Luanda - A semana passada foi intensa. Não pelos episódios burlescos que a morte do Filho Pródigo em Barcelona nos ofereceu, pois ele realmente permaneceu fiel a si mesmo, filho pródigo mesmo na morte, porque nem sequer foi capaz de prever, preparar e dar instruções inequívocas e decisivas sobre o seu próprio enterro, apesar de todo o tempo que teve para se dedicar a isso! Por isso, escusado será dizer que compreendemos de uma vez por todas porque falhou na gestão do nosso país, Angola. Então, como evitar sofrer essas cenas rocambolescas que estamos a assistir, dignas de Dallas, da série de televisão? Assistimos, maravilhados, à nossa "Dallas dos Trópicos", diante de toda a Terra que ri estupefacta! Não, não, a minha semana não foi intensa por causa dessas brigas indelicadas de Assimilados cujo defunto nada fez ou disse claramente durante a sua vida que poderia impor-se a todos e poupá-lo, Angola também, dessa vergonha, pois na cultura africana os últimos desejos de um morto são uma ordem! Quem ainda tem essa compreensão africana sabe disso. Aparentemente, não é assim entre os Assimilados. Com eles, os mortos são feitos reféns e negociados para fins egoístas e oportunistas. Ei!

Fonte: Club-k.net

Sim, sim, a minha semana passada foi intensa e linda. Depois da Paris Fashion Week, onde, como sempre, o colectivo Art Comes First nos levou numa viagem espiritual durante a sua festa no Andy Wahloo com bons amigos, incluindo a dupla de Black Pumas, Eric Burton e Adrian Quesada, ou o cantor e compositor Curtis Harding e outras pessoas de boa energia que amamos, e Raí, o ex-jogador de futebol brasileiro apareceu na festa com a sua nova companheira, comemoramos, alguns dias depois, isto é na semana passada, precisamente na terça-feira 12 de julho, o lançamento do livro de fotografias de Lagos do nosso amigo Daniel Obasi, um fotógrafo nigeriano, que foi publicado na colecção Fashion Eye da Louis Vuitton. No dia seguinte, improvisei uma festa em sua honra e encontramo-nos com alguns amigos, pessoas do mesmo espírito, o espírito do novo mundo, habitantes do país que o nosso amigo Mos Def, também conhecido como Yasiin Bey, baptizou de ACCE (A Country Called Earth), ou seja, pessoas cosmopolitas, livres de qualquer complexo que limite o encontro humano e a alteridade. Mos Def afirmou ter chamado este país assim porque a ACF (Art Comes First) criou a cultura que o acompanha. E enquanto eu criava uma salada da minha imaginação, Adesuwa Aighewi, uma Top Model famosa, pôs-se na minha frente com um tubo colorido no qual soprava para fazer bolas de sabão transparentes que subiam muito alto até o tecto da sala do apartamento. Ri com ela e depois a interrompi em plena brincadeira para perguntar se ela também era vegana, como 3 outras pessoas do nosso grupo de cerca de 13. "I am African", ela respondeu-me com um sorriso, enquanto continuava imperturbável porque focada na sua brincadeira de bolas de sabão.


Gostei da resposta da Adesuwa. Lembrei-me que ela tinha razão, comi vegano toda a minha infância em Mbanza-a-Kongo! Embora a minha família fosse uma das famílias que tinham meios e possuíam gado e animais de curral, a carne era reservada principalmente para ocasiões especiais: festas de fim de ano, casamentos, nascimentos, baptizados. Foi pela cultura, mas também porque a carne se tornou um sinal de riqueza. Quando o meu pai mandava matar um galo, um porco ou uma ovelha, era sinal de que se aproximava uma grande festa e a carne era comida com particular júbilo. Éramos, portanto, consumidores de pouca carne, porque no mata-bicho comíamos mandioca, banana, batata-doce, inhame, muitas vezes acompanhados de jinguba fresca, safus, e bebíamos um bom chá feito de plantas ou folhas, conhecidas e passadas de geração em geração, ou café, que o nosso pai cultivava, que nós mesmos torrávamos e moíamos. Comíamos frutas ao almoço, quando tínhamos vontade de comer, e no jantar comíamos principalmente pratos à base de feijão, kisaka, mbika (abóbora), que eram feitos com óleo de palma e muitas vezes sem condimentos de origem animal. E quando havia, era mais peixe seco. Acompanhávamos estes pratos com funge.


O veganismo não é uma invenção ocidental, como certas pessoas gostariam que se pense. Portanto, fiquemos vigilantes para que os nossos revisionistas disfarçados de intelectuais não espalhem essa falsa crença, em Angola e fora. Porque no passado, os pratos tradicionais dispensavam ingredientes de carne. A relação com a carne é de facto relativamente recente, não me lembro de ter comido regularmente pratos de carne na casa das minhas duas avós em Mbanza-a-Kongo. Elas preparavam refeições para nós à base de frutas, tubérculos ou cereais. Se hoje, e na diáspora em particular, o afro-veganismo é também um meio de reivindicar a identidade africana, portanto, uma forma de resistência ao colonialismo, uma luta contra o capitalismo, um desejo de preservar o meio ambiente e a vida animal, na minha infância era acima de tudo um modo de vida, uma cultura. E não nos sentíamos restringidos na nossa alimentação. Hoje, claro, comer carne tornou-se uma forma de mostrar a riqueza, por alienação, mas não é a nossa cultura alimentar básica. Não sou vegano, mas como os meus amigos, sempre me pergunto por que como o que como.


Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), colunista lifestyle da revista Forbes Afrique, cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.