Luanda - Por acaso esperei pelo pronunciamento do filho Varão do falecido Presidente dos Santos para formar uma apreciação justa da situação que prevalece sobre o passamento físico de José Eduardo dos Santos, ocorrido no dia 8 de julho em Barcelona, no Reino da Espanha. Eu ouvi o comentário do Dr. Bali Chionga na TV Zimbo quando citava o nosso carismático deputado Augusto Pedro Makuta Nkondo (Vieux Auguí) como tendo dito que na tradição bantú, não se realiza óbito sem corpo. Ali chamou me atenção de me interrogar de que óbito se trata: Lufwa (Morte), Yamba(Óbito), Mafwa(Velório) ou Luziku (Enterro).

Fonte: Club-k.net

Escrevo por respeito e solidariedade a dois filhos do Malogrado que tem sangue de Sakandika (Maquela do Zombo) nas suas veias: A Tchizé e o Coréon Dú; porque para os bakongos com quem partilhamos a fatia da mesma cultura, o Yamba se realiza em qualquer parte do mundo onde se moram as pessoas da linhagem do falecido e hodiernamente na modernidade com a deposição de flores mesmo junto da fotografia do malogrado. Também é importante acentuar como exemplo que uma pessoa pode morrer em Louisiana nos Estados Unidos mas o óbito desse filho bakongo será realizado em várias localidades até no Dirico no Kuando Kubango onde reside um único primo dele do mesmo clã.


Poderemos insistir no valor do clã porque em seguida fui na youtube ouvir o Velho Makuta Nkondo onde me apercebi que ele atribuiu ao Mais Velho Luís dos Santos e à Dona Marta dos Santos a responsabilidade do óbito, além de reconhecer que os filhos do malogrado também têm uma palavra para escolher onde o pai será enterrado. Ele foi mais longe em dizer que mesmo o governo está abaixo do poder de decisão familiar sobre o enterro de Zédu.


Se o Zédú fosse Mukongo, de nada valeria essa insistência na decisão ou opinião da viúva Ana Paula dos Santos em trazer o corpo para Luanda para seu enterro em oposição a opinião do filho Varão Zénu. Ela teria que sentar bem quieta no chão ao lado daquelas que vieram no óbito solidarizar se com a sua dor e esperar que os seus cunhados decidam em conjunto com seus filhos (nos Bakongos, os filhos dos irmãos não são sobrinhos, são filhos, também e neste caso até o Catarino do Santos e outros participam nesta concertação). Aquele papel de casamento da conservatória ou tribunal de casamento ou divórcio não vale bagatela para a decisão final do Luziku.


Nos bakongos é mesmo crença da tradição ancestral que os filhos são os que enterram um Pai. Por isso nos óbitos quando morre um jovem, os choros dos mais velhos se resumem em : “aki nani akutuzika.?” (Quem nos vai enterrar?). Eles acreditam no destino dos filhos enterrar o Pai.


A importância da palavra do Zénu se resume no provérbio Kikongo: “Mwana Kola, mpangi Tata” (O filho Varão é o irmão imediato do Pai), aí discordo um pouco com o Velho Makuta Nkondo, porque mesmo que o Luís dos Santos e Marta dos Santos queiram decidir sobre o funeral do irmão deles, só o podem fazer em apoio escorado aos filhos do seu irmão e neste momento de inexistência de Eduardo dos Santos, são também seus filhos porque os Pais nunca morrem.


A Sra. Marta nem poderia entrar em discordância com as sobrinhas porque em caso de um futuro casamento da Isabel, Tchizé ou Joseana, seria ela no portão a cobrar o direito do pano de “Tata Nkento” aos noivos das suas sobrinhas. Qualquer discordância com as sobrinhas numa fase crucial como essa do óbito do irmão pode valer uma qualificação não muito boa de feiticeira na família e não ser aceite nas cerimónias mais.


A importância do clã e sentimento de pertença a ele é tradicionalmente e culturalmente importante. Os bakongos que existem de Angola até ao Gabão se reclamam descendentes do Ancião N´Kongo Nimi a Lukeni e todos se reagrupam apenas em três grandes grupos. Os bakongos reconhecem nesta figura de Nimi a Lukeni como progenitor dos 3 pilares da espiritualidade Kongo: O primeiro filho se chamou Ne NSAKU, a quem ele deu o poder do artesanato e da sua engenharia; ao Segundo filho NE MPANZU a quem deixou o poder da agricultura e sua engenharia assim como de todas as riquezas do subsolo e à única filha que teve YÁYA NZINGA a quem deixou o poder da Ciência (Mazayu) e o poder da inteligência (Ndwenga).


