Luanda - Estamos em vésperas das eleições gerais e ultimamente tenho recebido algumas questões sobre como os cristãos angolanos devem se comportar e se posicionar face esse evento. Partilho algumas reflexões que espero poder ajudar neste sentido:

Fonte: Club-k.net

O Cristão e a Sociedade

O cristão é acima de tudo um ser espiritual. No entanto, o cristão é também um ser social. Geralmente é através do meio social que a vida espiritual do cristão é manifesta no presente mundo.

É importante estabelecer uma linha demarcatória entre as coisas espirituais e as coisas sociais (seculares - como preferem alguns). De igual modo é necessário também elucidar os pontos em que ambas são convergentes e relacionáveis.

Existem os ministros das coisas espirituais - os ministros de Deus e as instituições cristãs.


Existem os ministros das coisas temporais - os políticos e as instituições governamentais.

Ambas emanam de Deus e visam (pelos menos deveriam) o bem estar dos homens. Mas têm funções e posições diferentes.

O Estado, enquanto Estado, não deve ministrar as coisas espirituais: é tarefa da Igreja. O Estado deve facilitar a Igreja na execução da sua tarefa que é de trabalhar para o bem estar "eterno" das almas humanas.

A Igreja, enquanto Igreja, não deve ministrar as coisas temporais: é tarefa do Estado. A Igreja deve facilitar e apoiar o Estado na execução da sua tarefa que é de governar para o bem estar "temporal" dos homens.

O cristão tem obrigações espirituais e também obrigações sociais. Ele deve dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. (Cf. Mt 22:21)

O Cristão e a Participação nas Eleições

Neste ano 2022, Angola caminha para mais um pleito eleitoral na história. Recordo que nos anos 1980 e 1986, houve eleições parlamentares de acordo com o sistema mono - partidário do MPLA. Em 1992, numa pausa da guerra civil, e em 2008 foram realizadas as primeiras eleições legislativas multi - partidárias.


Desde que entrou em vigor a Constituição de 2010 já não se realizam eleições presidenciais, sendo o Presidente e o Vice-presidente os cabeças - de - lista do partido maioritário nas eleições legislativas. Nas eleições de 2012, o MPLA obteve uma maioria qualificada na Assembleia Nacional, elegendo por esta via o recém - falecido José Eduardo dos Santos, cabeça de lista dos candidatos do MPLA pelo Círculo Nacional, para Presidente da República. As últimas eleições legislativas foram em 2017, com a vitória do MPLA tendo como cabeça de lista o actual presidente João Manuel Gonçalves Lourenço. Importa dizer que desde 1992 todas as eleições foram sempre contestadas pela oposição por suspeitas de fraude.

É mister dizer que a principal arma dos cidadãos no regime democrático é o voto. É através dele que o povo pode fazer valer a sua vontade e o seu legítimo poder. É pelo voto que cada cidadão participa dos destinos de sua nação. É pelo voto que ajuda a nação a mudar de rumo, que elimina os maus governantes, etc.

Para o cristão, a política tem uma importância enorme, tanto para aquele que é simples eleitor, como para aquele que é candidato a algum cargo. O eleitor cristão precisa ter em mente que quando ele vota está exercendo um certo poder, e o Senhor Jesus disse que todo o poder vem do alto e é dado por Deus.

Mas alguns dizem que os cristãos não devem votar?!

Sem desprimor a ninguém, mas os mais conhecidos como defensores dessa posição são as autodenominadas "Testemunhas de Jeová". Eles afirmam que os cristãos não devem votar porque o voto elege um homem ou alguns homens que vão dirigir os destinos da nação, e - segundo eles - nenhum homem ou poder humano consegue ou conseguirá resolver todos os problemas dos homens, uma vez que são imperfeitos e pecadores.

É verdade que os homens têm sido presunçosos e mentirosos sob diversas maneiras. Ora pensado além das suas capacidades, ora estando aquém dos compromissos assumidos.

A verdade é que enquanto estivermos na terra nenhuma instituição será totalmente perfeita, seja o Estado, seja a Igreja. Mas o facto de sabermos isso, nada deve nos inibir das nossas responsabilidades!

Nunca devemos pensar que há um homem ou um grupo de homens que poderão resolver todos os problemas dos homens - isso é presunção! Também não devemos viver sem uma sociedade organizada - isso é caos e falta de sabedoria!

O Quadro Eleitoral Actual

Actualmente em Angola há um forte desalento natural quanto ao processo eleitoral: a corrupção dos políticos é galopante, a situação socioeconómica é preocupante. Há ainda uma insegurança e desconfiança sobre o período pós - eleitoral. Não obstante todas estas situações a ponderar, o cristão precisa exercer a sua cidadania na construção de uma sociedade justa e solidária. Por isso é importante despertar o senso global das responsabilidades políticas.

