Folha 8- Como veio a ideia de criar o FOLHA 8?

William Tonet - A ideia surgiu da necessidade de se preencher um vazio, numa fase importante de nascimento do multipartidarismo e da democracia no país. Através do F8, pensamos que poderíamos plantar, também, a nossa pedra na construção de um país mais justo e igual para todos.

 

F8- Porquê F8?

WT- O título vem do facto de quando começamos a esboçar o F8, nas tertúlias com o Graça Campos, então primeiro editor-chefe, termos sido oito jornalistas e saído com igual número de páginas. Foi uma experiência bonita, uma grande equipa de 10, onde pontificaram nomes como Salas Neto, Pires Ferreira, Reginaldo Silva, Gustavo Costa, Pascoal Mukuna, Silvio Vandúnem e ainda Mateus Fula,  o editor que concebeu graficamente o F8.

 

F8 - Algum dia acreditou que, depois do assassinato de Ricardo de Melo, atingiria a chapa “1000”, com a mesma independência da linha editorial?

WT- Acreditar é fé. Eu sempre tive fé, porque arrancamos com uma grande equipa, pese os seus defeitos, trabalhei com um homem que também tem virtudes e é um grande profissional: Graça Campos. Um profissional visionário como poucos; Telmo Augusto, um homem de uma pena doce e rústica capaz de ler o musseque como poucos; Salas Neto ou ainda a astúcia da escrita de Gustavo Costa, estes e os outros, como Pascoal Mukuna, Silvio Van Dúnem, um homem que penetra nas artérias do poder como poucos. Todos estes brilhantes jornalistas, formaram uma grande equipa, que blindaram a minha convicção de nunca os trair, pois o projecto foi bolado para não sucumbir e resistir as intempéries.

 

F8 - Porquê que outros abandonaram o barco?

WT - A vida tem destas coisas. Todos temos sonhos e buscamos a sua concretização lá onde acharmos estar melhor. Mas o F8 é um projecto concebido para não morrer, por ser a voz dos autóctones. Hoje estamos na quinta geração de jornalistas, lançamos no mercado jovens desconhecidos, que hoje são uma referência e só por isso creio que eles não abandonaram o barco, pois continuando no jornalismo sentimentalmente, continuam ligados ao F8, que não deixa de lhes estar gratos, mas hoje tenho jovens de quem me orgulho muito pelo seu crescimento e comprometimento com a nossa linha. Por isso louvo a Deus esta benção.

 

F8- Quais as etapas mais difíceis que atravessou ao longo da odisseia?

WT - As etapas foram muitas, mas nunca tive a preocupação de as quantificar, por a construção de um projecto distante das amarras dos poderes e da corrupção só ser nobre, quando nos adaptamos a selva política em que vivemos. Por tudo isso, o F8 vai continuar ao lado dos autóctones porque Angola vai mudar com a mudança do amanhã.

 

F8 - Está frustrado?

WT- Não estou frustrado, porque se assim fosse já teria deitado a toalha ao chão, mas estou desencantado com homens que prometeram muito a estes povos, tinham todas as condições de ficar na história e, de repente, de proletários converteram-se em proprietários selvagens, insensíveis e com uma visão do país, na dimensão do seu umbigo.

 

F8- Está triste com o seu partido, melhor com o partido do governo?

WT- Este não é o MPLA que conheci e com cuja ideologia me fiz homem. Este MPLA é discriminador, mau e insensível e muitos dos camaradas que estão no leme perderam as raízes, logo traíram as bases. O meu receio é que por estarem confinados ao poder e a riqueza não tenham noção que todos os minutos perdem chão e quando um partido perde chão, esvazia a sua base social, sendo essa substituída por militantes de ocasião na busca de um emprego e não de uma identidade ideológica. 

 

F8- Se lhe convidarem não regressa, já que diz não se rever noutros partidos?

WT - Honestamente, não acredito haver uma cadeira para mim no MPLA, porque umas estão ocupadas pelos verdadeiros militantes, uma minoria silenciada, a outra pelos usurpadores das riquezas do templo e as demais pelos bajuladores, as pulgas que sugam o sangue as entranhas do território.

 

F8 - O que faltou para o seu MPLA dar certo?

