Lisboa - Ouvidos pela DW, especialistas em assuntos africanos afirmam que as eleições de agosto em Angola serão as mais competitivas desde 1992. Alternância do poder é possível e útil para a democracia no país, dizem.

Fonte: DW

Falta de transparência nas eleições preocupa analistas

O próximo pleito eleitoral em Angola, marcado para 24 de agosto deste ano, será difícil e o mais competitivo desde 1992, consideram os especialistas em assuntos africanos ouvidos pela DW.


Paula Roque, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, é da opinião de que há uma grande ansiedade de mudança alternativa em Angola e que as próximas eleições "serão as menos transparentes".

"Temos visto que várias manobras estão a ser feitas politicamente e judicialmente nas sombras para descredibilizar estas eleições. Não abertamente, porque o Governo, o MPLA e o Presidente João Lourenço precisam da perceção que estas eleições sejam credíveis e legítimas, e que continue uma fachada de democracia. Mas, infelizmente, vejo sinais que poderão ser umas eleições muito difíceis, muito opacas e muito contestadas por várias razões", considera Paula Roque.


O registo eleitoral, que foi marcado por fraude, ou o facto da logística destas eleições ter sido entregue à empresa INDRA, que já foi contestada no passado "por não ser uma empresa fiável", são exemplos disso mesmo, acrescenta a pesquisadora portuguesa.


Paula Roque não tem dúvidas de que a "máquina eleitoral" é partidária e que o "árbitro destas eleições não vai ser imparcial nem independente".


"Vamos ter um escrutínio, o somatório dos votos feitos em Luanda, onde vamos precisar de pelo menos 52 mil delegados de mesa da oposição e vários observadores eleitorais, que não vão ser mais do que dois mil", frisa a investigadora, que receia pelo surgimento de eleitores fantasma, o que pode viciar os resultados.

Alternância "credível"


Jon Schubert, da Universidade de Basileia, na Suíça, concorda. O investigador entende que o regime do MPLA está a sentir-se ameaçado com o surgimento da Frente Patriótica Unida e a possibilidade desta ser uma alternativa credível. Como consequência, acrescenta, "estamos a constatar que se está a montar, também ao nível discursivo, a preparação da fraude eleitoral e da não aceitação de uma possível vitória da oposição".


"Todas as últimas eleições pós-guerra foram manipuladas" pelo partido no poder, recorda o académico suíço, que acrescenta: "no passado, sempre ouvimos o MPLA a falar de confusão, de retorno à guerra. Também o faz agora para desencorajar os eleitores a votarem na oposição, mas também para tentar impedir uma contestação dos resultados na rua", diz.


A académica Paula Roque acrescenta que a retórica do discurso de terror e de culpabilização da oposição como fator de instabilidade propalado pelo partido no poder tem provocado um clima de medo.


"Preocupa-me essa retórica porque sei que um Estado securitizado como é o Estado em Angola tem uma capacidade para a violência muito organizada, estruturada e muito bem testada. Preocupa-me porque estamos num momento de viragem e as pessoas querem alternância, querem mudança", afirma.


Paula Roque e Jon Schubert falaram à DW, na sexta-feira (17.06), à margem do II Congresso Internacional de Angolanística, organizado pela Rede de Investigação Científica de Angola. Entre outros temas, o evento também analisou numa mesa redonda as "esperanças e as frustrações" à volta das eleições de 24 de agosto deste ano.

Na mesma ocasião, o advogado Eliseu Gonçalves, antigo membro da Casa Civil da Presidência da República de Angola, considerou "um exagero" comparar estas eleições com os escrutínios de 1992.


Eliseu Gonçalves considera que "as eleições servem para renovar o mandato ou para alternar o poder". "Se o povo optar pela mudança, o importante é que haja respeito e que o partido que ganhar, faça o seu melhor nos cinco anos, porque sabe que daqui a cinco anos estará submetido outra vez a um escrutínio do povo", diz.


Celso Filipe, diretor adjunto do Jornal de Negócios, não acredita "num cenário de instabilidade insolúvel no pós-eleições". "Neste momento, a geo-política internacional não olha para África como um território para se digladiar da forma como o fez há duas décadas atrás. (…) Julgo que a haver tensão – e haverá certamente – ela será 'confinada' a Luanda".

Discursos "gastos"


O jornalista observa que os discursos, tanto do MPLA, como da UNITA, estão gastos e a mudança se fará sobretudo por causa da ambição da nova geração, que aspira por uma outra Angola.


"E eu gostava de acreditar que esta nova geração será capaz de iniciar um processo mais profundo de mudança de Angola", afirma.

O analista luso-angolano admite haver sinais preocupantes, depois do surto da pandemia da Covid-19 que alterou toda a ordem económica mundial e atingiu países vulneráveis como Angola.