Nos sistemas totalitários, como o comunismo, o povo não pode votar com liberdade; as eleições são simulacros de eleições; mas nas verdadeiras democracias o povo vota livremente. No caso de Angola é consensual que o país não vive verdadeiramente uma democracia. Muitos acreditam que se vive uma transição da oligarquia para a democracia. Então o cristão tem dupla responsabilidade de votar bem, como cristão e como cidadão.

É pecado vender o seu voto ou votar mal; isto é, dar o seu voto a alguém que não merece, que ele sabe que não é competente e nem honesto.
O cristão não pode votar com segundas intenções, só porque aquele candidato vai lhe ajudar depois de eleito, com um emprego, outras benesses, etc. O cristão deve votar com a consciência, escolhendo entre todos os candidatos o melhor, independente de interesses, sentimentalismos ou grau de parentesco ou amizade. Também disso vamos prestar contas a Deus um dia.

Como Votar Correctamente?

Dizem que em democracia todo poder emana do povo e que em seu nome é exercido. Portanto, como dizem os sociólogos: todo povo tem o governo que merece. O governante sai do meio do povo e é escolhido pelo povo.

Se o povo sabe votar bem e escolher homens e mulheres honestos e capazes para dirigir a cidade, o estado e a nação, então, esse povo terá bons governantes, honestos e justos, que saberão priorizar bens os recursos públicos, os impostos pagos pelos cidadãos, etc. No entanto, se o povo votar mal, escolher seus governantes por motivos escusos e egoístas, interesseiros, sem escolher bem os candidatos, então, terá certamente governantes que estarão mais para politiqueiros e não políticos verdadeiramente.

O político verdadeiro tem consciência da sua tarefa, governar e dirigir o bem comum para o bem do povo; priorizando certamente os mais necessitados e as medidas mais urgentes que beneficiem a todos de modo geral, sabendo que é ministro de Deus para os homens e um dia terá que prestar contas de tudo a Deus.

O verdadeiro político decide em função do bem comum e não de seus próprios interesses.

O falso político ao invés de servir o povo, ele se serve do povo. O "politiqueiro" pode ser até eloquente, carismático ou ainda sério, rigoroso... Não importa como se apresente, um dia será conhecido por quem ele é verdadeiramente. Certa vez alguém disse que é possível enganar a muitos durante pouco tempo, ou a poucos durante muito tempo, mas que é impossível enganar a todos o tempo todo. Um dia a máscara cai!

Algumas Recomendações Antes do Voto

Antes de tudo, convém que para o cristão o voto deve ser precedido de oração.

Deve sempre avaliar as ideias e os actos dos candidatos.

Deve conhecer o plano do governo, onde esse governo vai colocar a ênfase nas suas futuras acções governamentais; quais os métodos para diminuir as injustiças e o problemas prementes.

Deve verificar se as ideias e os princípios do programa de governação de cada partido estão dentro dos princípios que a Bíblia ensina a respeito de como uma sociedade precisa funcionar.

Não basta olhar para o que o candidato diz e promete, deve olhar também para como ele se comportou no passado, na vida política; analisar como se comportou nos cargos que já chegou a ocupar.

O cristão não se deve deixar enganar pelos candidatos cristãos só porque assim afirmam ser. O facto de alguém se apresentar como tal não significa que realmente o seja. Mesmo assim para estes e como para todos é necessário aplicar os procedimentos já descritos.

O cristão não deve ainda votar em candidatos que sejam inimigos da fé ou da Igreja; especialmente aqueles que apoiam procedimentos imorais condenados pela Bíblia.

Abstenção, Voto Branco ou Voto Nulo?

Se por alguma razão o cristão se vir diante de uma situação em que não sabe em que votar, uma vez que nenhum dos candidatos merecem o seu voto e não lhe inspiram confiança, o cristão não precisa votar em branco ou anular o voto. Não, estas medidas não resolvem nada porque alguém será eleito de qualquer forma.

Como eu disse a um colega de trabalho em uma conversa: se todos parecem ruins, o que se deve fazer é votar no menos ruim. Votar em branco ou anulando o voto, podemos estar beneficiando o mais ruim. Não se iluda: alguém será eleito para Presidente, vote você ou não. Se você votar, poderá influir no resultado final. Se não votar, vai ter que aceitar aquilo que tiver sido decidido em seu nome.

No demais devemos vigiar em oração constantemente, pois o mundo jaz no maligno. (Cf. 1Jo 5:19). Antes, durante e após as eleições é tarefa dos cristãos orar e contribuir de maneira pacífica e legal para que todos tenhamos uma vida quieta e sossegada. (Cf. 1Tm 2:1-4)

Que Cristo possa se compadecer e abençoar Angola.

Jesiel Manuel Monteiro ✍️
Missionário, escritor, bancário.