Luanda - Cerca de 79 (Setenta e Nove) ex-trabalhadores do falido Banco BANC, de um total de 199 (Cento e Noventa e Nove), têm, desde a última sexta-feira, 04.03.2022, algum motivo para sorrir, junto dos seus, depois dos inúmeros revezes que tiveram de suportar, depois que o BNA, entidade reguladora do sector bancário, decidiu pela retirada/revogação de licença, em Fevereiro de 2019, ao Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC), com fundamento em graves problemas técnicos que colocaram a instituição em falência técnica.

Fonte: Club-k.net

Se se questionar sobre o por quê de apenas agora se estar a fazer os pagamentos de compensações, uma vez que a retirada da licença, e consequente encerramento do BANC, deu-se em Fevereiro de 2019 e a sentença que decretou a sua falência ter sido proferida a 14 de Maio de 2021, seremos forçados a fazer um pouco de história a respeito do «Processo Falência do Banco BANC».

Do seguinte modo: Uma vez tomada a decisão, pelo BNA, de que o BANC não estava mais em condições de subsistir no nosso sistema financeiro bancário, sob pena de risco sistémico, o assunto foi encaminhado à PGR, que, em nome dos interesses do Estado angolano no referido Banco, avançou para a instauração do Processo Judicial de Falência, no quadro da Lei de Bases das Instituições Financeiras, então vigente, e do Código do Processo Civil, por vislumbrar indícios de falência fraudulenta/dolosa.


Acto contínuo, com a entrada do processo na 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do (então) Tribunal Provincial de Luanda, ganhando o n.º 2327/19-A, actualmente processo n.º 2327/19-A (01/21-B) correndo termos na 2.ª Secção da Sala do Comércio, Propriedade Industrial e Intelectual do Tribunal de Comarca de Luanda, foi distribuído, em Dezembro de 2019, ao Juiz Osvaldo Malanga, que, por afeição e especialização em processos falimentares, começou a ver encaminhar para si os mais dos processos do género “falência bancária”, quando já tinha em mãos o processo «Banco MAIS» e, durante a tramitação do Processo Banco BANC, recebeu também o processo de liquidação do Banco Kwanza Investimento.


E um dos primeiros actos do Juiz Osvaldo Malanga foi nomear o Administrador da Massa Falida do BANC, proposto pelo BNA, com o beneplácito da PGR, esta última que segue esse tipo de processos em todas as suas fases, enquanto Síndico. A nomeação deu-se em Maio de 2020, pelo que, o Administrador da Falência e a sua equipa técnica de apoio, constituída judicialmente, em acção concertada com o Tribunal desencadeou as primeiras actividades, deparando-se com uma fria e dura constatação: o BANC tinha Zero valores em conta, para ser mais rigoroso, o Banco tinha um passivo abaixo do Zero por recuperar. O que passava por descortinar a enorme folha de créditos cedidos pelo BANC, numa espécie de festa do dinheiro, a empresas e particulares terceiros, a administradores e trabalhadores da instituição, bem como a partes relacionadas.


É nesse exercício, de identificação dos devedores do falido, e posterior cobrança, encetado pelo Juiz Osvaldo Malanga, ajudado pela Administração da Massa Falida, que está certamente o seu «grande pecado», na visão de indivíduos da nossa Mais Alta Magistratura Judicial, a ponto de pretenderem vê-lo fora da magistratura judicial. Daí que, sob alegação de ter recebido denúncias de um dos grandes devedores do falido, o polaco Tomasz Dowbor, de um grupo de ex-trabalhadores tendo à testa a Responsável do Gabinete Jurídico do falido, o CSMJ abriu um processo disciplinar (n.º 5/21), contemplando uma fase de inquérito. Em sede da qual, o Juiz-Instrutor, indigitado pelo CSMJ, ouviu todas as pessoas que julgou pertinente ouvir, desde o Juiz aos denunciantes, passando por integrantes da Administração da Massa Falida e por ex-trabalhadores do BANC. Do inquérito, que permitiu, outrossim, a acareação entre o Juiz e os denunciantes, resultou como medida aplicável ao processo disciplinar a de suspensão por 120 dias, com privação de remunerações, conforme a Resolução n.º 13/2021, de 12 de Outubro, do CSMJ, mas assumida de forma individual pelo seu presidente, que é também presidente do Tribunal Supremo. Ao que, inicialmente, o Juiz sancionado decidiu recorrer, pelo facto de não compreender a racionalidade da medida, já que em todo o processado no inquérito nada consta como evidência de qualquer prática de crime de corrupção ou de uso indevido de bens do falido, por sua iniciativa. A única observação feita pelo Juiz-Instrutor teve a ver com o facto do Juiz ter ido ao condomínio Boa Vida, na companhia de integrantes da Administração da Massa Falida, que se deveu à necessidade de constatar as lojas adquiridas pelo BANC naquele condomínio e abordar o senhor Tomasz Dowbor sobre a forma que adoptaria para reembolsar o falido dos mais de Dois Mil Milhões de Kwanzas recebidos em créditos múltiplos e sucessivos, bem como sobre a data de entrega das habitações pagas pelo BANC, no âmbito de créditos-habitação cedidos a trabalhadores. Ao que o Juiz-Instrutor repreendeu o Juiz pela conduta, de ir ao encontro de um dos devedores, pois acabaria por ser usada negativamente contra si (situação que veio efectivamente a acontecer), considerando tal conduta do Juiz Osvaldo Malanga como uma mera irregularidade.


