Luanda - Há um grande equívoco na política angolana que deve ser estudado, analisado e discutido até à exaustão: o dilema de Cabinda — autonomia ou independência?

Fonte: Club-k.net

Equívocos na Política Angolana (XIX)

Recentemente, o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, num comício em Luanda, prometeu, caso o seu partido vença as próximas eleições (com maioria qualificada), conferir autonomia à Cabinda.


Essa promessa, “pré-eleitoral”, amplamente replicada e discutida nas redes sociais, traz de volta um velho mas candente e apaixonante tema da política angolana— a problemática de Cabinda.

Cabinda, um enclave feito província em 1975, aquando da independência de Angola, é uma “região” com uma história peculiar que a distingue do resto do território nacional.

Com o tratado de Sumulambuco assinado pela potência colonizadora (Portugal) e os representantes dos povos daquela região a 1 de Fevereiro de 1885, Cabinda passou a ser um protetorado português diferenciando-se juridicamente por isso do restante território que veio a tornar-se uma província ultramarina portuguesa — Angola.


É inegável que o tratado de simulambuco é um marco histórico — divisor de águas que colocou Cabinda fora dos limites territoriais daquela que veio mais tarde a ser tratada como a “jóia” da coroa portuguesa no ultramar africano (Angola). E mais: Cabinda, em rigor, sendo um protetorado, não era, ab initio, considerado uma “ província ou “território português“.


Todavia, mais tarde, no decurso do século XX, com a consolidação da ocupação portuguesa em todo território nacional, Cabinda foi perdendo o “estatuto de protetorado” e passou na prática a ser considerado mais uma “conquista territorial portuguesa”. Aliás, no período do tratado, na célebre conferência de Berlim (1894-1885) África foi dividida para efeitos de ocupação pelas potências europeias e Cabinda ficou na alçada de Portugal.


Por exemplo, mais tarde, em 1951, os registos oficiais da Colónia portuguesa de Angola - que passou à província ultramarina portuguesa ilustram o tratamento diferenciado dos dois espaços territoriais: Angola e Cabinda.


Embora Cabinda nunca tivesse sido elevada à categoria de província ultramarina, contudo, passou a ser referenciada nos documentos oficiais portugueses de forma distinta da província de Angola.
Dito de outro modo, Cabinda nunca pertenceu juridicamente a província de Angola no período colonial — nem quando vigorava o tratado de Simulambuco, nem quando os portugueses deixaram de o cumprir.

Se esta é a “fotografia jurídica” de Cabinda no período colonial, vale a pena mencionar que os povos da região de Cabinda no período pré-colonial já possuíam uma certa “autonomia” — entendo a sua própria história que, embora próxima, não se confunde com a do resto do território.


Porém, e como facilmente se constata, Cabinda sempre sofreu de “ capitis diminutio ” no contexto histórico — de reino vassalo à protetorado, Cabinda foi perdendo a pouca “autonomia” que possuía ainda no período colonial e a mesma foi definitivamente extinta na período pós-independência.


Hoje, embora tenha um “ estatuto especial” — que nunca saiu do papel (tecnicamente mal concebido), Cabinda converteu-se uma mera “ vaca leiteira nacional”, ou seja, apenas fornece o petróleo que alimenta as contas nacionais recebendo muito pouco em troca.


O povo cabindense não é tido nem achado nas decisões que o poder toma acerca das suas riquezas nem sobre o seu destino.


Todavia, a autodeterminação do povo cabindense sempre existiu e foi evidente no período colonial e permanece com a mesma tenacidade até hoje.


Neste contexto, sem prejuízo de outros movimentos e forças política, desta-se a FLEC -Força de Libertação do Enclave de Cabinda que luta desde tempo colonial pela independência daquele território.

Aqui trazidos coloca-se a questão de saber qual de ser a solução para Cabinda? Autonomia ou Independência?

Na doutrina angolana, há duas grandes correntes de opinião que mobilizam argumentos para disputar à primazia: a corrente da autonomia e a corrente da independência.

A corrente da autonomia é aquela segundo a qual Cabinda, sendo um enclave, tem um percurso histórico distinto das demais parcelas que compõem o território nacional, com hábitos e costumes distintos, devendo por isso possuir um estatuto próprio — “autonomia”.

Esta corrente tem vários graus ou sub-categorias das quais destacamos duas. A sub-categoria do estatuto especial - Cabinda continua a ser uma provincial como outra qualquer apenas é-lhe atribuída um estatuto especial para efeitos de utilização das receitas resultantes da exploração dos seus recursos naturais — tese defendida pelo Executivo do MPLA.

A subcategoria da autonomia regional - Cabinda passa a ter estatuto de região autónoma com representação parlamentar e parlamento regional com poderes para aprovar diplomas legais de âmbito local. Esta tese defendida pela UNITA implica a revisão constitucional, pois o texto actual não permite tal solução.

Na banda oposta, existe a corrente da independência, defendida pela FLEC e por uma importante franja da sociedade civil de Cabinda. Segundo esta tese, Cabinda deve alcançar a independência pois nunca fez parte do território de Angola. Mobilizam argumentos históricos, jurídicos, culturais e geográficos para sustentar a referida tese independentista.
Esta tese, muito combatida pelo poder instituído, defende a realização de um referendo, sob auspícios de uma organização internacional credível de modo a garantir a imparcialidade e lisura da referida consulta.
Está tese é elevada até as últimas consequências, uma fez que a FLEC continua armada e vai criando instabilidade política e militar na região mais ao norte do país.

Para nós, atendendo as razões históricas, culturais, geográficas e de direitos humanos, o povo de Cabinda merece ter uma oportunidade de expressar a sua autodeterminação. Sabemos que é difícil realizar referendos imaculados, porém, tal como qualquer mecanismo democrático imperfeito, ainda é o melhor que o homem foi capaz de criar.
As barreirais constitucionais e legais podem ser removidas, desde que haja consenso entre todos.

Sem prejuízo de um estudo aprofundado da problemática de Cabinda, que pode seduzir-nos e mudarmos de opinião, não acompanhamos, nem a solução encontrada pelo MPLA nem mesmo a apontada pela Unita.

Esperemos que a liderança que sair das próximas eleições tenha o bom senso e conceda à desejada oportunidade aos Cabindas para que os mesmos possam decidir livremente sobre o destino daquela parcela territorial. Até lá, alea jact est …