Paris - Para compreender os imaginários que o MPLA impôs em Angola e, portanto, a razão pela qual a única hipótese do seu renascimento seria pensar em quem é no fundo, um dia, caro leitor, se quiser rir desconsoladamente, vá ver como as penas mais assíduas do Jornal de Angola escrevem os nomes dos grandes escritores e intelectuais negros e compreenderá sobretudo que não estão habituados a lê-los. Mas é pitoresco ver como Aimé Césaire, Cheikh Anta Diop ou Amadou Hampâté Bâ se escrevem ali, no jornal mais oficial de um país africano que dá vergonha e que ainda mencionava a raça no bilhete de identidade dos seus cidadãos até ao final de 2008, nomes esses que representam os Negros no mais alto nível mundial. Então vá e veja, nas mesmas páginas, o conhecimento dessas penas de autores brancos, especialmente os portugueses, mesmo os piores, e ficará surpreso ao ver com que zelo elas sabem recitá-los. Dito isso, uma das esfinges gregas do jornal, no seu mítico lirismo, escreveu recentemente com muita certeza que Luís XIV, o Rei Sol, foi guilhotinado, o que não é verdade. E se ainda tiver tempo e um pouco de paciência, caro leitor, dê uma olhada nas páginas de Cultura do jornal, vai sentir-se numa feira brasileira ou no carnaval carioca ou em qualquer outro lugar menos em África. Depois disso, caro leitor, dê uma olhada nos sites dos principais jornais da Nigéria ou da África do Sul, um país que os Assimilados acreditam ser como o nosso porque há brancos, e verá a diferença. Em Angola, ainda não compreendemos que um povo se forma e se nutre da seiva da sua civilização, que é a sua âncora, ainda que permaneça aberto ao mundo. Assim, de todas as censuras que se podem fazer ao MPLA, a maior, creio, é a de ter alienado os angolanos da sua matriz cultural africana. Foram inoculados com auto-ódio. Por exemplo, as escolas primárias do MPLA já proibiam as crianças de falar a sua língua materna quando eu era criança. Por isso, não nos podemos surpreender que hoje, enquanto escrevo isto, o cabelo dos Negros, portanto da esmagadora maioria dos angolanos, ainda seja discriminado nas escolas. Mas ao mesmo tempo, sejamos honestos, o MPLA nunca poderia criar uma Angola africana, nem saberia por onde começar mesmo que tivesse um pouco de boa vontade! Com os seus dirigentes Assimilados que querem ser brancos, todos os esforços do MPLA nesse sentido seriam em vão. Não nos inventamos africanos, somos africanos ou não somos. Ser africano é ontológico e não uma impostura, como a dos escritores e artistas do MPLA e dos Assimilados que fingem dominar o kimbundu nas suas artes. Podemos aprender a ser africano, sim, mas isso requer amar verdadeiramente a África, a sua cultura e estar pronto para participar nos sacrifícios que ela exige hoje para a sua reconquista e reconstrução.

Fonte: Club-k.net

Angola é um dos países que oferece as classificações mais vertiginosas da cor da pele. E é com a língua e a cultura herdadas dos pais ou do amo brancos que o Assimilado julgará severamente a angolanidade dos outros. É a sua única unidade de medida, porque está alienado e não vê outra forma de ser angolano. Assim, excluirá aqueles que não se enquadram nos seus critérios colonizados e colonialistas e isso dá origem, por exemplo, a uma literatura angolana e lusófona indiferenciada e pouco diversificada. O Assimilado dará especial atenção ao modo de falar do outro, à sua dicção e apontará o menor erro, mesmo aquele por desatenção que em nada altera o sentido e a compreensão do que é dito, pois aprendeu a interessar-se mais na forma do que no fundo. E vai insistir em mostrar o quanto é melhor colonizado que o outro. Mas só o MPLA ainda não compreendeu que participa na destruição dos imaginários positivos dos Negros, substituindo-os pelos imaginários dos Brancos. Não tem consciência, especialmente na era da diversidade e da inclusão, do que significa, simbolicamente, ter um número às vezes exagerado de mestiços no governo, nos media ou na publicidade, de um país em que eles representam menos de 10% da população total. Talvez se compreenda porque, na Independência, o MPLA teve o cuidado de retirar das ruas e praças públicas os bustos coloniais e os nomes daqueles de quem não gostava e deixar aqueles de quem gostava, como os escritores racistas e monárquicos Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, e o traidor Luís Lopes de Sequeira, militar mulato do exército português que encarnava a destruição de África e a sua negação. Sequeira comandou as operações portuguesas para destruir o Reino de Benguela, o Reino do Kongo, o Reino do Ndongo e o Reino de Matamba. Todos esses reinos não representavam os nossos povos? E a destruição da africanidade, não é a obra que o MPLA tem continuado desde que chegou ao poder? Pois é, é por isso que Sequeira tem um grande largo dedicado a ele na Mutamba!


Mas por falta de visão, falta de estratégia e, convenhamos, falta de outra opção sólida, o MPLA continua aí. E, cá entre nós, que fique aí se não houver nada de transcendente. Mudar para ter a mesma coisa, o sacrifício não vale a pena. No entanto, no dia em que isso acontecer, o primeiro beneficiário de uma alternância será o MPLA. A saída do MPLA do poder será salutar para ele; permitir-lhe-á aprender tudo e ser africano para que um dia possa voltar, voltar para estar mais em sintonia com a África de hoje e com os mundos negros que estão em recuperação e que ninguém pode parar, nem mesmo os nossos traidores. Porque os imaginários de outros tempos que ele guarda, por ignorância devido à sua colonização mental, são o seu primeiro inimigo para a África e os mundos negros que estão resolutamente de pé. O mundo do MPLA já não é adequado para os Negros de hoje, muito menos para os de amanhã, que definitivamente o colocarão fora do jogo. E neste momento de plena reconquista das identidades negras e reabilitação da sua dignidade manchada, precisamos de líderes à altura do desafio. Filhos de Angola como Viriato da Cruz sempre ressuscitarão, mas outros morrerão para sempre. O racismo entre negros sempre foi tabu porque gera desconforto, como sabemos. Mas mesmo que a história seja dolorosa, ela deve ser enfrentada e tratada com coragem, porque vivemos com as suas consequências. Quando leio Tar Baby, da incomparável Toni Morrison, redescubro aquela Angola da qual sempre fugirei. Angola precisa de dirigentes que possam descolonizar o imaginário dos angolanos, por isso vamos focar-nos agora no Sr. Adalberto Costa Júnior e no conteúdo do seu programa.


Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), colunista lifestyle da revista Forbes Afrique, cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.