Luanda - Sem nenhum preconceito político, ideológico ou partidário, faço esta Reflexão narrativa para exprimir a minha ideia sobre uma questão de fundo que poderá causar danos enormes ao futuro do nosso país. Nos últimos tempos crescia a tendência dos Lideres Africanos no Poder estabelecer o sistema monárquico em que a “sucessão ao poder” tem sido feita através do tronco genealógico, isto é, por via da hierarquia familiar.

Fonte: Club-k.net

Por outro lado, tem havido uma segunda formula da qual, o Poder é transmitido por via partidária, em que, a decisão é feita internamente através dos Órgãos da Superestrutura que determinam o “Herdeiro” ao Cargo do Presidente da República, envolvendo todos os instrumentos do Estado para garantir a tramitação administrativa do Poder, usando as eleições gerais apenas para legitimar o acto político-administrativo, previamente decidido.


Por regra, tanto na primeira formula quanto na segunda, o Líder do Partido é que deve ter a última palavra. Aliás, ele é que escolhe entre os seus discípulos mais próximos, quem que devia sucedê-lo. Antecipadamente, há lóbis fortes que são desenvolvidos dentro dos órgãos e das estruturas do Partido para influenciar e acorrentar os membros dos Órgãos da Direcção, sobretudo o «circulo interno do poder», que possuem os poderes enormes de persuasão e de imposição das decisões finais, usando abusivamente o nome do Líder.


Nas democracias ocidentais este processo da escolha de lideranças, quer no seio dos partidos políticos quer a nível do Estado, passa por sufrágio universal direito, em que, os diversos candidatos, num processo competitivo, aberto, livre, justo e transparente entram em disputa renhida, como acontece nos Estados Unidos da América. A UNITA, por exemplo, segue o mesmo sistema das candidaturas múltiplas que disputam a liderança do Partido, numa competição aberta, livre, justa e transparente.


Em seguida, o candidato mais votado (neste processo) é consagrado vencedor e assuma legitimamente a liderança do seu Partido que conduz ao pleito eleitoral, muito mais amplo e complexo, que envolve todos os eleitores nacionais, no qual o Presidente da República é eleito formalmente, passando por todos os trâmites legais. Geralmente, esses processos são feitos num ambiente muito competitivo e transparente, minuciosamente elaborados, executados, fiscalizados, monitorizados e verificados, sem quaisquer manobras técnicas e administrativas, e sem a manipulação dos dados eleitorais.


Aliás, os equipamentos informáticos, os softwares, os ficheiros, as actas, os boletins de votos e as reclamações, ao final do processo eleitoral, são postos à disposição dos concorrentes e das organizações da sociedade civil para proceder à auditoria, à comparação dos dados e a integridade do sistema. Em todo caso, o cerne da minha Reflexão baseia-se no seguinte facto, de que, a partir de 2014, se não me enganar, sentia-se algumas movimentações internas no seio da Cidade Alta, que davam a entender que o Presidente José Eduardo dos Santos estava no processo de buscar um Delfim, que viesse sucedê-lo. Registava-se uma tendência forte de potenciar um dos seus filhos (entre Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos) para este efeito, iniciando o processo de erguer paulatinamente uma Dinastia monárquica.


Mais tarde, notava-se uma outra movimentação discreta dentro do Partido, com o mesmo objectivo de buscar um sucessor ao seu trono, já a nível do Partido, mas dentro da oligarquia da classe capitalista, que ele próprio escolheu e potenciou económica e financeiramente, através da política da «acumulação primitiva de capitais». Como é sabido, a política da acumulação primitiva (ilícita) dos recursos públicos conduziu rapidamente a uma onda de corrupção generalizada e do saque desenfreado do Erário Público.