Assim todos os clãs Kongo se revem como descendentes destes “Makuku Matatu Matunga Kongo” (Os três pilares do Kongo.) ; eu próprio como autor deste texto por exemplo pertenço ao clã dos Nlungu Mpanzu, clã da minha mãe enquanto que o clã dos meus pais é da linhagem dos Lemba Nzinga uzingidi mponda muna Kongo, a mesma linhagem da nossa Matriarca Rosa Toko, esposa do Profeta Simão Gonçalves Toko (Mayamona Maziezi Mavilukidi).


Se o Zédu fosse bakongo, esta decisão não levaria tanto tempo em trazer ou não o corpo em Luanda ou ser enterrado lá fora. Contudo para muitos de nós o Yamba (óbito) do Zédu já foi feito mesmo que não completado ainda. Choramos quando recebemos a notícia da morte dele embora os últimos meses da sua vida tenham contribuído de uma maneira geral à uma preparação psicológica para aceitar aquilo que aconteceu no dia 8 de Julho.


Normalmente, as pessoas que estão no Yamba (óbito), estão em consonância com outros parentes que se encontram no local do Mafwa (velório) por que lá é onde esta o corpo do malogrado. Com o sinal destes de que o corpo foi enterrado, aqui e em todos os locais onde se realizou o yamba (óbito), encerra se o óbito; as pessoas comem e bebem um pouco de água em sinal de despedida; trocam entre os dois clãs do falecido um copo de maruvo como sinal de encorajar tanto o clã da mãe e do pai a voltarem no trabalho. Todos em conjunto oram ao Nzambi a Mpungu Tulendo (Deus Todo Poderoso) para que o infortúnio não se repita mais e assim a vida continua.


No caso do Zédu, se ele fosse Mukongo, nós já fizemos o nosso YAMBA mas ainda não a encerramos e o óbito espiritualmente pode demorar o tempo que quiser até a um eventual Luziku (enterro): Foi assim que eu assisti pessoalmente a muitos Yambas de bakongos falecidos nas frentes de combates durante a guerra cujo óbito se realizou apenas através de uma notícia transmitida por alguém que esteve com ele ou confirmou a morte do malogrado mesmo que não tenha participado no Luziku, situação que afectou muitos combatentes cujo sangue continua a molhar a terra que os viu nascer.


Para o Zédú, as pessoas em todo o país renderam homenagem a aquele que foi em vida o segundo Presidente da República de Angola. Em todas as províncias do País, nas Embaixadas, Representações consulares e algumas casas particulares realizou-se o óbito do Zédú. Eu fui na Praça da República me juntar aos outros para o efeito e com aquelas mãos fracas e dor na mente, escrevi o seguinte: ADEUS Comandante em Chefe: Uma mensagem de agradecimento pelos seus feitos positivos ao serviço da Nação Angolana. Que os mais velhos se tenham esquecido ou que os mais novos ignorem mas serás lembrado como um PATRIOTA que num período conturbado da nossa história, soube perdoar e colocar os interesses supremos da nação acima. Nos perdoa a todos por não lhe termos sido fiel nos últimos anos da sua vida.


Que os mais novos aprendam para sempre que existiu na hierarquia do partido MPLA, alguém que pôs termo aos fuzilamentos de militantes e do carácter brutal das relações entre militantes. Alguém que priorizou mais a integração no Mpla dos seus ex adversários sob o princípio de " melhor os ter connosco do que os ter contra nós".


Vivíamos o período da guerra fria e monopartidarismo. Facilitastes a integração de muitos deles e transformastes o seu partido num balão de ensaio da tão almejada unidade nacional. Os angolanos por um pouco esqueceram as raças e tribos como base de pensamento. Na história de Angola independente até aqui és a única pessoa que dirigiu este País num ambiente mais conturbado: uma guerra mais violenta do continente africano.


Perdoa nos por termos olhado mais para o nosso umbigo do que além. Perdoa nos por não termos sabido que as pessoas só são valorizadas quando desaparecem. Perdoa nos Nosso Deus por termos tratado muito mal alguém que amou seu povo e lutou para a sua libertação do jugo colonial. Quem nunca cometeu erro que atire a primeira pedra contra ti. Perdoa-nos, Que a sua Alma descanse em Paz, Zédu. Adeus Comandante em Chefe.


Concluindo, diria simplesmente que se o Zedú fosse um Mukongo, a palavra do Zénu, apoiado pelas irmãs e primos directos como Catarino das Santos e outros era suficiente para uma decisão final de onde e quando se enterra o Presidente Dos Santos. Nem delegação do Governo a Barcelona nem um tribunal não seria necessário porque o respeito à cultura bakongo seria decisiva para todos os efeitos.


Adeus Comandante em Chefe, Que a sua alma descanse em PAZ.