Porém, percebendo os sinais que vinham da Mais Alta Magistratura Judicial, sempre em seu prejuízo, e aconselhado por diversos colegas e amigos, escreveu ao CSMJ a desistir do recurso interposto, logo, conformou-se com a suspensão das funções por 120 dias, sem salários, que até já estava a cumprir, tendo como indicação para o seu levantamento o fim do mês de Fevereiro.


Nesta ordem dos acontecimentos, foi com total estupefacção que se deparou com a tomada de uma medida mais gravosa contra si, patente na famigerada Resolução n.º 2/2022, de 02 de Fevereiro, e em adição a que já vinha cumprindo, ou seja, o Juiz Osvaldo Malanga foi demitido da Magistratura Judicial. Entretanto, o raciocínio usado pela relatora da Comissão Permanente do CSMJ, para tão drástico desfecho, é no mínimo de brandar aos Deuses do Direito! Que ao menos estivesse a medida crismada de falha humana, mas não, é um descomunal erro em toda a linha. Seguiremos acompanhando o caso, pois, nos constou que o Juiz Osvaldo apresentou a devida reclamação, para lograr a alteração da medida e, assim, não ver a sua vida pessoal, familiar e profissional completamente desmontada.


Voltando à nossa abordagem de início, a primeira fase de pagamentos de compensações ocorre num momento em que um dos seus maiores impulsionadores, o Juiz Osvaldo Malanga, está praticamente empurrado para fora da Magistratura Judicial, visto que, quando o Síndico do Processo deu entrada do Incidente atípico de pagamento antecipado aos ex-trabalhadores, motivado pela Administração da Massa Falida, ele promoveu, de imediato, a respectiva audiência, em Agosto de 2021. Por conseguinte, a satisfação de um dos assuntos mais reclamados pelos trabalhadores, o pagamento das compensações, corresponde a uma vontade e interesse do Juiz (sancionado duplamente pelo mesmo facto), quando decidiu que era fundamental a máxima recuperação dos créditos do falido, porque só dessa forma se consegue honrar as responsabilidades passivas do mesmo falido, em relação ao Estado e aos trabalhadores, bem como aos demais credores do BANC, quer por depósitos remanescidos em conta, quer por serviços prestados.


Por fim, referir que, contas feitas, esses 79 trabalhadores, beneficiados com as suas compensações pelos anos de trabalho prestado ao BANC, com base nas regras fixadas pela Lei Geral do Trabalho, é uma parte dos 199 trabalhadores arrolados nesse processo, pois nem todos subscreveram, nessa primeira fase, os acordos de cessação do vínculo com Banco, visto que a Administração Provisória que havia sido promovida pelo BNA, deixou esse assunto por resolver, e tão logo se tenha mais trabalhadores mobilizados far-se-ão novos pagamentos. Do ponto de vista financeiro, a Administração da Massa Falida, que encontrou a antiga instituição bancária na condição abaixo de Zero, vai despender cerca de Kz. 70 Milhões, sendo que, na globalidade, para os 199 trabalhadores vai desembolsar cerca de Kz. 320 Milhões. O que demonstra que o trabalho aturado de recuperação de créditos e de alienação de bens do falido, pela Administração da Massa Falida, tem sido realizado dentro dos preceitos legais, sob pontual supervisão do Tribunal, do Ministério Público e do Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR. Não fosse o impulso do Síndico do Processo, sob motivação da Administração da Massa Falida, e a visão ampla de justiça, em lugar do legalismo estrito, do Juiz Osvaldo Malanga, os referidos trabalhadores apenas seriam chamados para receber as compensações no fim de todo o processo, cuja data ninguém é capaz de prever, com a liquidação patrimonial definitiva do BANC, como bem prevê uma lei específica aplicável ao sector bancário.

 

Carlos André