Na altura, das movimentações internas acima referidas, tivera feito alguns Artigos de Reflexão apelando à Direcçao do MPLA para não permitir a promoção do sistema monárquico em Angola como estava a acontecer nalguns Países Africanos. Pois, isso seria fatal para um País como Angola, que é multiétnico, multirracial, multicultural e multipartidário, que passou por uma situação muito difícil e bastante antagónica. Tomei a iniciativa, ao fazer este apelo, porque acreditava que, quem tinha a faca e o queijo na mão para fazer face à ambição do Presidente José Eduardo dos Santos, de erguer uma monarquia, apenas seria os Órgãos de Direcçao do MPLA, ao nível do Bureau Político e do Comité Central.


Pelos acontecimentos, deu-me entender de que, tivera havido de facto uma certa «Resistência» no seio da Direcção do MPLA que impedira a institucionalização do «regime monárquico», da família Santos, cuja prepotência e cujo monopólio económico-financeiro eram incontornáveis. No meio de tudo isso, o que não ficou bem esclarecida é a segunda formula, da «dinastia partidária», cuja sucessão não se sabe se foi da escolha do JES ou foi uma imposição do Bureau Político do MPLA, ou de um “Poder Oculto,” que manipula as coisas nos bastidores.


Seja qual for as circunstâncias em que ocorreu a sucessão do poder, só pode concluir que, nos últimos anos do Consulado do JES, havia uma «erosão do poder» que pode justificar o grau de anarquia e da arbitrariedade da desgovernação, e sobretudo, da impotência e da negligência que se verificaram na Cidade Alta, em que, o Presidente José Eduardo dos Santos foi ingénuo e impotente de controlar a situação e de ter sido imposta muitas decisões incríveis, cujas consequências estão fortemente a ser sentidas agora no seio do povo, até dentro da sua família e nele próprio, que agora está desterrado em Barcelona, no Reino da Espanha.


Esta situação caótica é só comparável com a última década (1966-1978) do Consulado do Pai-Fundador da República Popular da China, Presidente Mao Tsé-Tung, que ficou manipulado por um pequeno núcleo interno do seu poder, conhecido por “O Gangue dos Quatro,” que esteve a testa da dramática Revolução Cultural, que mergulhou a China nas trevas, tendo deixado o País em ruinas.


Hoje, Angola passa por uma situação caótica, caracterizada pela pobreza extrema, pela injustiça social, pelo desemprego, pela distribuição desigual do rendimento nacional, pela consolidação do Estado-Partido, pela conspiração e desestabilização dos partidos políticos, pela partidarização do poder tradicional, pelo culto de personalidade acentuado, pela politização dos tribunais superiores, pela centralização e controlo partidário da comunicação social, e sobretudo, pela reformulação do sistema do monopólio e de oligopólio da economia. Recordo-me que, desde a fundação das Forças Armadas Angolanas em 1992, registou-se esforços enormes da harmonização, da fraternização e da integração das FAA, tornando-as apartidárias, com um cunho forte do Estado.
Infelizmente, desde 2018, tem-se notada uma tendência crescente da politização e da partidarização das FAA. Acima disso, tem sido notória uma evolução gradual da etnizaçao da hierarquia piramidal do Estado. Isso, se prevalecer sem fazer uma correção atempada, poderá prejudicar enormemente os ganhos que foram alcançados, desde 1992, não obstante de algumas fragilidades que ainda são visíveis em muitos sectores.


Importa enfatizar o facto de que, quando uma doutrina política ficar estruturada e consagrada como um dogma, então torna-se bastante difícil corrigi-la ou alterá-la, mesmo que haja à vontade política bem expressa por parte do Líder. Porque, de facto, nas organizações políticas, de matriz marxista-leninista, quem define e impõe as regras, não é um só individuo, como pessoa singular, mas sim, um “circulo fechado,” que actua discretamente (low-profile), com poderes extraordinários para nortear e controlar o rumo que se deve seguir, traçando a linha de orientação.


