Luanda - Como já tem sido muitas vezes o caso, tantas que já me cansei de contar, ultimamente fui  chamado a fazer uma declaração na DNIC e na conversa com um investigador cuja identidade não interessa para o caso, surgiu o vocábulo verdade da mentira. E, de repente, a junção inspirou o título desta matéria que me proponho, neste 1 depois do 1000, tratar a fim de fazer uma espécie de ponto da situação, tanto do ponto de vista jornalístico, como humano, numa luta que reputamos essencial, a liberdade de pensamento, liberdade de expressão, direitos humanos, transparência e democracia.


Fonte: Folha8

A Verdade da Mentira

As bolsas de insatisfação popular começam a testar uma saída, dada a partidarização das instituições do Estado e a permanente discriminação e brutalidade policial. Cabinda, Luanda, Benguela, Huambo, Kwanza Norte, Bié, Huíla, Namibe, Kunene, já ensaiaram manifestações de contestação de rua. Umas foram reprimidas outras impedidas, mas ficou o acto, o gesto, o sentir de "revolta caminhante" de quem se querer libertar das amarras da injustiça.


Hoje de nada importa falar da Constituição, pois ela está aí, para o bem e para o mal, com o apoio das instituições do Estado partidariamente controladas, pelo maioritário e a sua entourage. Ela não foi elaborada em prol do futuro de Angola e da maioria dos cidadãos indígenas, mas de um  núcleo, cada vez mais restrito do e no poder, que se abocanha das riquezas do território e lhes dá destino privado. E para tal caminhada, recomenda a esperteza, que o melhor seria manietar os poderes judiciais, militares e policiais e, assim legitimar a presente armadilha da Constituição, que reivindicada pelo povo, detone as bombas nas suas mãos, apesar de esperar, desde 1975 por um texto libertador das amarras que o levaram para os húmus do combate contra os 500 anos do império colonial português.
Os actuais dirigentes parecem esquecer-se ser a derrota o maior aliado da vitória e muito perigoso subestimar em demasia um povo, que pode parecer parvo, mas assim não ficará o tempo todo. A Constituição, apressadamente aprovada, não encontra paralelo em nenhuma parte do mundo. Eu disse nenhuma! E, mais grave, ela não pode ser objecto de uma séria e profunda discussão a nível de nenhuma academia de Direito, pelo vazio que encontra no Direito Constitucional, por ter sido elaborada a pancada, desrespeitando a norma, apenas para atingir um fim provisório e imediato.

 

Ao monopolizar poderes de outros órgãos de soberania, como a JUSTIÇA e o LEGISLATIVO, a actual Presidência de Angola, afastou a separação de poderes, numa visão concentracionista, difícil de ser seguida por outro actor, numa eventual contrariedade, a que estão sujeitos os mortais. Aqui chegados, parecem identificados os grandes responsáveis pela eventual instabilidade ou convulsão que se vier a conhecer no futuro. Os juristas que estiveram na base desta Constituição são, amiúde, acusados de não terem sido escravos da Academia, do Direito e da Lei, mas da bajulação e interesses perversos.


Quando colocaram em dependência vertical a Justiça e o Legislativo, enquanto pilares de um Estado Democrático e de Direito, sabiam o que queriam defender: INTERESSES PRIVADOS E PRIVATIZANTES.


Só assim se justifica ter sido, o mais sagrado direito de um povo independente, que é a TERRA, atirado de forma sub reptícia, para a bolsa privativa e exclusivista de um governo comprometido com horizontes limitados e limitativos, com caboucos assentes no "Tejo salazarista", logo, distante dos mais profundos sentimentos autóctones.


A textualização da TERRA, como propriedade do Estado é um sofisma, por ela face a mais escabrosa e brutal expropriação, só poder estar ao alcance de quem, nas vestes de titular e titulado está no e nas margens de um poder superador da génesse da colonização, baseada na posse da terra dos povos colonizados.


Se comparações estivessem distantes, as demolições das casas dos autóctones pobres e sem JUSTIÇA, com a ameaça das armas, um pouco por todo o país, para UTILIDADE PRIVADA, dos tubarões, não se repetiriam como cogumelos, numa "tortulhada" sacrificante.


No carimbo destas acções selvaticamente "PARTIDEIRAS", que já sacrificou o sonho de milhões de cidadãos que viram as suas riquezas e investimentos de muitos anos de sacrifício, desrespeitados e destruídos, não emergiu um único projecto de interesse público, a que todos se pudessem resignar dada a sua importância colectiva. Nenhuma auto-estrada, linha de caminho de ferro, hospital estatal, universidade pública, linhas de alta tensão de electricidade, conduta de água, barragem, etc. Nada! Partem as casas dos populares, não as indemnizam, colocam-nas no olho da rua e dos seus terrenos confiscados, já na mão de novos proprietários, na generalidade ligados ao poder ou estrangeiros por eles titulados, erguem-se condomínios principescamente caros, corporizando a discriminação de uma política egoísta mas, cada vez mais perigosa.

