Luanda - Rosário de Menezes, especialista angolano em relações internacionais e com uma vasta experiência em  questões eleitorais  produziu,  um breve parecer explicando os riscos de alguém votar no lugar dos mortes, e como o procedimento pode acontecer. O parecer surgiu na sequencia de diversas reclamações de cidadãos que denunciam ter o nome de familiares já falecidos há mais de 10 anos, no sistema do Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral (FICRE) do Ministério da Administração do Território (MAT).

Fonte: Club-k.net

O risco de alguém votar no lugar dos mortos é Real

No contexto do funcionamento de uma Administração pública partidarizada e da prática institucionalizada da improbidade dos agentes públicos, o risco de alguém vir a votar no lugar dos mortos, sem precisar apresentar o Bilhete de Identidade do morto, é real.

 

Os mais de 120.000 membros das mesas de voto ou qualquer um dos 15.000 operadores logísticos, recrutados pela CNE, podem votar no lugar dos mortos, porque não há nenhum mecanismo eficaz de controle em tempo real, que os impeça de fazer isso, lá onde não houver delegados de lista a fiscalizar ou onde a fiscalização desses for fraca, eclipsada ou distraída.

A coisa funciona assim:

O eleitor apresenta-se à mesa de voto e identifica-se. A mesa confirma a sua identidade através do BI válido ou do cartão de eleitor, Aí a fraude só poderá ocorrer se o Bilhete de Identidade for falso ou se alguém utilizar fraudulentamente identidade de outro cidadão regularmente registado, para exercer em seu lugar o direito de voto, com ou sem a conivência de algum membro da mesa. A possibilidade desta infração eleitoral ocorrer +e real, estando prevista no artigo 185.º da Lei Eleitoral (LOSEG).

Pergunta-se:

Têm surgido bilhetes de identidade falsos? Quem os emite?
Há cidadãos não angolanos ou com dupla nacionalidade, possuidores de bilhetes de identidade angolano, que residem na RDC, na Zâmbia, na Namíbia ou no Congo e que, de forma organizada, são transportados para virem votar em assembleias de voto nas localidades fronteiriças, sempre para o mesmo Partido, e depois regressam? Quem os protege? Quem os controla? O povo nestas localidades fronteiriças diz que sim, e que quem os organiza é a mesma entidade que, não devendo, persiste em manter os mortos nos cadernos eleitorais.

Mas voltemos à mesa de voto.

Comprovada a identidade do eleitor com base na verificação do bilhete de identidade, a mesa verifica a conformidade do local de votação, com base no caderno eleitoral. Se o portador do Bilhete de Identidade não estiver inscrito para votar naquela mesa específica, a lei não o autoriza a votar, pois “os eleitores exercem o seu direito de voto na Mesa de Voto em cujo Caderno Eleitoral estão inscritos”, estabelece o artigo 101.º, n.º 1, da Lei Sobre as Eleições Gerais.

Pergunta-se:

É possível utilizar fraudulentamente o nome de outro cidadão regularmente registado (mas já falecido) para votar no seu lugar? A lei diz que sim, a possibilidade desta infracção é real - Artigo 184.º, n.º 3 da LOSEG. Se o eleitor inscrito para votar naquela mesa específica não aparecer porque já é falecido e os membros da mesa de voto souberem disso, podem conspirar e um deles votar no lugar do morto, com ou sem a conivência dos demais. Não precisam que alguém mais “apareça” na mesa com Bilhete de Identidade. Eles mesmos, instruídos por quem colocou os mortos nos cadernos eleitorais, podem fazer este trabalho sujo.

Pergunta-se:

Quem designa ou recruta os membros da mesa para a tal função? Existe alguma conexão entre tal entidade e aquela que tem a responsabilidade de expurgar os mortos dos cadernos eleitorais?

Sim, é a mesma entidade, subordinada ao Titular do Poder Executivo, o Presidente do MPLA. Ao dispor que “compete à Comissão Nacional Eleitoral definir as regras de recrutamento, selecção e formação dos membros das Mesas de Voto”, o legislador teve o cuidado de salvaguardar que “Sem prejuízo do disposto no número anterior e sempre que considere necessário e adequado, a Comissão Nacional Eleitoral pode requisitar funcionários públicos para o exercício da função de membro das Mesas de Voto, no País e no exterior” - artigo 89.º, n.º 4 e 5 da LOSEG.

Naturalmente, esta possibilidade tornou-se regra na organização de todas as eleições. Os concursos públicos são para inglês ver, os professores e outros funcionários públicos dos CAPś do MPLA, são por excelência os membros das mesas de voto.

É curioso que quem aprovou esta lei (sózinho!) teve o cuidado de estabelecer um “prémio especial” para o bom desempenho dos membros das mesas de voto, nos seguintes termos: “O bom desempenho das funções de membro da Mesa de Voto é elemento a considerar nos processos de avaliação de desempenho ao nível da administração pública, nomeadamente para o ingresso ou progressão na carreira administrativa” - art. 90.º, n.º 7, da LOSEG.

Quem estabeleceu esta medida é a mesma entidade que costuma coagir os funcionários da administração pública a deixar o serviço para marcar presença nos comícios do presidente do MPLA. É a mesma entidade que institucionalizou a improbidade na administração pública e a corrupção no País.

Destarte, a gestão da Base de Dados de Cidadãos Maiores (BDCM), mortos e vivos, é oficiosa e permanente, nos termos da Constituição e da lei. Foi o Governo que chamou a si essa responsabilidade através da Lei do Registo Eleitoral Oficioso (lei n.º 8/15, de 15 de Junho), de sua própria iniciativa! Não dar baixa dos falecidos na BDCM é definitivamente uma omissão dolosa da Administração Pública na execução da sua própria lei.

Mera coincidência? Teorias de conspiração? Não parece. É facto indiscutível que a gestão não isenta da BDCM e a designação e gestão não isenta dos membros das mesas de voto pela mesma entidade, aumenta sobremaneira o risco de os mortos votarem.

Como se evita isso?

Evita-se isso através de duas medidas muito simples:

1- Informatização das Assembleias de voto e sua interconexão em rede

Os dados da BDCM de cada província são colocados no disco de computadores portáteis ou ipads (4 por cada assembleia de voto), ligados numa mesma rede provincial capaz de transmitir dados, fax ou voz. O tamanho do disco necessário para armazenar a fotografia, ficha e a impressão digital de cada eleitor, nunca ocupará mais do que 40 Kbytes, o que faz com que um disco rígido de 100 GBytes seja suficiente para acomodar toda a base de dados dos eleitores da província e permitir que se deia baixa dos votantes na mesma rede em tempo real. A CNE tem em sua posse pelo menos 15.000 aparelhos capazes de fazer isso.

2- Equipar as assembleias de voto com terminais automáticos de controle biométrico dos cadernos eleitorais em tempo real, ligados à BDCM. Estes terminais, funcionam como os TPAś (terminais de pagamento automático). A autenticação da identidade do eleitor é feita eletronicamente, por via biométrica. A baixa nos cadernos eleitorais digitais é feita em tempo real, por via da confirmação biométrica da identidade do eleitor. O Governo possui os dados biométricos de cada eleitor e pode controlar a sua autenticidade, se quiser.


Em Angola, só a tecnologia poderá impedir que os mortos votem, porque a Administração Pública não é despartidarizada, nem imparcial, nem íntegra. Qualquer uma das soluções acima, ou uma combinação delas, garante a unicidade e a pessoalidade do voto de cada um, impedindo definitivamente que os mortos votem.