Paris - Parece uma brincadeira, mas não é uma brincadeira, é muito sério. Itália, Portugal e Brasil são países termómetros, estão entre os que nos dizem onde está o cursor do racismo no mundo. Se Arthur de Gobineau encontrou no Brasil terreno fértil para as suas formulações teóricas e racistas, em 1945 um decreto-lei do país ainda lembrava a "necessidade de preservar e desenvolver, - na composição étnica da sua população, - as melhores características da sua ascendência europeia" , o que não surpreende, considerando que os nazis que fugiram da Europa após a Segunda Guerra Mundial encontraram também refúgio no Brasil. Itália e Portugal tiveram regimes fascistas assumidos pelo menos até 1945, para o primeiro, e 1974, para o segundo. Têm em comum a real e voluntária ausência de debate sobre a questão do racismo. E hoje, os três países têm em comum uma actualidade recente que lembra o mais crasso racismo cultural dos Brancos. Na Itália, Alika Ogorchukwu, um imigrante nigeriano, foi espancado até a morte em plena luz do dia na sexta-feira, 29 de julho, por um homem branco sob o olhar indiferente dos transeuntes. Alika era deficiente e um homem honesto que ganhava a vida para sustentar o seu filho e a esposa vendendo mercadorias nas ruas. Foi atacado por um italiano de 32 anos, que o perseguiu, o jogou no chão, o espancou com a sua muleta e o matou. O vídeo que mostra o assassinato dura 4 minutos. Ninguém veio em seu socorro numa movimentada rua comercial. No dia seguinte, sábado, 30 de julho, uma portuguesa branca lançou insultos racistas aos filhos negros dos actores brasileiros Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, no Clássico Beach Club, restaurante da Costa de Caparica, Portugal. Na última segunda-feira, 1º de agosto, após ter falado no seu programa "Mais Você" sobre o racismo sofrido pelos filhos dos actores citados, a apresentadora brasileira Ana Maria Braga quis transmitir um trecho de uma entrevista com o casal mas vimos aparecer na tela um macaco preto. Claro que, como é habitual, depois de terem evocado "perturbações mentais" no caso do assassino italiano, "embriaguez" no da racista portuguesa, e "erro técnico", para depois se vangloriar do despedimento imediato da pessoa racista culpada no do programa da Ana Maria Braga, os três países condenaram, em particular ao mais alto nível do Estado para alguns, estas situações, invocando toda a espécie de razões, - o Presidente português chegou mesmo a recordar de passagem as supostas origens africanas do povo português, mas ninguém falou claramente e assumiu o racismo cultural do seu país. Podemos entender a vergonha de assumir tal realidade, mas isso terá que ser feito um dia para avançar e construir o Novo Mundo. Porque uma civilização que trapaceia com os seus princípios, é uma civilização moribunda, advertiu Aimé Césaire.

Fonte: Club-k.et


Na verdade, esses três países são interessantes porque estarão em resistência por muito tempo. Estão em geral, ou na mais total ignorância, porque não entendem mais o mundo supremacista branco que foi criado para eles, daí o seu desejo de encontrar o mesmo mundo de antes, como reivindicado pelos apoiadores de Trump através do slogan "Make America Great Again", ou estão plenamente conscientes de que este mundo não é mais branco e nunca mais será branco. Esta profecia de James Baldwin assusta e cria loucura. Entendo isso também. Mas o mundo nunca mais será branco e todos os Brancos bem-intencionados sabem disso e também querem construir um mundo para todos os humanos. Certamente os nostálgicos continuarão a vociferar o seu ódio, a causar mais danos, mas a onda de mudança está a acontecer e ninguém mais pode pará-la. Em França fala-se de Grand remplacement, na América de Make America Great Again, no Reino Unido de Make Britain Great Again, em Portugal e Espanha, ex-países colonizadores, não se fala de nada porque o debate sobre o racismo lá nunca realmente existiu no sentido intelectual e de uma forma séria e profunda. Então não se fala de nada porque não há intelectuais, ou pelo menos não os bons para o assunto. É por isso que os de Angola preferem falar das chuchas das mumuila no Jornal de Angola, é arte para eles. Mas, no final, a nostalgia dos racistas desses países é a mesma encontrada entre os nostálgicos da França, do Reino Unido, dos países nórdicos, da Austrália, da África do Sul e da América do Norte. Mesmo que a nova hipocrisia contra o racismo hoje seja demitir as pessoas ditas racistas do seu trabalho, é a cultura que deve ser mudada. Hábitos e cultura fazem os seres emergirem, é em profundidade que o problema deve ser tratado e não superficialmente. Os Brancos deveriam aprender a sua história. Precisam saber porque um Negro pode ser morto com total indiferença em plena luz do dia. Deviam saber porque é que uma portuguesa insulta Negros num restaurante porque são negros e porque é que um erro técnico com macacos na tela só pode ter ocorrido quando se devia falar de Negros no programa de Ana Maria Braga. Um Negro que corre é suspeito? Esses Brancos sabem porque razão mudam de calçada automaticamente mesmo quando se deparam com um Negro bem vestido? Sabem porque numa loja um Negro que passa, seja médico, advogado ou académico, é sempre tomado por vendedor ou segurança? Sabem porque ainda vêem o corpo negro como algo a serviço dos Brancos e porque acham que todos os Negros sabem dançar e são bons em desporto? E sabem porque os Negros ainda obcecam as suas fantasias sexuais mais loucas? Estes são termómetros da alienação branca, é aqui que ainda estamos hoje.


Mas essa onda inexorável de mudança que alguns Brancos vêem como um furacão deve ser vista como esperança. Alguns temem o revanchismo dos Negros por consciência ou medo doentio. Mas para temer a vingança, primeiro deve-se estar ciente de alguma culpa, certo? Mas não acho que os Negros querem vingança, querem Paz e Igualdade. A partir daí, a competição pode começar, se necessário. Mas se os Brancos ainda temem o suposto tamanho grande do pénis negro, estão realmente prontos para uma competição sem batota? Se os Brancos vêm de culturas de guerra, conquista e astúcia, os Negros vêm de culturas pacíficas e disciplinadas que valorizam a vida. Os Negros não pretendem fazer o que os Brancos fizeram com outros humanos. Os que permaneceram no continente africano e os que partiram, inclusive os deportados, apesar das mudanças sofridas no processo de dominação imposto pelas culturas dos colonizadores, não perderam a sua humanidade como a civilização ocidental ensinou os seus povos a perder a sua, Césaire demonstrou isso metodicamente. A opressão e o desejo de desumanizar o Outro primeiro desumanizam o opressor. Ainda há respeito pela vida entre os povos da África, por exemplo, o que é uma esperança. Assim, com a resistência dos supremacistas ou não, o mundo de hoje não é mais o de ontem e o de hoje ainda vai mudar para dar lugar a todos os humanos da Terra. Então mãos à obra!

Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), colunista lifestyle da revista Forbes Afrique, cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.