Luanda - Lembro-me que, no colapso da União Soviética, ao final da Guerra-Fria, a Europa do Leste retirou-se do Império Soviético e integrou-se na União Europeia e na NATO. Na época, para consumar o desmoronamento da União Soviética e isolar a Rússia dos Estados Satélites em África, na Ásia e na América Latina, as Potências Ocidentais adoptaram o Conceito Estratégico que consistia na “cooptação” dos aliados da União Soviética e no “afastamento” dos seus próprios aliados com os quais enfrentaram lado a lado o Expansionismo Soviético em África e no Mundo.


Fonte: Club-k.net

Como é sabido, a queda da União Soviética teve lugar durante o Consulado do Presidente Mikhail Gorbatchev que implementou a política da Perestroika e do Glasnost (1986) que significam, a “restruturação” da economia, a “transparência” da governação e a “abertura” ao mercado global. No caso da Europa do Leste, o Conceito Estratégico da NATO, quanto à cooptação foi coroado de êxito, na medida em que, quase todos os países da Europa do Leste (que eram Estados-Membros da União Soviética) integraram-se na União Europeia e na NATO.


Em África, o Conceito Estratégico da “cooptação” e do “afastamento” não tinha colhido os frutos desejados. Pelo contrário, o Ocidente não investiu suficientemente no desenvolvimento da Africa com vista a criar a estabilidade social, impulsionar o desenvolvimento, diversificar a economia, promover a democracia e estabelecer a boa governação. No caso específico de Angola, a «conspiração», o «afastamento» e a «decapitação» da liderança da UNITA criaram o “desequilíbrio” na correlação de forças, tendo-se viabilizando a consolidação do Partido-Estado que prevalece até aos dias de hoje.


No entanto, verificou a entrada da China no mercado africano e o regresso da Rússia, apoiando-se nas alianças ideológicas da guerra-fria e do período anterior das lutas pelas independências dos países africanos. Para dizer que, neste período transitório registou-se o recuo muito grande na democratização da África, tendo-se verificado os níveis elevadíssimos da pobreza, do atraso, do subdesenvolvimento e da proliferação de conflitos internos e a expansão acelerada do fundamentalismo islâmico. É neste ambiente de instabilidade social, das águas turvas, em que a China e a Rússia expandiram-se rapidamente e consolidaram a sua presença em África. Os Estados Unidos da América que pretendiam tirar proveito da queda da URSS, sacrificando os seus aliados da guerra-fria, não foram capazes de ocupar o vácuo que tinha sido deixado temporariamente pela Rússia.


Este introito narrativo visa essencialmente estabelecer a correlação entre o «Conceito Estratégico» da NATO adoptado em Madrid no dia 29 de Junho de 2022, e o «Conceito Estratégico» do-pós Guerra-Fria (26-12-1991). A diferença entre os dois Conceitos Estratégicos consiste em dois factores principais, sendo:
PRIMEIRO: Durante a Guerra-Fria a NATO adoptou a Estratégia Defensiva (deterrence), assente na intimidação, na dissuasão e na defesa colectiva, assegurada pelas armas nucleares, como escudo. Dentro deste Conceito Estratégico, embora a Rússia tivesse sido vista como uma ameaça, mas foi assumida como um Parceiro económico, comercial, tecnológico e científico, inclusive na tecnologia espacial. Aliás, por esses factos, como vedes agora, a Europa abriu todas as portas, ao ponto de ficar excessivamente dependente do petróleo e do gás da Rússia, que são factores económicos estratégicos.
Convém enfatizar este facto estratégico, “de boa-fé,” que fizera com que a União Europeia estabelecesse relações de cooperação muito amplas e extensivas com a Rússia e a China, induzindo-se no erro estratégico de entregar todo o mercado europeu aos russos e aos chineses. Aliás, foi na base desta Filosofia, de abertura e de rapprochement, que permitiu o surgimento da “Nova Ordem Mundial,” que assentou na globalização e no multilateralismo, tendo-se superado o regime da bipolarização do mundo. Neste período, o “deterrence” não tinha assumido a postura de hostilidade militar aberta entre o Ocidente e a Rússia, embora o clima de tensão estivesse sempre latente lá no fundo do horizonte.


SEGUNDO: Neste momento, no rescaldo da invasão da Ucrânia pela Rússia, o status quo da Guerra-Fria alterou bruscamente, de modo que, o Conceito de Deterrence já não corresponde à realidade da visão geopolítica do Vladimir Putin, que assenta na filosofia da conquista, da ocupação e da anexação das Nações que faziam parte da União Soviética, de modo a erguer o Grande Império Russo dentro da Europa e da Ásia, a partir da qual, há de progredir à outras regiões do Mundo. Devemos lembrar-se que, o Império de Macedónia, do Rei Alexandre Magno (356 a.C. – 323 a.C.), tinha conquistado uma boa parte da Europa, todo o Médio Oriente, o Norte da África e uma boa parte da Ásia, inclusive a India.


