Luanda - É preciso recuarmos aonde tudo começou com João Lourenço para se perceber como, nos aspectos centrais, não corrigiu o que estava mal, muito menos melhorou o que estava bem. O conjunto dos chamados “eixos fundamentais” da governação, apresentados pelo MPLA, por altura da campanha em 2017, resumia-se essencialmente em dois pontos. Na melhoria das condições sociais e económicas dos angolanos e no aprofundamento do processo político e democrático. Hoje, a quatro meses do fim do mandato, qualquer observação isenta deve chegar necessariamente à conclusão de que João Lourenço falhou nessas duas metas fundamentais.

Fonte: Club-k.net

No primeiro caso, algumas das estatísticas mais relevantes encurtam as margens da retórica. À sua chegada ao poder, Lourenço encontrou a inflação nos 23,6% (valor consolidado de 2017), ao passo que o desemprego se situava pouco acima dos 20%. Decisivos no aumento da qualidade de vida, compulsados hoje, nenhum desses indicadores melhorou. Pelo contrário. O Instituto Nacional de Estatística, com todas as suspeitas que o seu trabalho suscita, coloca a inflação nos 27% e o desemprego nos 32,9%. Todavia, estes são ‘apenas’ números. A degradação da vida dos angolanos, visível em toda a extensão do país, fala mais do que qualquer estatística. As imagens de famílias que fizeram dos contentores de lixo a fonte única de alimentos nunca foram tão numerosas quanto às que se normalizaram nos últimos anos.


É claro que alguma narrativa justifica o agravamento desses indicadores com os eventos externos que abalaram a economia, como a crise pandémica. Mas, sendo isso admissível em parte, não é menos verdade que a deterioração da qualidade de vida dos angolanos também se explica por decisões de racional exclusivamente político. A promoção do desemprego é exemplificativa. Ignorando a promessa de criação de meio milhão de empregos, João Lourenço implementou uma prática de combate aos crimes de colarinho branco que derrubou incalculáveis postos de trabalho e levou à erosão de quantiosos activos. Como consequência, muitos dos que defenderam inicialmente a ideia de que estava em curso uma espécie de “destruição criativa” acabaram contrariados e vencidos pelos factos. O controverso combate à grande corrupção e à impunidade ficou resumido a alvos específicos dos governos de José Eduardo dos Santos. E práticas como a adjudicação directa de pequenas e grandes empreitadas públicas – promotoras inconfundíveis da corrupção, do clientelismo e dos desvios do erário – não só se mantiveram como foram multiplicadas.


Tão grave quanto aos recuos na qualidade de vida é o conjunto do retrocesso no plano político. Chegado ao poder 15 anos após à proclamação da paz, João Lourenço fez regredir parte do país político a níveis que só encontrariam paralelo no período da guerra. A partidarização do Estado não apenas somou como seguiu com requintes ditatoriais. Manuel Aragão foi compulsivamente afastado da presidência do Tribunal Constitucional para ser substituído por um membro do bureau político do MPLA. O maior partido na oposição foi obrigado a repetir um congresso, mas, ainda assim, a quatro meses das eleições, a liderança da UNITA continua suspensa por conta de um processo de impugnação que se mantém vivo no Tribunal Constitucional. O mesmo tribunal que não permitiu que Abel Chivukuvuku, um dos políticos mais populares do país, enfrentasse o candidato do MPLA em Agosto. Contra tudo e todos, João Lourenço promulgou uma lei que corrói o já nada transparente apuramento dos resultados eleitorais e mostra-se sereno ante as denunciadas e comprovadas ilegalidades no processo que conduziu Manuel Pereira da Silva à presidência da Comissão Nacional Eleitoral. Com tudo preparado à medida, João Lourenço vai agora às eleições como jogador e árbitro. Mas também como dono da bola, proprietário do campo, responsável da bilheteira e porteiro.


Enfim... Contas feitas, a conclusão de alguns hospitais e a construção do canal de Cafu no Cunene são uma gota no oceano, face à soma dos retrocessos no país político e social, nos últimos cinco anos. É como já alguém o terá dito: longe de um xadrezista, João Lourenço governa como um pugilista enfurecido.