REVOLTA CAMINHA INCUBADA


É esta visão selectiva que incuba sentimentos de revolta e potencia sublevações sociais e ou guerreiras no futuro, que pelas tristes experiências do conflito angolano, aconselham mais ponderação do que "TRUNGUNGU" de ocasião, aos novos ricos, no sentido de se afastar para todo o sempre da mente dos angolanos; a opção guerrerira, como base para alcançar os seus direitos fundamentais de cidadania, por ser a consciência, a mãe geradora de todas as guerras e não o dedo que prime o gatilho. 


Este elemento fundamental e determinante, não tendo sido acautelado é demonstrativo da ligeireza como o legislador tratou de um elemento determinante para um povo, que vem sendo duplamente oprimido. Primeiro pelo regime colonial português e depois pelo regime de partido único de matriz comunista, que o despojou de todos os sonhos de uma vida condigna num país, que até agora só é bom para os estrangeiros e uns poucos viverem bem e faustosamente. No advento da democracia e de um Estado democrático, de Direito e dos Direitos, se "a TERRA é propriedade originária do Estado", mas depois privatizada a favor dos detentores do poder, temos uma demonstração cabal de uma violação primária dos direitos fundamentais do homem: DIREITO A HABITAÇÃO e a institucionalização da DITADURA DO PETRÓLEO, que vai proliferando no mundo e colhendo a omissão e cumplicidade dos países ocidentais democráticos.


Mas, esta prática, nas nossas fronteiras é perversão do interesse e bem público de um povo que dizem estar independente, mas afinal tão dependente das migalhas, cada vez menores que vai recebendo do sistema que "ESTAMOS COM ELE". Das intermetentes faltas de luz, água, pão e sal, passando pela Saúde e Educação temos a cruz de calvário cada vez mais espinhosa.  Principalmente com a entrada violenta em cena do "MARTELO DISCRIMINADOR E DESTRUIDOR ", com suporte na Constituição exclusivamente aprovada com apoio partidário, logo sem o popular, começa precisamente pela nacionalização das terras aos indígenas a levantar, não só, poeira das casas que vai demolindo de Luanda ao Kwanza Norte de Benguela ao Huambo e Bié e do Namibe a Huíla, mas também, poeira mental de revolta aborígene. É possível que quem esteja refastelado nas poltronas do poder, em Luanda, ao traçar estas (des) estratégias, não se aperceba, mas a situação não é pacífica e as vozes caminhantes em surdina multiplicam-se e, como um furúnculo esperam uma escapatória para explodir.


Diante desta realidade a hora é do legislador agir. Mudar. Retificar. Em nome do POVO, os deputados, não importa a bancada, têm de segurar os bois pelos cornos, imobilizando esta fúria considerada cada vez mais assassina. Mesmo que muitos dirigentes já não vivam nos musseques, nos kimbos, nas sanzalas,  têm lá familiares e não podem desconhecer as lamentações dessas gentes, cada vez mais frustrada com este rumo. Esta é a responsabilidade de um deputado eleito e, para o bem ou para o mal, não se poderão isentar nunca dos resultados futuros.


O povo caminha sofregamente, na busca de um futuro diferente e não acredita em ninguém, se assim continuar, para nossa desgraça, poderá surgir uma liderança extremista ou de rua, difícil de controlar e ou negociar.


E não é disso que os indígenas precisam, mas de ver alguém, no meio deste "mar" tão poluído, injusto, corrupto, discriminador e brutal, capaz de lhes devolver uma esperança, que não repousa na opção militar, porquanto o país, se é que o temos todos, precisa de uma lufada de ar fresco, rumo a uma verdadeira democracia, que a maioria dos antigos dirigentes do partido único, convertidos ao capitalismo selvagem e abjecto já demonstraram  total incapacidade.


O TRUNGUNGU de aprovarem uma Constituição que NACIONALIZOU A TERRA, aos autóctones é um pau de dois bicos e só resta, aos intelectuais e políticos consequentes, pelo andar desgarrado da carruagem este exercício de cidadania, pese não lhes ter sido permitido, nem nos mais recônditos kimbos da Angola Profunda, emprestar a sua mais valia no texto constitucional, alertar ter chegado a hora de MUDANÇA de estratégia.


Benguela e Huíla são os últimos exemplos a mão de semear e as suas tradições reivindicativas não podem ser subestimadas. As armas ainda travam as lágrimas de revolta, mas até quando impedirão o rio de galgar pelas encostas e montanhas sofridas?


Por estas e por outras, muitas vozes defenderam ser a pressa inimiga da perfeição e que a profundidade desta Constituição deveria ser vertida nas línguas angolanas e não só na língua portuguesa (falada apenas por 25% dos angolanos), enquanto estrangeira e como património legítimo e assumido dos assimilados, que não se revêm na cultura e tradições dos povos e nações que povoam esta imensa Angola, tão rica para os poucos que nos governam e tão pobre para os milhões dos governados.


Esta é a hora dos poucos dirigentes no seio do poder, comprometidos com a estabilidade de Angola levantarem as suas vozes e colocarem-se ao lado do clamor do povo, para se demarcarem de uma política que não quer ver, estar a sacrificar os destinos e o futuro dos vários povos e nações autóctones angolanas.