Portanto, a pretensão geoestratégica do Vladimir Putin assemelha-se ao Pensamento Expansionista do Alexandre Magno e do Adolfo Hitler (1889 –1945), este último, que causou a Guerra Mundial II. Recentemente, o Presidente Vladimir Putin invocou (como seu inspirador) o nome do Czar Pedro I, o Grande (1672-1725), que foi o Imperador Russo, considerado como expansionista; um Soberano que aprendeu com a cultura ocidental; fez abertura ao resto da Europa; derrotou a Suécia (na Grande Guerra do Norte contra o Rei Carlos XII); combateu o Império Turco-Otomano; e finalmente conquistou a Livónia, a Estónia e a Finlândia.


Para dizer que, o Conceito Estratégico da NATO, adoptado em Madrid, assenta na transformação da NATO numa Aliança Militar Defensiva e Ofensiva, que classifica a Rússia como sendo a “maior ameaça” à Segurança Geopolítica do Ocidente. A China, neste Conceito Estratégico, é classificada como o “grande desafio” da Aliança Transatlântica. Isso significa que, as duas Superpotências Asiáticas estão dentro deste Conceito Estratégico como “Alvos Estratégicos Defensivos e Ofensivos” da NATO, aos quais o “deterrence” está a assumir uma «postura activa», em termos do Conceito da intimidação e da dissuasão, com base na guerra nuclear.


Deve ficar bem claro que, este Conceito Estratégico de Madrid é uma resposta ao Conceito Estratégico do Presidente Vladimir Putin que visa expandir o Império Russo ao Continente Europeu, como forma de restaurar a antiga União Soviética. No fundo, enquanto este ambiente conflituoso manter-se como está agora, significa que, o Mundo está de volta à Bipolarização, caracterizada pela «hostilidade militar aberta», com a probabilidade de conduzir-se à uma guerra-nuclear, de proporções incalculáveis, de «autodestruição recíproca» - pondo em perigo a existência da Humanidade.


Em suma, a diferença entre os dois Conceitos Estratégicos da NATO consiste nos factos de que, a primeira assentava na postura defensiva; na hostilidade militar passiva; na cooperação estratégica entre as potências mundiais; na existência do mercado global, aberto, livre e competitivo; e no multilateralismo, assente no Direito Internacional, sob os auspícios do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual as Superpotências Ocidentais e Asiáticas detém Assentos Permanentes, com o Poder de Veto.


Ao passo que, o Conceito Estratégico de Madrid assenta na postura defensiva e ofensiva, de pendor ofensivo; na hostilidade militar aberta e activa entre o Ocidente e a Rússia; na bipolarização do mundo; na expansão geopolítica; no descontrolo do uso das armas nucleares, químicas e biológicas, já que, o quadro jurídico que regem o controlo e delimitação de armas nucleares está em causa neste momento. Até aqui, não se sabe o que será a sorte do Multilateralismo e do Direito Internacional, que assentam no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como Órgão de Tutela.
O certo é que, já está a desenhar-se o surgimento do Bloco Economico Asiático, com o potencial tecnológico enorme; em pleno crescimento; que engloba mais de dois terços da população mundial; e possui recursos minerais abundantes; tem capacidade de expandir-se para o Médio Oriente e ao Norte da África. Nessas circunstâncias, a África Subsariana já está sob «asfixia», sem saber de que lado deve estar e quais são as consequências em termos da soberania, da integridade territorial, da liberdade e do progresso.


Eu julgo que, sem medo de errar, a África Subsariana, nas condições actuais de pobreza extrema e da instabilidade sociopolítica generalizada não terá capacidade de encontrar “consensos internos,” com o potencial de agravar a situação actual e permitir o expansionismo islâmico (que já está implantada largamente) pescar nas águas turvas. Haverá entraves enormes entre as Potências Asiáticas e as Potências Ocidentais de dominar a África Subsariana, implantar-se nela e consolidar qualquer tipo do sistema político.


Pois que, por além do «duplo-padrão» que se denota quando se trata com África Subsariana, as suas características sociogeográficas, deste vasto território, constituem um grande handicap para qualquer tipo de jogada, de entre as quais: o subdesenvolvimento; ausência de infraestruturas transnacionais; instituições frágeis; má governação; pobreza extrema; iliteracia acentuada; civilizações opostas (cristianismo versus islamismo); sectarismo ideológico e partidário; diversidade étnica, linguística e cultural; paternalismo colonial; misticismos & mitismos, etc. Tudo isso tem impacto enorme sobre a geopolítica desta região, com abundantes recursos hídricos e recursos minerais estratégicos.


