Luanda - A passagem de um mês da morte do antigo Presidente de Angola, em Barcelona, a 8 de julho, trouxe de novo ao de cima o conflito dentro da família e com o governo de Angola, enquanto continua o impasse sobre o local do funeral de José Eduardo dos Santos. A data foi assinalada com várias missas em Angola e Espanha que revelam as divisões no clã, enquanto dois órgãos públicos de comunicação social angolanos falaram da “insensatez e insensibilidade sem limites” de “dois dos muitos filhos” do ex-estadista.

Fonte: Observador

Tanto na TPA (Televisão Pública de Angola) como na Rádio Nacional de Angola foi lida uma nota (no caso da estação televisiva na abertura do Jornal da Tarde e do Telejornal), na segunda-feira, dia 8 de agosto, sobre o assunto, sem que a fonte ou autoria do texto fosse citada. Depois de assinalar a data, os jornalistas leram que, “desde a primeira hora, o Executivo angolano tudo tem feito no sentido de garantir um funeral de Estado ao ex-Presidente da República, com todas as honras devidas ao Seu estatuto e dimensão”.


Mas que, “a despeito de todos estes sinais [angolanos que “acorreram em massa” às exéquias fúnebres promovidas pelo governo] e engajamento do Estado angolano e Seu Povo, num caso certamente inédito no Mundo, o cadáver de um Chefe de Estado está sequestrado, aprisionado, congelado, durante um mês, devido ao capricho, à insensatez e insensibilidade sem limites de dois dos seus muitos filhos.”

 

A nota termina assim, sem que sejam mencionados os filhos, apesar de ser pública a oposição de Welwitschea dos Santos, mais conhecida por Tchizé e, com algumas nuances, a de Isabel, Zénu, Coreón Du e Joess, à trasladação do corpo para Luanda.

 

Dentro da família, a realização de várias missas de um mês da morte, não se deu sem alguma polémica. A ex-Primeira Dama, Ana Paula e a irmã mais nova de José Eduardo dos Santos, Marta dos Santos, organizaram celebrações em Luanda e em Barcelona, onde continuam à espera do desfecho do processo judicial sobre a guarda e trasladação do corpo. Tchizé fez questão de, na véspera, num vídeo transmitido em direto na sua página do Instagram, dizer que não estaria presente, fazendo críticas duríssimas à tia.

Num segundo vídeo pediu ainda às pessoas que não participassem nessas missas “onde sabem que os filhos mais velhos não podem estar” porque receiam, argumentou, pela sua “integridade física” que não “está segura”. Se fossem a essas missas para o qual estariam a ser convidados por sobrinhos e filhos mais novos “ingénuos”, sublinhou, estariam não só a “boicotar, a agir contra os filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos” mas também contra o próprio ex-Presidente. Por isso instava todos a que não alinhassem “na palhaçada” das “vendidas”.

Foi uma Tchizé sozinha que apareceu no dia seguinte numa igreja em Espanha, nas fotografias que publicou no Instagram, tendo na terça-feira divulgado um vídeo de uma missa dita em Luanda “pela alma” do pai, agradecendo ao Frei Marmeliano Naufila e à Congregação da Igreja do Carmo.

 

Já Isabel dos Santos surgiu de braço dado com os dois irmãos, Joess e José Paulino (de nome artístico Coreón Dú) à saída de uma igreja em Barcelona, a mesma onde tinha sido rezada a missa do sétimo dia, numa fotografia que publicou na sua página do Instagram.

“Somos teus filhos e unidos juntos lutamos por ti … quem te ama está do teu lado meu Pai”, escreveu, enquanto identificava também Filomeno dos Santos (“Zénu”) que aguarda em Luanda o recurso da decisão do Tribunal Supremo de Angola que o condenou a cinco anos de prisão pelos crimes de burla e defraudação, peculato e tráfico de influências enquanto presidente do Fundo Soberano angolano.

 

Em outras publicações da mesma igreja, Isabel dos Santos refere as saudades que sente da voz do pai, que “nunca mais será nada igual”, a sua solidão, e faz ainda, numa fotografia em que está também o filho de cinco anos, uma hashtag em inglês a dizer que os anjos são bonitos.

 


O corpo de José Eduardo dos Santos continua em Barcelona, enquanto não há uma decisão do tribunal de família catalão sobre quem tem legitimidade para decidir sobre a trasladação.

 

Em disputa têm estado os filhos mais velhos do ex-Presidente, Isabel, Zénu, Tchizé, Coreón Dú e Joess e a mulher Ana Paula, três filhos do casal (Danilo, Joseana e Breno) e a irmã Marta. Estes últimos querem que o corpo vá para Angola enquanto que os primeiros não. E aqui há ainda uma subdivisão, Tchizé pretende que o pai tenha um funeral de Estado quando João Lourenço deixar de ser Presidente de Angola enquanto os quatro irmãos aceitam-no ainda este ano, desde que depois das eleições, de apuradas as causas da morte sem margens para dúvidas, e que seja sepultado num mausoléu. Estas exigências constam de uma mensagem pública pelos serviços de assessoria de Isabel dos Santos onde também se pede uma lei de amnistia geral e o “fim de todos os processos judiciais e institucionais de muitos angolanos.” Problema: na mensagem figura o nome de Tchizé, que nega ter assinado e discorda do seu conteúdo.

 

Entretanto continua em Barcelona uma comitiva enviada pelo governo angolano, chefiada pelo ministro de Estado e Chefe da Casa Militar, o general Francisco Furtado. Várias fontes referiram ao Observador que o governante teria regressado a Angola, falhando assim a sua missão — teria dito que não voltaria a Luanda sem o corpo — mas fonte do Palácio da Cidade Alta e o secretário para a informação do MPLA garantem ao Observador que o general continua na capital catalã. “O tribunal está a conduzir o processo e só a ele compete deliberar. Pensamos que a delegação do executivo angolano só deverá regressar tão logo haja o desfecho final do processo”, respondeu Rui Pinto de Andrade.

 

O Observador tentou várias vezes ouvir Francisco Furtado mas sem êxito até ao momento. A duas semanas das eleições gerais, o governo de Angola deixou de falar publicamente deste assunto, apesar de o legado de paz de José Eduardo dos Santos ser enaltecido durante a campanha.