Luanda - Oito forças partidárias participam nas eleições gerais de 24 de Agosto, em Angola. Noé Mateus, porta-voz da Aliança Patriótica Nacional e candidato a vice-presidente da República, diz que as prioridades do partido passam pela reforma da justiça, uma forte aposta no sector do agronegócio e a criação de cerca de 400 mil postos de trabalho. Em 2017 a Aliança Patriótica Nacional obteve 0,5% dos votos, Noé Monteiro acredita que desta vez o partido vai ter um melhor resultado..


Fonte: RFI

RFI: Em 2017 o partido da Aliança Patriótica Nacional obteve apenas 0,5% das intenções de voto dos angolanos. Porque decidiram voltar a apresentar-se?

Noé Mateus: Estamos num ambiente democrático onde as forças políticas concorrentes se preparam para cada pleito, independentemente dos resultados que forem alcançados. Em 2017 éramos um partido novo e aprendemos com todo o processo. Hoje temos outra maturidade política e estamos convencidos de que vamos alcançar um melhor resultado do que obtivemos em 2017.

É fundamental que tenhamos a força necessária para garantir que novos partidos, inclusive a APN, alcancem melhores posições, não só para acabar com a bipardidarização, mas também para melhorar a vida política. Acreditamos que os partidos de libertação nacional são partidos históricos que, nesta altura, já estão a ser um impedimento para o desenvolvimento do próprio país.

 

O seu partido defende que a erradicação da pobreza passa pela aposta na agricultura. Qual é o projecto para este sector?

O nosso projecto é mais amplo do que a agricultura, o nosso projecto assenta no agronegócio. Nós acreditamos que, através do agronegócio, vamos erradicar a pobreza. Angola tem cerca de 58 mil milhões de hectares de terras aráveis, ainda não cultivadas. Se fizermos um investimento nessa área, vamos conseguir alimentar Angola e o continente africano. Há um campo muito aberto para o combate à pobreza, mas enquanto continuarmos a contar com o petrodollar -os recursos vindos do petróleo- será impossível combater a pobreza.

Que olhar tem o seu partido sobre a forma como a fome está a ser gerida no país?

A fome está a ser gerida pessimamente mal. Não há um plano nacional de combate à fome eficaz. Este combate não passa pela distribuição de dinheiro, mas sim por uma estratégia que permita a cada cidadão tornar-se num actor económico, sendo capaz de garantir a alimentação para toda a família.

 

De acordo com o Instituto Nacional de Emprego, cerca de 33% da população angolana está desempregada e 75% são jovens. O seu partido promete emprego para todos os jovens. De que forma vai executar essa promessa?

Não prometemos emprego para todos os jovens, o que estamos a prometer é a redução do desemprego jovem. Acreditamos que o agronegócio é uma das soluções para a criação de emprego jovem. Queremos alcançar cerca de 400 mil empregos, caso sejamos governo, e se tivermos um segundo mandato queremos criar outros 400 mil. Também queremos investir no auto-emprego, estimulando os jovens angolanos a correr atrás dos seus sonhos. No entanto, temos consciência que numa economia controlada pelo Estado é complicado concretizar esse sonho.

 

Vão apostar na privatização?

A privatização é um processo que deve ser muito bem avaliado. Temos a noção de que a máquina do Estado não deve ser muito pesada, para não dificultar o desenvolvimento do país.

 

Nos comícios, o seu partido diz querer melhorar o sistema de saúde em Angola. Quais são as prioridades para este sector?

Queremos melhorar as nossas maternidades. Angola é um país que está a crescer, mas ainda há muitas mulheres que morrem durante o parto. Precisamos de melhorar o combate às grandes endemias, malária, tuberculose e sida, construir fábricas de redes mosquiteiras. É importante que o país produza os medicamentos de que precisa. Ainda importamos muita medicação da Índia e precisamos de formar mais técnicos de saúde.

 

Como pensam lidar com as greves recorrentes dos profissionais de saúde?

Pretendemos melhorar as condições de trabalho dos profissionais de saúde, pois acreditamos que nas suas reivindicações não constam apenas as questões salariais. Precisamos de ter os hospitais mais qualificados, com tecnologia de ponta, mais humanizados e com mais medicamentos.

 

O manifesto da Aliança Patriótica Nacional prevê um sistema de justiça mais forte e independente. Se ganharem as eleições, será feita uma reforma no sistema da justiça? Falam ainda na criação de um tribunal tradicional, com sede em Viana. Como vai funcionar este tribunal?

Precisamos de despartidarizar a nossa justiça. Se formos governo, vamos despartidarizar a justiça, vamos garantir que cada angolano possa ser beneficiado por uma justiça mais justa. Propomos, para isso, uma separação entre o poder político e a nossa justiça.

O tribunal tradicional já funciona, mas precisamos de reforçar esse direito porque nas nossas aldeias já se tomam algumas decisões baseadas no direito costumeiro, respeitando sempre a nossa constituição.

 

Em Angola, a questão de Cabinda e das Lundas continua a ser uma questão tabu. Que solução prevê para estas duas províncias?

Não é apenas nas Lundas e em Cabinda. Na verdade, há também o Lobito, uma área da província de Benguela, que reclama um estatuto especial. Não adianta criarmos zonas autónomas especiais em Angola porque isso pode-se transformar num grande problema para o nosso país.

 

Mas qual é a vossa solução?

É fundamental investirmos nas autarquias locais, que já têm o pacote legislativo aprovado e que todas as províncias do país recebem esse estatuto de regiões tecnicamente autónomas, permitindo um crescimento ao mesmo nível e sem que haja zonas especiais.

 

Considera que Angola deveria regressar ao sistema político de eleições presidenciais por sufrágio directo?

A constituição actual deu um golpe baixo à democracia. Todos os angolanos devem ter o direito de sonharem ser os Presidentes desta nação. Com este sistema, onde só os candidatos indicados por determinadas forças políticas é que podem concorrer às eleições, retirou-se o espírito da democracia que já existiu, em tempos, no nosso país.

 

Pensa estarem reunidas as condições para que os observadores eleitorais possam trabalhar no terreno?

Ainda há muitos aspectos que devem ser revistos. Penso que mais do que a presença dos observadores é urgente que as forças políticas estejam preparadas para aceitar os resultados.

 

Há um risco dos partidos não aceitarem os resultados?

Sim, existe. Muitas forças políticas já manifestaram esta tendência de não aceitarem os resultados das eleições. Não adianta esperar que os observadores nos digam que as eleições foram livres e justas. Nós temos de ser capazes de o fazer para podermos tomar uma posição política mais assertiva e ajudar na democratização do país.

 

Acredita que será o próximo chefe de Estado de Angola?

Estamos a trabalhar o suficiente para vencermos as eleições gerais e, como temos uma boa massa de eleitores jovens, acredito que vamos conseguir fazer esta façanha de nos tornarmos governo deste país.