Não obstante, a realidade é que, haverá muitas «repúblicas de bananas», bem corruptas, incompetentes e repressivas, que agravarão as instabilidades internas, a polarização, e as disputas pelos recursos minerais estratégicos, a exemplo dos Grandes Lagos. No meio de tudo isso, a questão fundamental que prevaleceu desde o final da guerra-fria, que é a essência do problema que a Humanidade tem estado a enfrentar, tem sido sempre de encontrar um “Modelo Político e Economico” que seja capaz de fundir ou conciliar o Capitalismo Ocidental (democracia plural e liberalismo económico) e o Socialismo Asiático (centralização dos poderes e capitalismo estatal).


Essa é a questão de fundo que induziu os Ocidentais de adoptar a Filosofia segundo a qual: “a transformação económica e o intercâmbio comercial são os mecanismos mais eficazes para mudar a mentalidade (mind-set) dos países socialistas (Rússia e China), convertê-los e integrá-los no sistema capitalista ocidental, através do mercado global.” Ignorando os outros factores potenciais, tais como: a história, a etnia, a genética humana, a identidade nacional, a antropologia cultural e a matriz socioideológica dos povos asiáticos, enraizadas nos seus costumes e tradições milenares, caracterizadas pela centralização e personalização dos poderes, como é evidente pela natureza dos seus impérios (czarismo ou dinastia), que expandiram os seus territórios através de guerras de conquistas, de ocupação, de anexação, de repressão e da supremacia étnico cultural.


O exposto acima, constitui a fonte principal da instabilidade política que prevaleceu igualmente na Europa (durante o império romano), e que não ficou superada definitivamente. A genética humana, por exemplo, é muito complexa, cujas variações socio-psíquicas podem afectar o comportamento social de uma pessoa, como nos casos da sociopatia e psicopatia, registadas nas personalidades do Rei Alexandre Magno, da Macedónia, e do Chanceler Adolfo Hitler, da Alemanha. Portanto, os factores económicos não são suficientes para alterar facilmente a cultura política de uma Nação, de uma Organização Política ou de um Clique – fundada numa matriz sociocultural.


Na base disso, como síntese, devemos aprender com a nossa História, porque, o ser humano, ao longo dos tempos indos, registou um corolário, uma sequência ou uma repetição dos mesmos acontecimentos, dos mesmos erros de cálculos, dos mesmos contratempos, das mesmas vicissitudes e das mesmas políticas erradas, que culminaram em tragédias. Nesta senda, o cenário do final da Guerra-Fria (1991) pode repetir-se, tanto na geopolítica mundial quanto na geopolítica africana.


Pois que, as Potências Ocidentais têm defeitos nas suas abordagens e análises dos fenómenos mundiais, que lhes conduzem sempre a cometer os mesmos erros como tivera acontecido com o Czar Pedro I, que se aproveitou dos conhecimentos ocidentais para combater os Ocidentais. Neste respeito, o Presidente Vladimir Putin aprendeu igualmente com a História do seu País, tendo feito a mesma coisa como Czar Pedro Magno.


Só que, que me parece, houve erros de avaliação da conjuntura global, sobretudo da resiliência extraordinária das Forças Armadas Ucranianas (inspirada na sua História), e sobretudo, da firmeza e da rapidez da NATO em sair da «postura defensiva passiva» para a «postura ofensiva activa». Nesta senda, a postura da Suécia e da Finlândia de fazer démarches para entrar na União Europeia e na NATO funda-se na sua História em relação à Rússia que sempre foi hostil e agressiva. Quanto à África, creio que o cenário poderá ser o inverso, pois que, a Casa Branca e Bruxelas poderão proceder da mesma maneira como aconteceu no final (1991) da Guerra-Fria, que vai causar o recuo dramático da democratização dos Países Africanos.


Por isso, devemos ter muita cautela e a previsibilidade sobre a conjuntura mundial, cujas repercussões ainda não estão bem explícitas. Gostaria de finalizar dizendo que, as fragilidades crónicas da África Subsariana consistem no atraso da sua população, e na mesquinhez e na ignorância das suas elites, atoladas no pântano da corrupção e do subdesenvolvimento, incapazes de fomentar a revolução industrialização, a modernização das economias africanas, o domínio das tecnologias de ponta e a erradicação da fome e da pobreza extrema.