Luanda - Angola tem, desde o 15 de Setembro de 2022, um Presidente da República, não nominal, nem legitimamente, eleito. Nem novo, nem velho. Longevo! João Manuel Gonçalves Lourenço. Tem 47 anos de ininterrupta partidocracia. Experiência questionável. Muita, como político-gestor... Falta-lhe a matreirice, cravada nos pergaminhos de Maquiavel.

Fonte: Folha8

A maioria dos cidadãos não festejou, mais uma vez, a segunda investidura, consideraram-na uma farsa eleitoral, pese, a luz do direito, a tomada de posse, para a mais alta magistratura, ser legal, porém, ilegítima. O grande aparato e desfile militar, na marginal da Corimba, diante de nacionais e estrangeiros, a prisão de jovens activistas foram a demonstração da mais elevada insegurança de um regime que parece estar a caminho da putrefacção.


Insegurança, assente na recusa de escrutínio às actas-síntese, por parte da Comissão Nacional Eleitoral e do Tribunal Constitucional, seus apêndices, para permitir a solicitação da oposição que, contabilisticamente, ganhou no voto. No terreno. No sonho do eleitor.


Hoje, o regime teme a confrontação e tem medo da verdade e, de, agora, sem maioria qualificada, vai começar a perder, nas entranhas dos órgãos de soberania, hegemonia, para o adversário, que não tendo caído na esparrela de ficar fora do parlamento, vai, demonstrar, sem armas, como o fez no dia 16 de Setembro de 2022, na Assembleia Nacional, como desgastar um monstro autocrático, discriminador e avesso aos ditames da democracia.

DESCAMINHO DO DEPUTADO/PRESIDENTE

Na tomada de posse dos deputados dos partidos, com assento parlamentar, uma ausência se fez notar. Significativa. João Manuel Gonçalves Lourenço, que deveria, como havia jurado no 15 de Setembro na tomada de posse como Presidente da República: “cumprir e fazer cumprir a Constituição da República de Angola e as leis do País”, (in art.º 115.º CRA), que impunha, no dia 16 de Setembro de 2022, na companhia dos demais 219 deputados, a tomada do assento parlamentar, no espírito do n.º 3 do art.º 114.º (Posse): “A eleição para o cargo de Presidente da República é causa justificativa do adiamento da tomada do assento parlamentar”.


Este artigo demonstra a abertura de uma janela de euforia normativa-procedimental, ante a magistratura do cargo, mas não isenta o eleito, a posterior, do cumprimento das formalidades constitucionais, no interior do parlamento.


Esta ausência de João Lourenço é a segunda (a primeira foi em 2017), na cerimónia de investidura, legislativa e demonstra ser uma prática recorrente dos presidentes do MPLA, que se julgam acima dos demais, chegando, inclusive a subalternizar, o papel da Assembleia Nacional, único órgão eleito, pelos cidadãos-eleitores.


José Eduardo dos Santos procedeu de igual forma, em 2012, não interpretando, na plenitude o art.º 109.º: “1. É eleito Presidente da República e Chefe do Executivo o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do artigo 143.º e seguintes da presente Constituição”.


Mas, aqui não pode ser feita uma interpretação à letra, porquanto a nossa eleição, ao contrário da maioria dos sistemas políticos parlamentares, não é nominal, secreta e directa, significando, que nenhum eleitor, em Angola, votou ou vota, em Presidente da República. Vota na lista de partido (sistema parlamentar) com um cabeça-de-lista, potencial candidato, ao cadeirão presidencial.


Em caso de vitória do partido, com percentual maioritário, o cabeça-de-lista deve cumprir o ritual de desistência do primeiro cargo electivo, para ser eleito Presidente da República, “in circle” (Assembleia Nacional), em homenagem ao art.º 143.º.


“Os deputados são eleitos por sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico pelos cidadãos maiores de dezoito anos de idade residentes no território nacional, considerando-se igualmente como tal os cidadãos angolanos residentes no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares”.

Aqui chegados, deparam-se alguns “lapsus calami”, porquanto a eleição do deputado, ao abrigo da actual Constituição, não “é directa, igual e livre”, mas indirecta, através de uma lista partidária, com apenas dois deputados visíveis: o cabeça-de-lista e o segundo. Na última linha do mesmo artigo, o cidadão emigrante, a residir no estrangeiro é estigmatizado, não estando em “serviço” (embaixadas) “estudo” (bolsa de estudo, oficial) “doença” (junta médica) ou “similares” (outros agentes públicos, destacados, em serviço). Urge alterar em futuras reformas. Mais grave ainda é a inexistência de rigor, na interpretação da processualidade da norma e do alcance do legislador material, para não se levantarem, um dia, questões de inconstitucionalidade, por agressão ao art.º 149.º (Incompatibilidades): “1. O mandato de Deputado é incompatível com o exercício da função de:
a) Presidente e Vice-Presidente da República”.


Como se verifica existe uma flagrante violação da parte do deputado, João Lourenço integrante da lista considerada vencedora, pela CNE e TC, com 51,17%, ser, cumulativamente, Presidente da República, sem antes renunciar ou suspender ao mandato, pelo qual foi eleito, como ordena o 149.º da CRA.

O IMPÉRIO DA BOÇALIDADE

É nesta lógica de arrogância e falta de humildade que se conheceu o primeiro incidente, parlamentar. Após cerca de 8 horas de conversações para a composição da mesa, da Assembleia Nacional, onde acertaram a devida composição, eis que antes do início do plenário, o presidente da bancada parlamentar do MPLA, Virgílio Fontes Pereira, liga ao homólogo da UNITA, Liberty Chiaka, comunicando-lhe ter o acordado, por orientação de João Lourenço, ficado sem efeito. E, o que era?


