Luanda - O ativista Rafael Marques considerou hoje que o poder judicial é um dos obstáculos ao combate à corrupção em Angola, classificando o Tribunal Supremo como um órgão disfuncional e a magistratura como a nova oligarquia do país.

Fonte: Lusa

O jornalista, responsável pelo site Maka Angola e fundador da Ufolo – Centro de Estudos, participou hoje em São Tomé e Príncipe num Intercâmbio sobre Governação e Luta contra a Corrupção que decorre no Centro Cultural Português.

 

Rafael Marques destacou que “o combate à corrupção no país tem de ser mais profundo e transformador” e salientou que a corrupção “não pode continuar a ser um elemento de conforto para conseguir empregos e promoções”, servindo para o bem-estar e o enriquecimento egoísta dos privilegiados.

 

Apontou ainda obstáculos concretos na luta contra a corrupção entre os quais a disfunção do poder judicial que mantém “a moldura humana e as mesmas estruturas que serviram de acessório à pilhagem do país e à captura do Estado”

 

O ativista e investigador criticou as “práticas burocráticas antiquadas, corporativas e até mesmo corruptas” do poder judicial e considerou que o Tribunal Supremo, que tem estado na linha da frente deste combate, deveria ser um tribunal de recurso, e não está habilitado a julgar, em primeira instância, casos criminais complexos.

 

Criticou também a imensidão de pessoas que gozam de imunidades e foro privilegiado - deputados, ministros de Estado, ministros, secretários de Estado e entidades equiparadas, bem como a generais das Forças Armadas Angolanas (mais de dois mil), comissários da Polícia Nacional no ativo e juízes dos tribunais superiores – lista que no seu entender deveria ser reduzida, devendo as imunidades ser aplicadas apenas a quem se encontra no exercício de funções.

 

Como exemplo da disfuncionalidade do Tribunal Supremo referiu que, entre os seus 340 funcionários cerca de metade “são lavadeiras, governantas, cozinheiros, jardineiros e motoristas colocados nas residências dos juízes conselheiros”, que não prestam apoio na tramitação e celeridade processuais.

 

Por outro lado, os interesses deste grupo foram agravados pelo regime de comparticipação que atribui à Procuradoria-Geral da República (PGR) e aos tribunais 10% do valor líquido dos a tivos financeiros e não financeiros por si recuperados, uma medida que, argumentou, “anula a independência e a imparcialidade dos tribunais nos julgamentos dos casos de corrupção, uma vez que os magistrados obtêm benefícios pessoais ao decidirem a perda alargada de bens por parte dos arguidos.

 

“Estão assim criadas as condições legais para que a magistratura judicial se transforme na nova oligarquia do país. Trata-se, simplesmente, de corrupção legalizada”, sublinhou Rafael Marques.

 

O fundador do Ufolo afirmou que “o combate à corrupção não pode servir para criar uma nova classe de predadores”, realçando que “Angola não quer e não precisa de novos bandidos”

 

Deixou também recados ao executivo angolano liderado pelo Presidente João Lourenço, que “já teve tempo para avaliar os seus colaboradores e conhecer bem os mecanismos e as alavancas do poder.

 

“As denúncias que apontam membros do atual executivo como corruptos parecem cair num vácuo. Assim, os casos vão aumentando e a desmoralização da administração do Estado galopa de forma desabrida”, criticou.