Luanda - O director-executivo do Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais e Democracia (IASED), Luís Jimbo, entende que as acções do Tribunal Constitucional e outros órgãos de justiça, neste período eleitoral, têm sido meramente políticas, «pontapeando» para o canto o seu real papel. Observa com cepticismo o facto de o projecto político de Abel Chivukuvuvu ter sido chumbado pelo TC, e, entretanto, próximo das eleições gerais de Agosto, esse órgão ter reconhecido dois partidos, cujos líderes são menos calejados que o criador do PRA-JA Servir Angola.

Fonte: NJ

O Presidente da República convocou o Conselho da República para se reunir no dia 03 de Junho e, depois desse encontro, será anunciada a data das eleições gerais. Do seu ponto de vista, daqui para frente, quais devem ser os desafios dos líderes políticos?
Serão as primeiras eleições gerais [em Angola], em que aqueles que concorrem como cabeça-de-lista não pertencem à geração de independentistas, é uma segunda geração de líderes políticos. Refiro-me, pela UNITA, ao presidente Adalberto Costa Júnior, pelo MPLA, o presidente João Lourenço, assim como pela [coligação] CASA-CE. A excepção, naturalmente, é a FNLA de Nimi ya Nsimbi, que ainda pertence à geração de independentistas. Mas seja como for, aqueles que estão a competir, realmente, o poder são de uma geração diferente da geração de independentistas, e isso tem de significar também uma nova forma de fazer política, tem de significar uma transição nos valores políticos da Nação. E indo ao concreto para as eleições que se convocam, o desafio é que valores políticos esses líderes estão a trazer para a sociedade.

Que valores lhe parecem?
Parece que os líderes políticos continuam com uma mensagem política muito forte de adversidade pura, de não-diálogo, de não-consenso nas questões nacionais. Isso preocupa a sociedade, porque as consequências são as intolerâncias e violências que estamos a viver desde o ano passado, com vários factos concretos de intolerância política em que esses líderes políticos que esperávamos que pudessem marcar uma nova era de valor político, estão a marcar uma nova era de competição extrema ao poder, e aqui, por exemplo, da parte do MPLA, que é governante, veja como as instituições públicas estão a ser expostas na competição política. É incompreensível o Tribunal Constitucional ter passado quase seis meses sem aprovar e sem se pronunciar sobre projectos de partidos políticos para serem legalizados, mas, semanas antes das eleições, aprovou novos partidos políticos.

 

Parece uma acção política do Tribunal Constitucional (TC), actuando, alegadamente, como "marioneta" do poder político?
Seja como for, é um sinal de incerteza política. Não se aprova à boca das eleições um partido para concorrer no pleito. Houve o caso da constituição da CASA-CE, mas é preciso considerar que, naquela altura, essa agremiação política foi uma coligação de partidos políticos que já existiam, o que se criou, em véspera das eleições de [2012], foi a coligação e não um novo partido político. Ora, naturalmente, que esses partidos políticos, do ponto de vista da capacidade institucional, para concorrer às eleições, partem do zero, logo, no momento da meta da corrida, só pode ser entendido, e o impacto que dá para a sociedade é que estes partidos foram criados com o propósito de criar vantagem ou prejudicar a competição política. Não é assim que se faz. Esses sinais que o Tribunal Constitucional dá, associando aos outros, como anulação de um congresso político, o pronunciamento que fez sobre a Frente Patriótica Unida [FPU], esclarecendo que não é um partido, isto não é um esclarecimento, nem precisava e até o TC não tinha competência de vir a público falar sobre isto, porque os seus promotores nunca apresentaram a FPU como um partido. Ora, essa postura do Tribunal Constitucional, esta postura dos órgãos de comunicação social públicos, a Rádio Nacional, a TPA e os outros que estão agora sob gestão pública, a TV Zimbo, a TV Palanca, na forma como violam a Constituição, o direito do contraditório, ao direito da oposição política, na forma como profissionalmente não obedecem ao tratamento imparcial, estão a violar os direitos fundamentais, que são o direito de oposição política, direito de réplica.

 

No caso dos órgãos públicos de comunicação social, tem sido uma prática recorrente...
O pronunciamento que o TC teve sobre a FPU, a TPA, o Jornal de Angola e a TV Zimbo deveriam ter ouvido o coordenador desta aliança. Deveriam ter ouvido porque isto é o direito de réplica, não fizeram. A forma como a TPA faz cobertura dos actos do Presidente da República, que se apresenta como pré-candidato, faz ao apelo ao voto, deveria ter ouvido ou dado tratamento imparcial a estas matérias e nas outras manifestações políticas, não o faz, e nós não estamos a ver TC pronunciar-se sobre a violação destes princípios da Constituição, não estamos a ver a [Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana] ERCA a tomar medidas disciplinares sobre a violação destes preceitos jurídico-legais e até da profissão. Não estamos a ouvir a PGR [Procuradoria-Geral da República] a tomar qualquer iniciativa. Pelo contrário, as instituições de justiça estão a pegar fundo, pesado, em qualquer iniciativa que venha de qualquer organização política da oposição, como a reacção à FPU, como agora foi aquela anulação do processo [eleitoral interno] da UNITA, como ainda a questão da violência manifestada tanto pelo MPLA como pela UNITA, que está a acontecer nos municípios. Os relatos, os depoimentos, aquilo que temos vindo a colher somente de pessoas identificadas como partido da oposição que vão presas, indiciadas.


Caso a postura dos órgãos de comunicação social se mantenha, sobretudo os públicos, que são de maior alcance a nível nacional, que ambiente político se espera?
Se os órgãos de comunicação social públicos continuarem com o comportamento de cobertura parcial, tenho muito receio de dizer, mas vai ser um ambiente muito tenso, muito difícil do processo eleitoral normal. Os órgãos de comunicação social públicos têm de ser verdadeiros mediadores do processo eleitoral, ao invés de entrarem na competição política, devem ser mediadores de diálogo entre o eleitor e os candidatos, porque isso cria um ambiente mais saudável de campanha eleitoral, em que os políticos falam sobre aquilo que o cidadão quer ouvir e o cidadão tem oportunidade de perguntar aos políticos aquilo que eles gostariam das suas vidas e os políticos pudessem mudar.


Que expectativa tem do período eleitoral?
A minha expectativa é que, com o anúncio das eleições, o período eleitoral vai ser ainda mais exacerbado de violação dos direitos fundamentais, de um aumento de conflito político, da violência e da manifestação no espaço público. A questão é que os órgãos que deveriam garantir e promover mais segurança no processo, a priori, estão a transmitir na sociedade que vão continuar a tomar decisões que favorece mais o partido da situação ou desfavorece completamente qualquer pretensão da oposição.


Sabendo do capital político dos líderes dos partidos recentemente reconhecidos pelo TC, não olha com estranheza para o facto de o projecto PRA-JA Servir Angola, do calejado político Abel Chivukuvuku, ter sido chumbado pelo TC?
Olha a estranheza disto! Há que olhar de duas formas para as decisões do TC. Uma é se esta decisão foi tomada conforme a lei diz; a outra é se esta decisão promove no cidadão a consciência de justiça, porque um dos fins dos órgãos de justiça, como o tribunal, é promover a justiça, ou seja, aplicar a lei e promover a justiça. Por isso, faz todo o sentido a pergunta que coloca. A decisão do TC em validar estes projectos políticos, comparativamente com o chumbo do projecto político do PRA-JA, cria consciência de justiça nos cidadãos? Não cria consciência de justiça nos cidadãos.