Luanda - A UNITA, através do pronunciamento do seu líder Adalberto Costa Júnior na conferência de imprensa realizada no dia 26 de Agosto de 2022, não reconhece os resultados provisórios apresentados publicamente pela Comissão Nacional Eleitoral (adiante CNE).

Fonte: Club-k.net

Na sua alocução, o candidato à Presidência da República pela UNITA propõe a criação de uma Comissão Independente com participação internacional para o apuramento final dos votos do pleito eleitoral realizado no dia 24 de Agosto do corrente ano. Nesta sede, a questão que se coloca é a de saber se é admissível no nosso ordenamento jurídico a criação da sugerida comissão.


Para darmos respostas ao quesito formulado, vamos, hic et nunc, utilizar um ponto prévio e vários critérios.


O ponto prévio reporta a natureza jurídica dos proponentes — A UINITA e o seu candidato à Presidência da República. Assim, consideramos a dupla condição das duas candidaturas: a UNITA tem legitimidade pelo seu estatuto de partido político nos termos do artigo 17 .ª da Constituição da República de Angola (adiante CRA) , da Lei dos Partidos Políticos (Lei n-ª 22/ 10, de 10 de Dezembro) e como agente eleitoral, nos termos do Código de Conduta Eleitoral (Resolução n .ª 7/12, de 23 de Março da Assembleia Nacional) e de Lei n 30/21, 30 de Novembro de Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (adiante LOEG), e o seu candidato à Presidência da República tem legitimidade na condição de cidadão-eleitor, candidato (LOEG) e de agente eleitoral, nos termos do Código de Conduta Eleitoral.

E como critérios para aferirmos da admissibilidade legal da referida comissão mobilizamos os seguintes:

a) Critério de Ordem Constitucional

A iniciativa de criação de uma Comissão Independente com participação internacional para apuramento final dos votos tem acolhimento constitucional. Este impulso gracioso traduz -se na manifestação do exercício de vários direitos fundamentais tais como: o direito de sufrágio (artigo 54.ª da CRA), o direito de participar na vida pública (artigo 52.ª da CRA) e o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa (artigo 73.ª da CRA).


Por exemplo, o conteúdo do direito de sufrágio pressupõe, para além do direito de eleger e ser eleito, a garantia de ser exercido num processo universal, imparcial, livre, transparente e justo.

Por isso, estando em causa a transparência e justeza do processo eleitoral assiste ao titular deste direito sugerir um mecanismo ou um órgão ad hoc que possa contribuir para lisura do mesmo, em homenagem ao direito de “participação indirecta” na vida pública (artigo 52.ª da CRA).


Vale a pena também referir que os direitos fundamentais que entroncam neste problemática fazem parte do chamado catálogo de Direitos, Liberdades e Garantias que possuem como uma das características fundamentais a sua aplicabilidade directa, nos termos do artigo 28`ª n.ª 1 da CRA.

b) Critério de Ordem Legal

A legislação eleitoral oferece aos agentes eleitorais abertura para intervir de várias formas nas diversas fases do processo eleitoral. Na fase de apuramento dos votos a LOEG permite que o candidato possa reclamar junto da CNE sobre as irregularidades (artigos 115.ª e ss) ocorridas no processo, antes deste lançar mão da via contenciosa junto do Tribunal Constitucional (artigo 151ª e ss) se não lograr êxito nesta via administrativa.


Nesta fase graciosa, pode o agente eleitoral com legitimidade socorrer -se deste expediente — impulsionar a criação de uma comissão ad hoc.

c) Critério da Observação Eleitoral

A Lei n 11/12 de 22 de Março, Lei de Observação Eleitoral estabelece o regime jurídico da observação eleitoral. Este diploma admite a existência de observação nacional (artigo 2ª) e internacional (artigo 3ª). Ainda no âmbito desta lei, qualquer observador pode verificar a imparcialidade nos actos eleitorais da CNE, nos termos do artigo 4ª, n1 alínea a). No exercício da sua actividade, os observadores têm, dentre outros, o direito de acompanhar o apuramento dos votos, nos termos do artigo 32 ª alínea f). A tarefa da observação eleitoral inicia com a campanha eleitoral e termina com a publicação oficial dos resultados definitivos (artigo 5ª). E mais: alguns observadores eleitorais mencionaram nos seus relatórios várias irregularidades detectadas no actual processo eleitoral e cinco Comissários da CNE acabam de demarcar -se dos resultados provisórios apresentados pelo órgão que gere as eleições angolanas por razões ligada as muitas irregularidades do processo eleitoral.


Como se vê, a solicitação para constituição de uma comissão ad hoc para participar do apuramento final da votação não só é necessária como se mostra absolutamente oportuna — foi feita dentro do prazo da missão dos observadores.

d) Critério de Organização Eleitoral

A CNE é a entidade encarregue de realizar as eleições nos termos do artigo 107ª da CRA e da Lei n. 12/12, de 13 de Abril, Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral. Neste âmbito, compete a CNE, dentre outras, deliberar sobre a acreditação de observadores nacionais e internacionais, nos termos do artigo 6 n 1 alínea y).


Do exposto extrai-se facilmente a conclusão de que a proposta de criação de uma comissão Independente com a participação de entidades ou individualidades estrangeiras é admissível no nosso ordenamento jurídico pelas razões acima aduzidas.


Tendo o partido proponente prova como alega, a sua proposta merece ser levada a sério na medida em ela não fere a soberania do Estado angolano nem põe em causa as regras de funcionamento da CNE. Apesar de não estar prevista expressamente em nenhuma lei, uma comissão ad hoc é perfeitamente enquadrável nos marcos da observação eleitoral ou por analogia aplica -se a ela à guisa de paralelismo de forma e de conteúdo (da observação eleitoral).


Contudo, a criação de uma comissão desta natureza tem vários problemas dentre os quais destacamos dois: o primeiro está ligada às regras da sua composição e funcionamento e o segundo prende -se com os prazos apertados para prática dos actos finais do processo eleitoral.


Mas ainda assim, estes dois obstáculos podem ser superados se haver bom senso entre os Comissários da CNE. O nosso processo eleitoral precisa de ser credibilizado interna e internacionalmente. E uma comissão ad hoc nesta sua fase final pode ajudar a “absorver as máculas existentes”, harmonizando as partes e emprestar confiança no processo. Se no plano jurídico a solução é admissível, no plano moral e ético é notoriamente imprescindível
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É, sumo rigore, uma soberana oportunidade de uma vez por todas convertermos o nosso processo eleitoral num evento credível. Não custa nada dar este passo em nome da verdade, quanto mais não seja para desfazer o argumento de quem tem, por enquanto, 44 % dos votos.

 

* Jurisconsulto (Especialista em Direito Público- Politico).