Autor diz que usa “técnica portátil”

Tarde de domingo, 14 de Dezembro. Uma mulher geme com dores e tem febre alta. Está na “enfermaria” de um “centro médico” onde lhe foi operada a barriga por um charlatão que diz ser médico e cirurgião. Faustina Chilombo, residente no Morro da Luz, no bairro da Samba, deu entrada há 19 dias no centro médico Tchinguela II, localizado na rua do Acal, quilómetro 14, casa sem número, município de Viana. Xavier Afonso, marido de Faustina Chilombo, e um funcionário do centro, partiram há duas horas à procura do “médico” que efectuou a intervenção cirúrgica.

Silas Afonso, irmão de Xavier, técnico de saúde num dos hospitais públicos de Luanda, está cada vez mais preocupado com o estado de saúde da cunhada, mas não pode tirá-la do centro sem um relatório do médico assistente.
Por volta das 16 horas, a situação piorou. O enfermeiro de serviço não tem solução. Ele só sabe dizer que nada sabe. Deixa toda a responsabilidade para o médico, que demora a chegar.
 
Já ao cair da noite, um táxi parou em frente ao centro com três ocupantes: o presumível médico, Xavier Afonso e o motorista. Já no consultório do “médico”, Silas Afonso, cunhado de Faustina, troca impressões com ele, mas este, talvez devido ao estado preocupante da sua paciente, não diz coisa com coisa. Por volta das 18 horas, decidem transferir Faustina Chilombo para o Hospital Josina Machel. Quando era meia-noite, a doente faleceu, apesar dos esforços da equipa médica de serviço.

As palavras de Xavier

Xavier Afonso diz que a sua mulher deu entrada no centro médico Tchinguela II no dia 26 de Novembro, para ser tratada. Pagou 700 dólares à cabeça, para aceitarem o seu internamento. O “médico” disse que Faustina Chilombo tinha de ser operada. A doente tinha feito análises na Clínica do Prenda que foram dadas ao falso cirurgião. Xavier Afonso diz que “durante a operação, numa sala aqui do centro, ele tirou da barriga da minha mulher um bicho e disse que era apendicite”.

O falso cirurgião

Marcelino Armando disse que foi médico cirurgião, durante 17 anos, nas matas das áreas controladas pela UNITA. Quando lhe perguntaram onde tirou o curso, respondeu: “as pessoas não entendem, porque eu vivi mais tempo na UNITA e fiz as minhas experiências lá no mato e mais tarde o curso no Lubango. Desde a hora que eu precisei para entrar na carreira da saúde, esta é a experiência que eu tenho na minha vida”.

Marcelino Armando disse à nossa reportagem que, entretanto, fez “aumento de sabedoria de alguém que se quer desenvolver”. E acrescentou: “fiz o meu curso especial em 1997”. Sobre a intervenção cirúrgica que fez à Faustina Chilombo, Marcelino Armando disse: “pela experiência, para mim, acho que é grande cirurgia, mas vejo-a como uma experiencia normal na minha vida, porque já me deu tempo de viver nesta causa”.

A reportagem do “JA” percorreu as instalações do centro médico, mas não viu um bloco operatório nem coisa que se pareça. Insistimos saber junto do “cirurgião”, onde eram feitas as operações, mas ele foi lacónico: “a técnica que eu uso é portátil”.

* Filipe Eduardo
Fonte: Jornal de Angola