WT- Faltou um projecto país. Este MPLA apenas tem projectos de poder e eliminação dos adversários, quando era importante pensar Angola, com todas as suas sensibilidades, todos os seus sentires. Este MPLA é a coisa mais discriminatória que conheço do ponto de vista ideológico, distante do Programa mínimo e do programa máximo. Actualmente está desgarrado, mas com muito poder, dinheiro, mas na falta de ideologia, muito fraco para os tempos de mudança.

 

F8- O que quer dizer?

WT- Este MPLA não está preparado para o exercício democrático. Não está preparado para sair do poder, logo é um partido que vive o hoje, só com os cifrões públicos e o tráfico de influência. Se um dia sair do poder corre o risco de se extinguir. É isso que caracteriza os seus líderes actuais. Estão carentes de visão e nessa caminhada matam todos quantos pretendem acautelar para os riscos de uma política  cega.  

 

F8 - Sei que esteve ligado a campanha do MPLA e do Presidente Eduardo dos Santos em 1992. O que aconteceu depois?

WT - Saí desiludido, não valeu a pena ter, por uns momentos esquecido o 27 de Maio de 1977. Estes homens não mudam. Não reconhecem as pessoas se estas não se humilham permanentemente. Não aceito humilhações e falta de palavra. Eu trabalhei, ajudei o MPLA, gastei dinheiro das minhas economias e da família e em troca, o senhor e o seu gabinete Presidente da República, não me pagam. O Dr. José Leitão, Helder Vieira Dias, Fernando Garcia Miala, na época eram ilustres pobres, carentes de ajuda e solidariedade, para a prossecução dos seus objectivos. Isso contrasta com o escancaramento das portas aos estrangeiros. Enquanto autóctone sinto-me envergonhado, mas ao mesmo tempo regozijado, pois vejo que deram bom destino ao meu dinheiro, tal são as acções em empresas estrangeiras, bancos, telecomunicações e não só.  Eu hoje vivo bem e não lhes sinto inveja, mas pena...

 

F8- Já tentou reclamar junto do Presidente da República?

WT- É uma perda de tempo dada a insensibilidade que reina no reino. Depois tenho uma agravante não sou nem defendo o luso-tropicalismo.

 

F8- Desculpa a insistência mas já reclamou?


WT - Já o fiz. Entreguei pessoalmente a carta ao seu director de gabinete, Nito Cunha, faz mais de 8 ou 10 anos, com cópia ao Dr. José Leitão, que coordenava as acções, mas tanto um como o outro tiveram a delicadeza de demonstrar o seu respeito e consideração com desprezo e desdém. Acolhi e tirei as minhas ilações. Hoje fico admirado como estes pobres de ontem, se tornaram milionários do dia para a noite, mas não gostaria de falar destas coisas, pois ainda não tenho a natureza perversa. 

 

F8 - Onde consegue apoio para os seus projectos?


WT- No povo, nos amigos e em África, onde tenho mais apoios e consideração que em Angola. Aqui sou cidadão de segunda, por isso não vale a pena esperar por apoios.
 

F8 - Fale-nos um pouco da WT- Mundovídeo?


WT - A WT-Mundovídeo é um projecto de comunicação social, que engloba uma produtora de vídeo, que inaugurou o envio de imagens via satélite, para o exterior, foi pioneira na publicidade de TV e produção de programas e video clips. Tem também um projecto de rádio que deu entrada na comunicação social à mais de 12 anos.

 

F8- Como estão estes projectos? Morreram?


WT- Fizeram morrer. Este é um governo discriminador, que só atende os bajuladores e os estrangeiros. Veja que ainda no tempo do ministro Hendrick Vall Neto perguntei-lhe em audiência sobre o estado dos projectos da WT-MV e ele disse-me: "O meu problema não é dar-te a licença de rádio ou televisão. O meu problema é depois tirar-te". Fiquei petrificado, mas captei a mensagem e hoje, vejo o que fizeram com a TPA, uma casa que ajudei a erguer e que queimei muitas das minhas pestanas, a ser entregue na mão de amadores, cuja missão é instituírem a cultura do Kuduro. Por outro lado, só o MPLA e os que dizem no MPLA amem, aos abusos de Direitos Humanos e a fome do nosso povo é que podem ter televisões e rádios. Na lei está escrito liberalização, mas significando só para um partido, que domina tudo inviabilizando a democracia e a igualdade de oportunidades. Não sei o que Tchizé dos Santos fez neste país no domínio da comunicação social, para merecer tanto, em tão pouco tempo, de bandeja... Estamos numa fase em que ser filho de... suplanta todo mérito.