(...) “a) - A aprovação da candidata do MPLA, para Presidente da Assembleia Nacional;
b) - A aprovação dos candidatos para Primeiro e Terceiro Vice-Presidentes propostos pelo MPLA;
c) - A aprovação dos candidatos para Segundo e Quarto Vice-Presidentes propostos pela UNITA;
d) - Manter a proposta de Secretários da Mesa apresentada pelo MPLA, isto é, o Primeiro e Segundo Secretários da Mesa para o MPLA; o Terceiro e Quarto Secretários da Mesa para a UNITA.


3. Depois do compromisso firmado de boa fé entre as partes, mediante palavra de honra, surpreendentemente, minutos antes do reinício da sessão constitutiva, o Grupo Parlamentar da UNITA foi informado que a Direcção do MPLA tinha decidido não mais honrar a palavra dada, quebrando assim todos os entendimentos políticos e rearrumou as precedências de acordo com o seu interesse estritamente partidário e não de acordo com uma visão de país inclusivo, tão pouco de acordo com o Regimento da Assembleia Nacional, em desrespeito aos valores da ética, da elevação moral e dos adversários políticos que representam parte significativa do povo angolano.


4. Desta feita, a Direcção do MPLA impôs à Assembleia Nacional o Primeiro e Segundo Vice-Presidentes para si, o Terceiro e o Quarto Vice-Presidentes para a UNITA.


5. Na história política recente do Parlamento angolano multipartidário, recordamos que na Primeira Legislatura a UNITA teve 70 Deputados e ocupou por direito, o cargo de Segundo Vice-Presidente da Assembleia Nacional, na pessoa do Dr. Jerónimo Wanga e, depois, do Dr. Fernando Heitor.


6. Nesta V Legislatura que hoje inicia, a UNITA tem 90 Deputados, por isso, não se pode aceitar nem compreender que a vontade expressa nas urnas não esteja reflectida com a devida dignidade na Mesa Definitiva da Assembleia Nacional.


7. Em sinal de protesto contra a violação dos compromissos assumidos pelo MPLA, o Grupo Parlamentar da UNITA não votou a eleição da Presidente da Assembleia Nacional e abandonou a sala do Plenário da Reunião Constitutiva da V Legislatura da Assembleia Nacional no momento da eleição dos Vice-Presidentes depois de deliberadamente terem sido negados os pontos de ordem e votos de protesto solicitados pelo Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA”.
Esta é a lei da arrogância de um partido, mostrando que vamos ter tempos difíceis. O MPLA, face aos resultados obtidos nas urnas e estar no poder, ante as elucubrações da CNE e Tribunal Constitucional, deveria ser mais humilde e conciliador, para não aumentar a temperatura política no país. Este é um mau exemplo.

 

Se atendermos que o regime copia tudo de Portugal, poderia, no caso vertente, bisbilhotar, o facto do PS ter 120 deputados e, na Assembleia da República ter a Presidência e a 1.ª Vice Presidência, cabendo a 2.ª Vice Presidência ao PSD, que tem 77 deputados. É o mais avisado, à luz de um Estado de Direito e Democrático, que, infelizmente, Angola liderada pelo MPLA, teima em não ser.

NACIONALIDADE DA PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA

A Presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira é uma das mais íntimas do Presidente da República, daí a indicação, como a primeira mulher a exercer as funções, num dos mais importantes órgãos de soberania. Entretanto, sob ela recai uma onda de burburinhos, nos corredores do seu próprio partido e não só, depois do líder do MPLA ter hasteado a bandeira acusadora dos políticos da oposição com a dupla nacionalidade, a quem chamou de desonestos por não terem avisado antes que a tinham.


Ora esquecendo-se que tem um maior telhado de vidro, João Lourenço abriu as comportas para, os seus, serem escrutinados, também.


Particularmente, F8 não vê, nem questiona quem tenha dupla nacionalidade, pois muitas são devidas a resistência, humanismo e perseguição política, no entanto, levantada a zebra, aspectos importantes devem ser questionados.
Pode alguém à frente de um órgão de soberania ter dupla nacionalidade? A CRA diz que não! A ética, igualmente! Carolina Cerqueira renunciou, nos últimos dois meses, a nacionalidade portuguesa, obtida através do progenitor que é cidadão português.


A Constituição no n.º 1 do art.º 110.º diz: “São elegíveis ao cargo de Presidente da República os cidadãos angolanos de origem (...). 2. São inelegíveis ao cargo de Presidente da República: a) Os cidadãos que sejam titulares de alguma nacionalidade adquirida”


Este, conjugado com o n.º 3 do art.º 132.º (Substituição do Presidente da República): “Em caso de impedimento definitivo simultâneo do Presidente da República e do Vice- Presidente, o Presidente da Assembleia Nacional assume as funções de Presidente da República até à realização de novas eleições gerais, que devem ter lugar no prazo de cento e vinte dias contados a partir da verificação do impedimento”.


Assim, do ponto de vista linear, Carolina Cerqueira está, por força da norma constitucional, impedida de exercer as funções de Presidente da Assembleia Nacional, pelas quais foi eleita, com os votos maioritários do MPLA.
É um acto impugnável a todo tempo, com os prejuízos daí inerentes, quer dos pontos de vista constitucional, ético, moral e político.


Urge, finalmente, perguntar: onde andam os milhares de juristas do MPLA, que deixa(ra)m esta omissão fazer morada, com todas as consequências nefastas, no seio da casa das leis?


Voltaremos.