Luanda - No tempo em que andamos pelas matas da província do Cuando Cubango, propriamente nas terras do fim-do-mundo: Muye, Mupupa, Kwatiri, Kweyu, Baixo-Longa Savati, Kayundu, Kwangari, isto é, até finais de 1979, se a memória não me trai, ouvíamos falar de um COMBATENTE que, também, era o Estado-Maior-General das Forças Armadas Libertação de Angola, o lendário Comandante Waldemar Pires Chindondo. Conhecido entre nós, naquela altura, apenas, como Chindondo.

Fonte: Club-k.net

Diga-se a verdade, Waldemar Chindondo foi o Estado-Maior-General, CEMG, que dirigiu as FALA na fase mais difícil da Revolução. Naquele tempo, as FAPLA contavam com apoio efectivo das tropas Cubanas e da tropa de Marian Guabi (ex-presidente do Congo/Brazaville) e tinham um poder de fogo muito superior ao das FALA. Essa é a verdade. As FALA não tinham, na altura, apoio significativo das Tropas Sul-Africanas. Apenas, fazia-se valer o princípio de Mwangai: Contar essencialmente com as nossas próprias forças. E a única força das FALA era a vontade e o ânimo de lutar por uma causa justa. A falta de equipamentos militares moderno obrigava às FALA a recuar, recuar e recuar cada vez mais. Recuar passou a ser a única forma de resistir e de sobreviver. A esse movimento de fugir sem paradeiro, desculpem-me, os Mais-Velhos, pela expressão FUGIR, porque um Soldado nunca Foge, apenas recua, deu-se o nome de Okwenda ño, isto é,”… apenas caminhar…”.


Foi um momento extremamente difícil, não havia munições nem bombas, as armas eram FN, G3, “PP-SHA”, e falava-se de um Lança-Míssil, que ninguém nunca viu. Agregado a tudo isto, nas áreas por onde andamos, havia falta de tudo, o pessoal alimentava-se de frutos silvestres; dependendo da época do ano, o mel servia de refeições; os nossos cobertores era tchimuandjis (cascas de árvores); a caça nem sempre era permitida; às vezes, passávamos por troços onde não havia água. Nós, crianças na altura, chorávamos de sede. Coitada da mãe que não tinha onde tirar água! Hoje, quando ouço falar de seca no sul do país, pressuponho que, no ano de 1979, havia seca na região do Cuando Cubango. Era, realmente, uma situação difícil, principalmente, para aqueles que vinham das cidades, sem experiência nenhuma da guerra de guerrilha. Mas, mesmo assim, as pessoas resistiam, ninguém se rendia. As convicções superavam sempre as dificuldades.


Nisto tudo, impunha-se uma tomada de iniciativas que visasse reagrupar as Tropas, Organizar Campos de Treino Militar, criar Corredores Logísticos e, acima de tudo, passar ao contra-ataque, no sentido de desalojar as unidades das FAPLA que estivessem ao sul de Menongue. Cumpridos esses objectivos mínimos, as populações poderiam ter uma vida mais sedentária e a prática da agricultura seria possível. Apesar dos poucos meios bélicos ao dispor dos nossos bravos guerrilheiros, aos quais chamávamos de os manos das FALA, eles tinham uma das armas mais potentes e poderosas – a vontade de lutar por uma causa justa. A verdade é que, só a vontade não bastava, era preciso Organização, Planeamento e Acção. O Alto-Comandante das FALA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi, confiou essa missão de tornar as FALA mais actuantes e eficientes ao seu Chefe do Estado Maior General, Waldemar Pires Chindondo, que executou as Ordens-superiores com muita dedicação, empenho e profissionalismo. Foi nesse espírito que as FALA atacaram e tomaram de assalto as Vilas de: Kwangare, Savate, Kayira, Mute, Ninda, Kayundu, Dirico, Rito, Mukussu, Rivungu, entre outras pequenas localidades, obrigando as FAPLA a se confinarem no Kuito Kwanavale, de onde saíam para algumas acções de desgaste às bases de guerrilha e, tentavam, sem sucesso, a reconquista do território perdido a favor das FALA, mas as FALA não se deixavam, faziam das tripas, coração; – igualzinho ao que vemos hoje com a invasão da Rússia à Ucrânia.


Para quem conheceu Walder Chindonodo, no tempo colonial, sabia que ele era a pessoa certa no lugar certo: um intelectual do melhor quilate; aluno destacado do Liceu do Huambo, tendo terminado o 7.º ano com distinção; um exemplo para a juventude do seu tempo e não só; um excelente quadro angolano, daqueles de se lhes tirar o chapéu; um homem muito respeitado e dedicado às causas nobres; como militar, foi Alferes de Cavalaria no exército português; em 1974, logo após o 25 de Abril, foi dos primeiros a ingressar nas fileiras das FALA, levando consigo a sua experiência de Oficial do Exército Colonial. Apenas um homem assim, um homem com esse Curriculum e essas valências era capaz de oferecer uma certa segurança na condução dos destemidos soldados das FALA. Deve ser por isso que, a fama do lendário Comandante Chindondo chegou até nós, que estávamos nas matas das terras do fim do mundo.


Na verdade, ele foi muito querido pelas tropas e pelos comandantes, que reconheciam nele grande capacidade de liderança, homem destemido e com qualidades humanas, com quem se podia contar em momentos de dificuldade.


Em conversa com o digníssimo General Peregrino Isidro Wambu Chindondo, contou-me que, o seu irmão mais-velho, Waldemar Pires Chindondo, foi estudante de medicina ao tempo de Aires de Espirito Santo Africano, Martinho Epalanga, Irmãos Ebo, João Cirilo de Sá, Eugénio Antonino Ngolo Manuvakola, Felismina, entre outros de sua geração.


Realmente, Chindondo, mártir da revolução, foi dos bons filhos desta Pátria Querida.


Se se tivesse evitado a guerra pós-independência, muitos dos melhores filhos de Angola contribuiriam bastante com o seu saber na construção desse grande país. Infelizmente, depois da independência, alguém se achava no direito de ser o único representante do povo angolano: expulsou de Luanda os parceiros do Acordo de Alvor: a UNITA e a FNLA. Felizmente, a resposta das FALA foi a Resistência Popular Generalizada, cuja palavra de ordem era RESISTIR. Resistir mesmo sem os meios à altura, mesmo que faltasse tudo, o que mais importava era que a moral das tropas estivesse em alta. E, para demonstrar o bom ânimo, e a moral alta, os soldados das FALA cantavam o seu hino de guerra: Kapalandanda wa lila, wa lilila ofeka yahe, ilo ofeka yo kuloya, kaloyele atunde mô wê…
O meu maior respeito aos Heróis da Pátria e Mártires da Revolução, quer do lado das FAPLA ou das FALA, que deram o melhor de si e acreditavam em uma Angola mais justa e igual para todos!


Voltarei…

Luanda, 16 de Junho de 2022.
*Gerson Prata*