Luanda - Na vida há coisas que mexe com a nossa consciência e ficamos com a mente aberta quando lemos nas entrelinhas e descobrimos o nó da verdade, que permaneceu oculta ou disfarçada apesar da luz estar a focar sobre ela como se fosse os raios do sol nascente, que anunciam o advento da boa-nova. Na zoologia, a «boa-nova» é o nome vulgar extensivo a umas pequenas borboletas brancas consideradas mensageiras de boas notícias, quando pousam sobre nós ou quando estiver a voar ao nosso redor.

Fonte: Club-k.net

Na minha terra natal, em Lumbala Ngimbu, as borboletas, de diversas cores, surgem no inicio da primavera, quando todas as paisagens das anharas, dos vales e das savanas estiverem verdes, floridas, húmidas e encantadoras; nesta época do ano ouve-se os cânticos melodiosos dos passarinhos de uma floresta para outra; com uma brisa amena, agradável e fresquinha, desfrutando a natureza no nascer e no pôr do sol; recordemos que, o setembro, que inicia a primavera no dia 23, é o mês de cultivos, das lavouras e das sementeiras; as populações rurais estão nas lavras e nas nacas a preparar as terras para o arranque do ano agrícola; é nesta altura da germinação das plantas em que as borboletas, tais como as abelhas, voam de um lado para outro, como agentes da polinização, da conservação do meio ambiente e da reprodução do ecossistema.


Essa introdução lírica da natureza vem a propósito devida uma verdade inequívoca que encontrei na Carta Aberta escrita (24/06/2022) pela Doutora Mihaela Webba, publicada no Club K Net, dirigida à Grande Família do MPLA, à qual, ela é originária, e conhece-a muitíssimo bem, cujos parentes deram o melhor de si na luta anticolonial. A ilustre Deputada Mihaela Webba é Jurista de renome, cujos largos conhecimentos no ramo do Direito são inquestionáveis. Ela tem o domínio extraordinário da escrita e da oratória, bastante eloquente e fluida. A minha admiração por ela não se baseia somente na eloquência, mas sim, na inteligência apurada, e na frontalidade com que ela exprime e defende as suas convicções políticas e técnico-profissionais.


A Carta dela é muito profunda e encerra muitas verdades e muitas luzes, que embora sejam de conhecimento de muita gente, mas a profundidade da abordagem feita, de modo dialético, é que chamou a minha atenção. As «Teses» dela, contida nesta Carta, são tais esclarecedoras que escusam qualquer comentário por minha parte. Creio que, os conhecedores da Ciência Política e do Direito poderão encontrar nela uma «Síntese» que os Ideólogos do MPLA não poderão ignorar puramente. Pois, ela chama atenção aos princípios e aos valores do nacionalismo angolano, assente na sua matriz multiétnica, multicultural e multirracial, imbuindo do espirito patriótico, que inspirou a luta anticolonial, em todas as frentes.


Só lendo atentamente a Carta dela, qualquer pessoa normal pode perceber facilmente a dimensão e a profundeza do seu juízo, que vai muito além das percepçoes ideológico-partidárias, as quais são frequentemente confundidas com alguns preconceitos de complexos de superioridades, que marcaram negativamente o nacionalismo angolano. Infelizmente, essas tendências erróneas ainda continuam implantadas nas mentes de alguns círculos da nossa sociedade, que se servem disso de instrumento da alienação sociocultural, da exclusão política e da manutenção do poder político.


Esses preconceitos, de carácter sectário e etnocêntrico, estão bem expostos na Carta dela, devidamente debatidos e arrumados. Aliás, esses preconceitos retrógrados, que não se ajustam ao mundo contemporâneo da globalização, têm estado a perder o terreno no seio da juventude angolana; e não só, isso nota-se igualmente na “velha guarda” da luta anticolonial. O caso mais concreto é do nacionalista Francisco Viana, cuja Carta (17/06/2022) de renúncia da militância do MPLA revela a profundidade do seu espirito patriótico e nacionalista, liberto de preconceitos do passado, herdados do sistema colonial português. Veja que, o nacionalista Francisco Viana pertence à uma das grandes famílias históricas do MPLA, cuja entrega à luta de libertação nacional foi total e inabalável.


Acima de tudo, a Deputada Mihaela Webba chamou atenção especial ao Conceito sectário (antidemocrático) que sujeita a «cidadania à militância partidária». Este Conceito apoia-se na Doutrina Marxista-Leninista, que dá primazia ao Partido, que se coloca acima do Estado, e serve unicamente a nomenclatura de um Partido. Este posicionamento ideológico (da partidarização do Estado), por exemplo, foi bem-expresso no Acto de Massas (11/06/2022) protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço, na Cidade do Luena, na Província do Moxico.