 

F8 - Naquilo que pode ser os préstimos do Jornal na vida política e sócio-económica do país, quais são os marcos mais preponderantes que tenha marcado a história do F8?


WT - Penso serem muitos, logo não seria prudente estar a falar de uns e outros não. Nos grandes momentos do país nós estamos lá a cumprir o nosso papel. Defendemos a paz e o fim da guerra, através de verdadeiras negociações, mas este governo não tem cultura negocial, mas de imposição. Veja o que fez a Holden Roberto e a FNLA, cortar as contas bancárias a um homem que depôs as armas e fazê-lo passar fome. Não é de africano e por isso denunciámos sempre. A natureza do F8 é esta denunciar as injustiças, tal como o fez no caso Miala. Nós temos um compromisso com os indígenas e o futuro, quem está a destruir o país, está comprometido com o passado e isso torna-os factores de instabilidade. É triste porque o MPLA não tem uma política de reconciliação, para afastar o espectro da guerra.

 

F8 - Fale um pouco sobre Liberdade de Imprensa e a relação do F8 com o CNCS


WT- Não existe liberdade de imprensa, mas uma luta em busca da liberdade de imprensa, por parte de jornalistas angolanos, que é desigual. Se houvesse liberdade não haveria censura na comunicação social pública, nem se entregariam os órgãos a uma só família política. Quanto ao Conselho de Comunicação Social, prefiro não falar. Não conheço qual o seu objecto e serventia, para lá do bastão que utilizam contra o F8. 

 

F8 - Oitenta processos na DNIC, assume todos, como se vai coser?


WT- Com linha fina. A vida em revolução é isso. Temos de entregar o corpo ao manifesto e não há nada a fazer com essa política do bastão.

 

F8 - Como concilia o seu tempo, agora nas vestes de advogado?


WT- Com sentido de dever de cidadania. O nosso povo está carente de advogados que entendam a sua língua, os seus dramas, as injustiças cometidas pelos barões. Diante deste quadro tem de haver tempo, mas a minha presença parece estar já a criar anti-corpos em alguns que se julgam os príncipes da advocacia angolana.

 

F8 - Em linhas gerais, que balanço se propõe fazer?


WT - O nosso balanço é o possível, no quadro das nossas dificuldades, mas não me posso queixar, pois tenho uma equipa fantástica, são jovens dedicados, a nova seara do F8, todos aqui criados e hoje já a emprestar o seu nome na comunicação social. Esta é a natureza do F8, pois basta ver que quase não há um órgão que não tenha um quadro que tenha passado na nossa redacção. Muitos partiram devido as condições financeiras, mas os que ficaram, na redacção e nas províncias, vão prosseguir a gesta dos mais velhos e não deixarão morrer este projecto.

 

F8 - Que F8 teremos doravante?


WT- Um F8 cada vez mais digno dos seus pergaminhos e fiel a sua linha editorial. Não podemos trair os nossos princípios, pois o país está carente de democracia, de liderança, de cidadania. O povo está a ser despojado de tudo, porque o MPLA perdeu a sua identidade na adesão ao capital. Todos os dias se mata o sonho deste povo e as práticas musculadas do governo, longe de consolidarem um clima de paz, estão a incubar a revolta no povo. Veja-se os casos das demolições brutais e desumanas, em Luanda, Benguela, Huíla, Huambo, Bié, Namibe e Cabinda. Paradoxalmente as práticas musculadas do governo no enclave, contra os intelectuais, a proibição de criação de associações cívicas, são as que estimulam o sentimento independentista em Cabinda? Outra política mais inteligente e reconciliadora e não se estaria no estado actual. Mas é quando o país está a viver momentos difíceis, com falta de esperança e o regime a ser factor de instabilidade, que compete as forças vivas conscientes do território o sentido de ponderação e união para não se desviarem do caminho da esperança. Angola ainda é possível e vai se reconciliar, mais tarde ou mais cedo e os nossos povos devem acreditar que será possível transformarmos Angola de um país bom para os ricos e estrangeiros viverem, para um país mais igual e justo para a maioria dos autóctones.