Lisboa - No presente texto, aprofundarei a ilação avançada na coluna da semana passada, ou seja, a maneira como as últimas eleições decorreram, bem como os respetivos resultados, confirmam, para quem tiver dúvidas, que o amadurecimento democrático da sociedade angolana é um facto indesmentível. Como acontece inclusive nas democracias mais antigas, há, claro, muita coisa a fazer, mas a dinâmica democrática do país é crescente e imparável. Mal farão, portanto, aqueles que consideram suficiente analisar os resultados da disputa de 24 de agosto de 2022 apenas em si mesmos e não em perspetiva.

Fonte: DN

Na semana anterior, mencionei dois factos que confirmam o amadurecimento democrático da sociedade angolana: o fim do voto "tribal" e o crescimento do voto "não orgânico", isto é, a decisão de muitos eleitores votarem de acordo com o seu sentimento e os seus desejos relativamente ao momento concreto e não em função da sua eventual ligação orgânica ou sentimental a qualquer partido, como se este fosse uma igreja ou uma seita. No texto de hoje, avançarei outros dois: o fim do voto "racial" e o significado da elevada taxa de abstenção registada.

 

O seguinte dado confirma o fim do voto "racial": tendo concorrido às últimas eleições com um líder mestiço, a UNITA obteve a sua maior votação em todas as disputas realizadas no país desde 1992. Obviamente, não há (repito: não há) uma relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. O que deve ser dito é apenas o seguinte: o facto de muitos eleitores terem decidido votar sem levar em conta quaisquer considerações de ordem rácica, além de uma demonstração de maturidade democrática, confirma, para os que insistem em divisões artificiais, que a velha palavra de ordem do MPLA - "um só povo, uma só nação" - está enraizada na consciência social dos angolanos. Abdicar dessa bandeira, por questões taticistas ou por convicção, será um erro trágico.

Quanto à abstenção, a leitura "natural" é considerá-la um indício de desinteresse pela política. A verdade, porém, é que em África a abstenção é quase sempre um voto de protesto, em especial contra quem governa. Entretanto, esse voto de protesto nem sempre é transformado num voto em qualquer partido da posição, sobretudo em países onde os partidos governantes têm um grande peso histórico, o que, por conseguinte, acaba por "salvar" estes últimos. Essa é, por exemplo, a situação atual na África do Sul.

Angola parece encaminhar-se para uma situação idêntica. Uma leitura da evolução da taxa de abstenção desde 1992 dá-nos uma fotografia interessante do "estado da nação" nos respetivos períodos. Nesse ano, por exemplo, a taxa foi de apenas 10,5%, o que o facto de terem sido as primeiras eleições na história do país explica naturalmente. Em 2008, seis anos depois do fim da guerra pós-eleitoral, a abstenção foi de 12,6%, o que corresponde ao clima vivido no país na altura: o país estava em paz, o petróleo estava em alta e os primeiros financiamentos chineses começavam a chegar, permitindo o início de várias obras em todo o território, ou seja, a nação estava entusiasmada.

Em 2012, a abstenção subiu para 37,23%, evidenciando o desgaste da governação e, em particular, o cansaço com a permanência no poder do então presidente. Em 2017, diminuiu para 23,43%, o que atesta a expectativa positiva criada pela sucessão presidencial e pela promessa de uma "primavera angolana". Este ano, atingiu a impressionante cifra de 55,18%.


Escritor e jornalista angolano Diretor da revista África 21