Luanda - Com muita surpresa e estupefacção tomei conhecimento que o Conselho Superior da Magistratura Judicial, CSMJ, através da Resolução n.º6/22, de 30 de Setembro, decidiu abrir um concurso público para o recrutamento de 10 novos juízes para o Tribunal Supremo. Esta Resolução viola flagrantemente a Lei n.º 2/22, de 17 de Março, Lei Orgânica do Tribunal Supremo (TS), que define os "Requisitos para o concurso de ingresso no Tribunal Supremo pelas razões que se explicitam de seguida

Fonte: Otelegrama.ao

A Lei Orgânica do TS estatui, no número 1 do citado artigo 55.º que “excepcionalmente, podem concorrer para Juízes Conselheiro: a) os Juízes Desembargadores; b) o Procurador Geral da República, o Vice-Procurador Geral da República, os Procuradores Gerais Adjuntos da República; c) os Magistrados do Ministério Público que exerçam funções nos Tribunais da Relação ou para tal tenham sido nomeados; d) os advogados, os Professores Catedráticos e Associados da Faculdade de Direito…”

 

Por razões estranhas e anormais o CSMJ decidiu “enterrar” a Lei n.º2/22, de 17 de Março, e aprovou uma Resolução em que determina que os Juízes de Direito podem concorrer directamente para Juízes Conselheiros (em desrespeito pela lei e pela carreira do Magistrados Judiciais que obedece aos critérios de Juiz de Direito – Juiz Desembargador e Juiz Conselheiro)

 

Pelo que soube, esta decisão foi tomada porque o CSMJ “resolveu” que a norma do artigo 55.º da Lei Orgânica do Tribunal Supremo é inconstitucional e, por esta razão, deliberou em não aplicar a lei. Parece que o CSMJ entende que também tem funções jurisdicionais… e não apenas administrativas como a Lei Magna estatui (será que teremos de fazer uma nova Revisão Constitucional já que o CSMJ quer assumir as funções do Tribunal Constitucional e dos Tribunais de Jurisdição Comum?)

 

Estamos, pois, perante uma violação grave do princípio constitucional da legalidade com a agrave de estar a ser praticado por um órgão constitucional com responsabilidades na disciplina dos Magistrados Judiciais e na gestão dos tribunais (artigo 184.º da Constituição).

 

A minha surpresa assume maiores proporções quando verifico que as entidades que devem velar pela legalidade se mantêm num silêncio cúmplice assustador. Refiro-me, por exemplo; à PGR e à Associação dos Juízes Angolanos, que nada dizem sobre o que se está a passar.

 

Faço esta Carta Aberta uma vez que, na qualidade de antigo membro da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito, que teve uma participação directa e activa na concepção, elaboração e aprovação da nova organização e mapa judicial do país; como Professor de Direito, ex-Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional e antigo Bastonário da OAA, não me posso calar e fingir que nada vejo.

 

Como se sabe e ensinamos na Faculdade de Direito as decisões que violam abertamente a Constituição e a lei são nulas e de nenhum efeito, havendo jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria.

 

Por esta razão venho, publicamente, solicitar aos órgãos constitucionais com competência para requerer a fiscalização de normas e actos eventualmente inconstitucionais, nomeadamente, o Presidente da República, 1/10 dos Deputados em efectividade de funções, os Grupos Parlamentares, o PGR, o Provedor de Justiça e a OAA, que ajam com urgência n sentido de se suspender e anular o concurso publico que está a decorrer e, consequentemente, a se repor a legalidade.

 

A omissão das entidades públicas e privadas perante a violação grave de princípios constitucionais e da legalidade em nada contribui para a defesa do Estado Democrático de Direito e o melhor funcionamento da Justiça.

Luanda, 9 de Novembro de 2022

 

Raul Carlos Vasques Araújo

Professor Catedrático