Neste comício, ele defendeu perentoriamente, com unhas e dentes, acima de tudo, a militância partidária, como condição sine qua non que habilita o acesso aos organismos do governo, à administração pública, à nomeação aos cargos de chefia, ao mercado de trabalho, aos circuitos financeiros e à distribuição da riqueza. Pondo assim de parte, de modo decisivo, a cidadania e a meritocracia, violando os preceitos constitucionais, que ele próprio e livremente «jurou respeitar, cumprir e fazer cumprir» no exercício do Cargo do Presidente da República.


Todavia, a questão fundamental que me moveu a fazer esta Reflexão, assenta na «Tese» de que, era imperativo “quebrar o circulo vicioso,” para permitir fazer novas transformações, superar os preconceitos do passado, erguer uma nova plataforma de construir uma Nação e uma Cidadania inclusiva, que não assenta nos Partidos Políticos, mais sim, na cidadania, no pluralismo, na igualdade, na liberdade, na justiça social e na democracia.


O mérito desta «Tese», não somente serve para a libertação de Angola do jugo do Partido-Estado, mas sim, de libertar o próprio MPLA que está cativo de preconceitos erróneos, praticados ao longo da sua história revolucionária, que se tornou uma barreira e um freio à sua Juventude partidária, que tem ideias modernas e pragmáticas, que correspondem à conjuntura actual do País e do Mundo. Pois que, enquanto o actual «status quo» manter-se intacto, com o Poder Público a continuar nas mãos da classe dominante, de matriz marxista-leninista, será difícil para essa nova geração de quadros intelectuais do MPLA assumir as rédeas do seu Partido e participar activamente no processo da mudança do sistema político do nosso País.


Por isso, a transformação democrática do MPLA passa necessariamente pela mudança do poder político. Acima disso, que é vital, a transformação interna do MPLA é imperativa e constitui uma «mais-valia» para o País, sendo um dos três Movimentos de Libertação Nacional que ficou no Poder desde 1975, e conhece bem todos os meandros desta «Mafia» que se instalou no País, cuja erradicação vai exigir o engajamento de todos.


Enfim, ali estará a «virtude da mudança» que vai permitir a Revisão Constitucional, a Reforma do Estado e a Afirmação da Cidadania, do Pluralismo, da Boa Governação, da Legalidade e da Separação efectiva dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicial. Isso, sem dúvida nenhuma vai assentar na realidade do País, na sua dimensão geográfica, demográfica, sociológica, económica, multipartidária, multiétnica, multirracial e multicultural. Realisticamente, nas condições actuais da arena política angolana, a «Única» Força Política congregadora e inspiradora, com o potencial político gigantesco para protagonizar a mudança, há muito almejada, é a UNITA, que constitui a «placa-giratória» da Frente Patriótica Unida – FPU.


Contudo, a UNITA deve adaptar-se às transformações constantes que ocorrem no país e no mundo. Pois, o Pensamento Estratégico do Muangai não partiu do nada. Lembro-me que, enquanto em Lusaka, nós Jovens Revolucionários da UNITA ostentávamos o crachá do Chairman Mao Tsé-Tung, e liamos intensamente as Obras Escolhidas do Mao Tsé-Tung e o Livrito Vermelho, isto é, «As Citações do Presidente Mao Tsé-Tung», que era a nossa pequena Bíblia de cabeceira.


Porém, quando chegamos no interior do país, na Província do Moxico, na Orla do Rio Lunguebungo, à Sul do Caminho do Ferro de Benguela, na Base do Sanjize, onde realizamos (1968) o Primeiro Curso da Formação de Quadros, Dr. Jonas Malheiro Savimbi esclareceu o seguinte, cita: “Vamos aprender com a rica «Experiencia» da Revolução Chinesa, que é mais próxima da realidade do nosso país, a partir da qual vamos desenvolver gradualmente o nosso «Pensamento Estratégico», o qual vai evoluir à medida das transformações que vão ocorrendo no nosso país e no mundo, à luz dos valores culturais dos nossos povos e das tradições africanas. O essencial é de não perdemos de vista aquilo que pretendemos alcançar e realizar, como meta estratégica da nossa luta libertadora, dos povos oprimidos da África e do Mundo.” Fim de citação.


Por isso, a Digníssima Deputada Mihaela Webba foi feliz na sua Carta Aberta quando coloca no «centro da mudança» o imperativo de «quebrar o circulo vicioso político» que prevaleceu desde a luta anticolonial, causando a «divisão do nacionalismo angolano» e o «antagonismo ideológico» entre os três (FNLA/MPLA/UNITA) Movimentos de Libertação Nacional. Convinha saber que, as «mudanças do regime» somente ocorrem através da maturação da situação interna de um país, que permite quebrar o circulo vicioso político e socioeconómico. Repare que, este circulo vicioso, em Angola, faz 47 anos consecutivos, quase um meio século de Existência. É uma autêntica Dinastia que assenta no Partido-Estado.


Luanda, 27 de Junho de 2022.