Luanda -  Neste dia 15 de Outubro 2022, completam-se 40 anos, em que guerrilheiros da UNITA raptaram o então arcebispo do Lubango, Alexandre do Nascimento quando este se dirigia ao Cunene para uma visita pastoral. Quando os soldados comunicaram ao comandante regional da guerrilha, Jeremias Jahulu, que tinham em mãos um padre, este por sua vez contactou Jonas Savimbi para instruções, e foi ordenado que levassem o sacerdote a Jamba, a pretexto de que se o deixassem pelo caminho poderia correr o risco de ser alvo de uma maldade por parte do regime para depois imputar-se responsabilidades a UNITA.

Fonte: Club-k.net

Sequestrado VIP

Alexandre do Nascimento, andou a pé com os guerrilheiros durante alguns dias, até uma base onde havia transporte para de seguida, ser levado para a base do Likua, controlada pela guerrilha, onde depois de um mês foi levado a Suiça e entregue a Cruz Vermelha Internacional. Durante a sua estadia no Likuia (arredores da Jamba), o arcebispo foi recebido por Savimbi, almoçou com o então responsável pela cooperação externa Ernesto Mulato, celebrou varias missas para a comunidade católica nas matas (uma delas no Katapi, no bico de Angola), e por conseguinte as autoridades guerrilheiras encomendaram vinho de boa qualidade para o sequestrado VIP. Foi-lhe transmitido que não era um prisioneiro de guerra. O Papa João Paulo II, que 16 dias após ao rapto pediu a sua libertação, fez-lhe cardeal depois de três meses, no Consistório de 2 de fevereiro de 1983.


Nas suas memórias, o então numero dois da guerrilha da UNITA, Miguel Nzau Puna, dedicou-lhe um capitulo explicando que “na verdade, o que aconteceu com o antigo arcebispo do Lubango não foi planificado pela nossa Direcção política. Como sói dizer-se, foi o homem errado no lugar errado e à hora errada”.


“Durante a sua estadia no Likua, eu fui visitá-lo para ver se tinha as condições mínimas. Logo que me viu, ficou apavorado, tendo dito que eu estava ali para mandar executá-lo. Pois é, o Puna era o homem mau!... Respondi-lhe prontamente que não o considerávamos prisioneiro, pois a sua presença era uma visita pastoral para os cristãos que se encontravam também daquele lado. E assim foi. Na Jamba, celebrou uma missa num local preparado pelos padres e pelas freiras que estavam connosco. E foi uma celebração bem concorrida”, escreveu Puna lembrando, uma audiência com Savimbi, ladeado do chefe da Inteligência, Samuel Epalanga.

O irritante no encontro com Savimbi contado por Puna

Nas suas memórias, o antigo Secretario Geral da UNITA, Miguel N’zau Puna relata uma questão, que ele trata por “um pouco delicada” que deixou Jonas Savimbi irritado, depois de conceder uma audiência ao antigo Arcebispo do Lubango, Alexandre do Nascimento, que fora raptado pela guerrilha, no dia 15 de Outubro de 1982, quando seguia para uma missão pastoral a província do Cunene.

Puna abre o capitulo do livro justificando-se que “Trago aqui este episódio pela sua relevância — quer pelo peso da entidade em causa, quer pela repercussão internacional que o facto mereceu. Na verdade, o que aconteceu com o antigo arcebispo do Lubango não foi planificado pela nossa Direcção política. Como sói dizer-se, foi o homem errado no lugar errado e à hora errada”.


“O que aconteceu realmente é que o comandante da Frente Cunene, Jeremias Jahulu, planeou o rapto do padre Fernando Guimarães Kevanu, então vigário episcopal da vigararia do Cunene. A vigararia do Cunene pertencia à província eclesiástica do Lubango, do qual era arcebispo D. Alexandre do Nascimento. Este, de tempos e tempos, por força do seu múnus pastoral naquela região, deslocava-se ao Cunene. Foi numa destas circunstâncias que ele foi raptado. Não era a pessoa visada, pelo que o seu rapto foi por mero acaso, segundo uma investigação feita por mim. Havia outras versões, mas esta parece-me mais verosímil, tendo em conta que, ao constatar o erro cometido, o comandante Jahulu teve de recorrer à Direcção do partido para pedir orientações. Foi então decisão do partido, ponderados os perigos que podia correr caso fosse devolvido à procedência, ser mais seguro levá-lo à Jamba e, posteriormente, entregá-lo à Cruz Vermelha Internacional. Assim se procedeu. O arcebispo e o grupo que o escoltava fizeram um percurso pedestre até ao Rio Cuito, onde foi acolhido por uma delegação que o esperava com três viaturas de marca Ipan. Foi então transportado para a base do Likua. Aqui repousou alguns dias, em companhia de Jaka Jamba, antes de seguir para a base central da Jamba.


“Durante a sua estadia no Likua, eu fui visitá-lo para ver se tinha as condições mínimas. Logo que me viu, ficou apavorado, tendo dito que eu estava ali para mandar executá-lo. Pois é, o Puna era o homem mau!... Respondi-lhe prontamente que não o considerávamos prisioneiro, pois a sua presença era uma visita pastoral para os cristãos que se encontravam também daquele lado. E assim foi. Na Jamba, celebrou uma missa num local preparado pelos padres e pelas freiras que estavam connosco. E foi uma celebração bem concorrida”


“Para além da eucaristia, teve uma audiência com o presidente Jonas Savimbi, ladeado por mim e pelo general Epalanga. No princípio, a conversa foi cordial, embora o arcebispo tenha levantado uma questão um pouco delicada e que azedou um pouco o ambiente. Queria saber o prelado o que é que a UNITA faria de Luanda se ganhasse a guerra. Terminada a audiência, fomos acompanhá-lo até à viatura que o levou de regresso à zona onde estava hospedado. Savimbi chamou-nos de volta à sua casa e foi directo ao assunto:”

— Vocês escutaram bem as palavras do Arcebispo? Isto para mim significa que um homem do Sul não pode governar Luanda. Já viram? Este complexo de superioridade tem de acabar.


Fim de citação do livro “Mal Me Querem” - Autobiografia de Miguel Maria N'Zau Puna


JOSÉ GAMA