Luanda - O Venerando Conselheiro afirmou na sua douta sentença, que indefere a liberdade condicional a um arguido, que as penas em Angola se mostram muito brandas para condutas tão graves! Quase sugerindo que as penas devessem ser aumentadas numa revisão legislativa... Oh, Sr. Conselheiro!

Fonte: Club-k.net

E mais disse o senhor que a concessão da liberdade condicional ao arguido condenado a uma pena única de 7 anos e 1 mês bem como a sua libertação a meio da pena não se mostra de todo compatível com a paz social e tranquilidade públicas... Pretende com isso o Venerando Conselheiro evitar a sensação tão ouvida da parte do povo, em nome de quem administramos a justiça, que afinal o crime compensa? (risos)

Deixe-me ver se compreendi bem os seus argumentos, uma vez que os mesmos me deixaram confuso:


1. O que é que o Venerando Conselheiro chama de "penas brandas"? A moldura penal do artigo 313.º, do Código Penal de 1886, estabelecida entre 12 a 16 anos? Ou os 5 a 14 anos, com possibilidade de chegar a 18 anos, em caso de se ser titular de cargo político? Chama a isso "penas brandas"? Saberá V. Exa. que penas de prisão perpétua e penas de morte não acabam com crimes e nem diminuem a criminalidade e que, em contrapartida, reduzem sim a consciência ética, a moralização da sociedade e o comprometimento institucional e pessoal?


2. Não define o artigo 40.º, do Código Penal de 2020, as finalidades da pena? A consideração da gravidade do crime, da personalidade do agente, da intensidade do dolo, as circunstâncias agravantes consagradas nos artigos 71.º e 72.º do CP não devem ser tidas em conta no momento da individualização da pena e tal não ocorre no final da audiência de discussão e julgamento?


3. Como é que V. Exa. consegue comprovar (não tendo eu verificado essa constatação na sentença e recorde-se que tem o dever de fundamentar as decisões, quanto mais não seja, por força da exigência de um processo justo e equitativo inferido nos artigos 1.º e 29.º da Constituição da República) que a libertação do arguido é incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (a contrário sensu do disposto na alínea b), do número 2, do artigo 59.º)?

A propósito, permita-me perguntar-lhe: o que vem a ser paz social? E como é que a liberdade condicional periga a paz social?


4. V. Exa. conhece o arguido pessoalmente? Então a morada provisória do arguido, nos últimos anos, não foi o Hospital Prisão do São Paulo? Sentir-se-á V. Exa. confortável e com a consciência tranquila ao passar por cima do Relatório favorável dos Serviços Penitenciários? Não é missão dos Serviços Penitenciários reeducar os reclusos e atestar a sua capacidade de reintegração social? Não é finalidade da pena a reintegração social?


Terão o julgamento e a condenação deixado de ser manifestação e concretização de defesa da Ordem Jurídica? Não lhe parece que perigou mais a paz social quem conduziu um processo de contagem nebuloso e se recusou a apresentar ou a exigir que fossem apresentadas actas síntese do que a concessão de liberdade condicional ao único ministro do MPLA acusado, julgado e condenado com sentença transitada em julgado nos últimos 5 anos?


Repare, Venerando Conselheiro, que a pena que veio dizer ser branda foi decretada pelo Plenário do Tribunal Supremo da República de Angola. Assim, entenderá V. Exa. que os seus colegas foram corrompidos para aplicar uma "pena branda" ou entenderá que são todos uns incompetentes e que, se dependesse de si, ao arguido seriam atribuídos 16 ou 18 anos, conforme o Código que V. Exa. entendesse mais favorável? Não esteve no Plenário que aplicou esta penalidade ao arguido? Juntou alguma Declaração de Voto? Esteve presente no julgamento em primeira instância na Câmara Criminal que o condenara a 14 anos de prisão?

Não é por mal, mas se V.


Exa. não juntou Declaração de Voto na devida altura, deveria permanecer em silêncio e se não participou do Plenário por ter participado do julgamento em primeira instância deveria igualmente fazer silêncio e abster-se de assumir a posição de juiz de execução de pena por violação do princípio constitucional da imparcialidade (artigo 175.º da Constituição da República).


Sabe, Venerando, com todo o respeito que o múnus exige, fiquei de facto com uma pulga atrás da orelha porque já tinha lido num blog de notícias "cá da banda" os mesmíssimos argumentos que apresentou na sentença para indeferir a concessão da liberdade condicional, tratar-se-á de mera coincidência!?!


Não querendo maçá-lo, deixe-me dizer que achei de facto muita piada quando afirmou na sentença que administra a justiça em nome do povo (risos)... Ora, não precisamos fazer de conta, porque todos sabemos ao serviço de quem estão as instituições no nosso país! Sei que V. Exa. sabe e, eventualmente, desconfia que também sei, que por mérito e por justiça metade ou mais dos Conselheiros nunca chegariam ao Tribunal Supremo nem a outros Tribunais Superiores. Sabe também a quantidade de ordens acompanhadas de ofertas ou chantagens que muitos dos colegas recebem e de onde são emanadas...


Resta-me uma curiosidade: considerando os anos de experiência que V. Exa. tem de magistratura, quantos políticos, titulares de cargos de direcção ou chefia julgou ou viu sentados no banco dos réus?
Eram e são estas as minhas inquietações, peço desculpas, mais uma vez.