Luanda - O diretor do Instituto Nacional da Criança (Inac) rejeitou esta quinta-feira a ocorrência em Angola de rituais contra crianças com deficiência, admitindo sim a existência de casos de acusações de feitiçaria, com tendência a diminuir.

Fonte: Lusa


Paulo Kalesi reagia, em declarações à agência Lusa, ao relatório divulgado, terça-feira, pelo Fórum Africano de Políticas da Criança (ACPF, na sigla em inglês) sobre ataques relacionados com rituais contra crianças, que inclui Angola, o único país de língua oficial portuguesa na lista de Estados que relataram rituais contra crianças com deficiência.


O responsável disse que tomou conhecimento do relatório, denominado "Revelando a Nossa Vergonha Oculta - Abordando Acusações de Feitiçaria e Ataques Rituais", por via dos órgãos de comunicação social e não concorda com a colocação de Angola nesta lista.


"Não concordamos com a colocação de Angola como um dos países que praticam ataques rituais contra crianças com deficiência, mas sim concordamos que Angola possa sim fazer parte daqueles países que têm casos de crianças acusadas de prática de feitiçaria, que o relatório chama de bruxas", frisou.


O diretor do Inac reconheceu que Angola já teve "situações muito graves no passado" e que ainda hoje tem alguns casos de crianças acusadas de prática de feitiçaria.


"A título de exemplo, os relatórios de 2020 a 2021, apontam um número aproximado de 4.570 denúncias de casos de crianças acusadas de feitiçaria, contudo, ao contrário do passado, que essas crianças eram espancadas, muitas delas até mortas, submetidas a rituais de suposta cura", situações dessas hoje "não se verificam", salientou. Segundo Paulo Kalesi, essa inversão da situação é fruto de dois estudos realizados pelo Inac há alguns anos, o primeiro antropológico para compreender as práticas das acusações de crianças como feiticeiras e o segundo na perspetiva dos direitos da criança.


Paulo Kalesi frisou que as recomendações destes estudos foram postas em prática e nos últimos anos já não há relatos de crianças mortas, de crianças que tiveram tratamentos degradantes ou violência física.


"Mas temos casos de crianças que fugiram de casa, de famílias que vieram pedir o nosso apoio, a nossa orientação, por causa de um suposto comportamento estranho devido ao qual a criança é acusada de feitiçaria, mas não temos casos de crianças mortas nem violentadas", reiterou.


O que se tem verificado nesta altura, prosseguiu Paulo Kalesi, são famílias que recorreram às instituições ou às igrejas, e estas por sua vez entraram em contacto com o Inac através da linha SOS criança, para pedir ajuda a tratar destas situações.


"Temos também crianças na rua que dizem que fugiram de casa, porque eram acusadas de feitiçaria, mas não temos situações de crianças mortas, torturadas, espancadas", disse.


"Se Angola fosse colocada nesta lista de países estaria de acordo, agora, na lista em que Angola é colocada relativamente a rituais contra crianças com deficiência, aí enquanto responsável do Inac desconheço", afirmou.


Relativamente a casos de violência contra crianças com albinismo, Paulo Kalesi avançou que não existe no país registo destes casos, mas sim uma política de apoio a crianças nesta condição para salvaguardar o seu bem-estar.


"Está-se a distribuir cremes a essas crianças, a estas famílias, são apoios direcionados ao seu bem-estar e não para prevenir casos de ataques, enquanto Inac não temos estes relatos", sublinhou.
O diretor do Inac destacou que uma política abrangente, envolvendo sobretudo as igrejas tem levado a uma diminuição significativa de casos de crianças acusadas de feiticeira.


"No passado, identificamos os que mais acusavam essas crianças, eram sobretudo algumas seitas religiosas e alguns curandeiros e tivemos, na altura, um treino especial de apoio psicossocial, envolvemos essas igrejas, as autoridades tradicionais, curandeiros, e capacitamos sobre os direitos das crianças e a sua proteção", indicou.


No documento do ACPF são referenciados 19 países como cenário de casos de prática de crimes de infanticídio rural, ataques contra crianças com deficiência, ataques contra crianças com albinismo e casos de violência contra crianças acusadas de bruxaria.


Os exemplos dados pelo documento apontam para casos relatados de infanticídio ritual no Benim, Burkina Faso, Etiópia, Gana, Madagáscar e Níger, enquanto Angola, Benim, Burkina Faso, Essuatíni, Etiópia, Gana, Libéria, Madagáscar, Ruanda e Zimbabué relataram ataques rituais contra crianças com deficiência.