, partindo do princípio que o candidato a presidente do organismo e outros membros dos órgãos sociais, têm clara noção de que não têm direito a uma remuneração salarial mensal ou mesmo uma avença, e sim a um subsídio para cobrir as despesas decorrentes de eventos em que participam em representação da Caixa de Previdência.

 

Subversão do Estatuto Orgânico da CPATT

O Estatuto Orgânico do fundo mutualista define e determina a condição dos órgãos directivos, assim como dos seus membros, porém, a direcção que saiu da Assembleia Geral de Outubro de 2017, liderada por Dionísio André da Cruz, presidente eleito naquele ano, subverteu o seu conteúdo no exercício de gestão, tendo aprovado uma tabela de remuneração dos membros do corpo directivo e colaboradores.

Com a referida aprovação, os membros de direcção da CPATT, que estavam ainda no activo na AGT, passaram a auferir dois salários, como resultado da dupla efectividade nos dois organismos.

Ao que apurou o !STO É NOTÍCIA, algumas das perguntas levantadas pela equipa inspectiva ficaram sem resposta, tais como: estando os funcionários a prestar a sua efectividade junto da AGT, seria correcto o pagamento dos seus salários via CPATT?; estando em comissão de serviço destacados na CPATT, estes funcionários deviam ser remunerados pela instituição na qual se encontravam destacados, sendo excluídos da folha de salário da AGT durante o tempo em que durasse a comissão de serviço?

Uma fonte das Finanças explicou ao !STO É NOTÍCIA o que seria o procedimento correcto para o caso em questão:

“A lei diz que quando alguém é dispensado para uma comissão de serviço, obrigatoriamente, tem de sair da folha de salário do seu local de origem, exactamente para não ter a dupla efectividade. O que acontece é que eles recebiam pelo CPATT e também continuaram a receber salários, subsídios de férias e todas as outras benesses do Ministério das Finanças. O que é extremamente errado”, começou por esclarecer a fonte, reforçando:

“Era suposto saírem da folha da AGT, durante o período que durasse a comissão de serviço, e pagos pelo CPATT, isto por um lado. Por outro, existe aqui um senão: o Estatuto Orgânico da CPATT também não prevê o salário deles, e não prevê porquê? Por ser um fundo mutualista, e porque também nunca se previu um salário para os membros dos órgãos directivos. Foi isso que aconteceu”.

 

SIGFE não executou despacho de dispensa

A fonte do !STO É NOTÍCIA chamou ainda atenção para o facto de os visados terem sido dispensados para a comissão de serviço, porém, tratou-se de um “procedimento administrativo nulo”, por nunca ter sido efectivamente formalizado através do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE).

A não formalização do processo por via do referido sistema teria dado espaço a que os visados se mantivessem nas folhas de salário da AGT, ao mesmo tempo que continuaram a ser remunerados pelo fundo mutualista, sob a ‘capa’ de estarem lá em comissão de serviço.

“A partir do momento em que eles [os membros de direcção do fundo] estavam dispensados para comissão de serviço, tinham de automaticamente sair da folha de salário da AGT. Sendo funcionários públicos, eles têm que obrigatoriamente sair da folha de salário. Trata-se até de um procedimento que o SIGFE completa automaticamente. Bastando que se submeta o despacho de nomeação para a comissão de serviço, o SIGFE, automaticamente, veta o pagamento de salários pela origem”, explicou a fonte das Finanças.

O normal nestes casos, de acordo com explicações adicionais obtidas a partir da mesma fonte — após ser emitido o despacho que autoriza um funcionário público a sair em comissão de serviço — é o SIGFE exigir a actualização dos dados do agente. Nestas situações, ao proceder-se à actualização, o próprio SIGFE obriga a que se anexe o despacho de nomeação para a comissão de serviço e de imediato é cortado o pagamento de salários.

“O que é que aconteceu [no caso dos funcionários da AGT em comissão de serviço na CPATT]? Como era uma nomeação para legitimar actividades ilícitas e para garantir que estas actividades seriam feitas a bel-prazer da AGT, esta baixa nunca foi dada no sistema. Ou seja, nunca se submeteu e nunca se actualizou nas folhas de salário a saída destes agentes. Mas isso é um acto premeditado, não é um acto que aconteça sem querer, porque estamos a falar de um despacho que foi feito por um PCA. Ou seja, tem toda uma tramitação administrativa a ser seguida: passagem pelo jurídico e depois a consolidação junto dos Recursos Humanos. Daí terem recebido salários, subsídios de férias; recebido rigorosamente tudo, como se nunca tivessem saídos da AGT”, reforçou a fonte.

Uma outra fonte com ligações à AGT garantiu ao !STO É NOTÍCIA que, desde que foram eleitos membros dos órgãos de direcção da CPATT, os visados nunca prestaram efectividade junto da Administração Geral Tributária, por um lado, e, por outro lado, e ainda mais grave, segundo a fonte, é o facto de não terem sido lavrados os respectivos auto de abandono, uma vez que há quase três anos que não prestam efectividade na AGT.

 

Valores a devolver aos cofres da CPATT

Do apuramento feito pela acção inspectiva, foi possível concluir que os funcionários na condição de dupla efectividade beneficiaram de um valor global na ordem dos quase 404 milhões de kwanzas, os quais devem ser reintegrados aos cofres do fundo mutualista.

Trata-se de quantias referentes ao ano de 2019, na ordem dos 155 264 510,00 — cento e cinquenta e cinco milhões duzentos e sessenta e quatro quinhentos e dez kwanzas anuais); ao ano de 2020, na ordem dos 157.044.380.00 — cento e cinquenta e sete milhões e quarenta e quatro mil trezentos e oitenta kwanzas anuais; e ao ano de 2021, na ordem dos 91 667 555,00 — noventa e um milhões seiscentos e sessenta e sete mil quinhentos e cinquenta e cinco kwanzas anuais).

O somatório dos três valores anuais totalizam 403 976 445,00, não tendo o !STO É NOTÍCIA conseguido apurar o total auferido pelos envolvidos através das folhas processadas pela Administração Geral Tributária.

O que é a CPATT?

A Caixa de Previdência e Aposentações dos Trabalhadores Tributários ou CPATT ou é uma associação mutualista, que goza de personalidade e capacidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial, de inscrição obrigatória, que não visa fins lucrativos e pertencente exclusivamente aos trabalhadores tributários, activos e reformados.

É a instituição renderia da Caixa de Previdência e Aposentação dos Trabalhadores das Alfândegas (CPA), constituída e aprovada por Diploma legislativo n.º 1012, de 9 de Julho de 1938. É uma instituição de âmbito nacional e tem a sua sede em Luanda e com representações nas sedes da Regionais Tributárias.