Portanto, nos dois casos, tanto do José Eduardo dos Santos, quanto do João Manuel Gonçalves Lourenço, não é estranho que, as suas vontades, por mais belas que fossem, mas passavam por uma peneira, que operava nos bastidores. Veja que, o Presidente João Lourenço, em 2017, na tomada de posse, vinha com boas ideias, muitas das quais, foram aplaudidas na sociedade angolana e na comunidade internacional, como sendo uma viragem e um advento. Contudo, de 2020 para cá, viu-se um recuo de 360º, ter-se assumido uma postura sectária, que sempre caracterizou a linha ideológica do MPLA.


Devemos igualmente constatar que, mesmo a luta contra a corrupção, que foi o cavalo-de-troia, definhou-se, assumindo uma outra forma seletiva, em que, os Barões do Poder, detentores do poder financeiro, travaram o processo. Com certeza, como sabemos, eles definiram as regras e as modalidades da defesa dos seus interesses económico-financeiros, como moeda de troca para assegurar e sustentar o Poder da Cidade Alta.


No fundo está-se a tratar da mesma equipa, que determinou o processo da sucessão do poder, com a intuição de salvaguardar os seus interesses económico-financeiros. Por negligência e por obscurantismo as pessoas confundem as coisas e não conseguem descortinar a essência do fenómeno que tem uma maquina de desinformação muito forte, para perturbar o raciocínio de algumas elites distraídas, que servem de instrumentos de propaganda e da guerra psicológica.


Tudo que tivera sido feito no inicio, com uma linguagem dura e austera, era apenas uma cortina de fumo, para distrair a atenção da opinião pública. A vítima principal desta trama é o próprio JES, que foi ingénuo, acreditou nos seus seguidores mais próximos e na classe capitalista, que esteve por detrás do complot. No fundo, a escolha de um Delfim nunca deu certo. Razão pela qual, nas democracias avançadas, é o povo, nas vestes de eleitores, é que tem a faca e o queijo na mão para determinar quem deve governar, como e quando deve governar. Sabes porque, o Delfim estará sempre com peso de consciência de que, o seu Poder emanou de alguém que lá lhe colocou. Para se livrar deste preconceito, de ordem psicológica, ele buscará todas as artimanhas para incriminar, denegrir, caluniar, afastar ou eliminar fisicamente o protetor.


Neste respeito, o Pai-Fundador da Zâmbia, Presidente Kenneth David Kaunda, ao deixar o Poder, conduziu um processo eleitoral limpo, aberto, livre, justo, transparente, verdadeiro e verificável, que permitiu uma transição digna e estável, merecendo o respeito, a credibilidade, o prestigio, a honra e a dignidade de todos os seus concidadãos. A nossa situação actual, em torno do Ex-Presidente JES, não dignifica o País, muito menos o MPLA, cujos dirigentes tornaram-se ricaços devida a sua politica de acumulação ilícita dos recursos públicos.


Em síntese, a questão de fundo, sobretudo na África Subsariana, consiste na dificuldade de separar e distinguir entre o Estado e os Partidos Políticos que acedem ao Poder. Na base deste preconceito, o Estado fica submetido ao Partido, que considera que o país é sua propriedade privada e o povo que aí habita é seu súbdito, como a Plebe, da Roma Antiga, que não tinha direitos nenhuns e nem possuía o estatuto de cidadão romano.


Por isso, os processos eleitorais, na maioria parte dos países africanos, são feitos na base deste preconceito, de apenas legitimar e formalizar a decisão tomada previamente a nível do Partido no Poder, que domina tudo e tem tudo a sua disposição. Enquanto esta realidade continuar inalterada, a África permanecerá nas mesmas condições, a enfrentar situações complexas e delicadas de má governação, da pobreza extrema, da fome, do subdesenvolvimento, da democracia tutelada e de instabilidades crónicas: políticas, económicas e socioculturais.


Luanda, 20 de Maio de 2022.