Paris - No processo de descolonização das nossas consciências, de desconstrução dos nossos imaginários que o MPLA enraizou no colonialismo português, o que significa que os angolanos mais alienados já não conseguem conceber um anjo negro no seu imaginário, é imperioso ver o edificante The Woman King (A Mulher Rei). É um filme sobre as Ahosi (Agojié), as guerreiras do Reino do Daomé do início do século XIX, mais temidas que os seus homólogos masculinos, que, com a liberdade narrativa da realizadora, Gina Prince-Bythewood, e por extensão, mostra o importante papel que as mulheres desempenharam culturalmente nas sociedades africanas. É um filme necessário, plenamente em sintonia com os tempos, os tempos da reabilitação do orgulho negro e da convergência dos mundos negros. Se no cinema, na literatura e nos media, a mulher negra é geralmente mostrada como uma personagem apagada e miserável, este filme vem relembrar a sua nobreza e o seu heroísmo histórico, ao mesmo tempo em que a situa na sua dimensão cultural, social e hierárquica.

Fonte: Club-k.net

É um filme que mostrará aos nossos alienados todo o esplendor da beleza negra que eles foram cruelmente ensinados a esquecer. Ouvirão a beleza sonora de nomes como Nanisca, Nawi, Izogie, Amenza, que talvez lhes digam, enfim!, a feiura dos seus nomes colonizados, que amam e dão com amor aos filhos, como Luciano Rocha. E os do meu povo, os bakongo, gente nobre da bela África, aqueles que se alienaram, para satisfazerem os ditames e encontrarem um lugar para si na louca Angola que o MPLA criou, verão certamente a dimensão ridícula que eles gostam em Vemba em vez de Mvemba e Biavanga em vez de Mbiyavanga, mudanças que acabaram por despojar esses nomes de todo o seu significado digno e sua força identitária. E aqueles a quem os conservadores alienados do MPLA se recusaram a registar os seus nomes africanos e os dos seus filhos nos registos civis compreenderão que da próxima vez terão de os combater fisicamente e lembrar-lhes que os portugueses foram expulsos à catana em 1975! Sim, com este filme, os alienados também verão a beleza dos cantos e canções africanos, a sua sagrada e profunda ritualização que nada tem a ver com o burlesco carnaval folclórico que o MPLA chama de música angolana e com o qual exibe angolanos como nos tempos coloniais, incluindo crianças; para se saracotearem diante das delegações de brancos que vêm buscar o nosso petróleo e os nossos diamantes e que zombam ao ver se perpetuar, na maior despreocupação crioula, o que fizeram com os negros nos zoológicos de Paris, Berlim ou Londres até a Segunda Guerra Mundial!


Este filme, que conta a história de um exército totalmente feminino e profissionalizado do Daomé, lembra-nos que a Angola do MPLA também matou o vigor feminino que o mundo tinha visto antes nas nossas valentes mulheres. Nzinga Mbande, rainha africana que os alienados monopolizam por um oportunismo político sem requinte, e cujo nome escrevem Ginga Ambande para a crioulizar, é uma delas. Kimpa Vita é outra, mas é conhecida em todo o mundo excepto na sua terra, Angola, por escolha do MPLA. Ela carrega a Estrela amarela por pertencer aos bakongo, um povo que os portugueses não conseguiram subjugar e contra o qual guardaram um ódio feroz e perigoso, que transmitiram aos seus sucessores do MPLA que o mantiveram intacto até hoje. Mas o actual surgimento do orgulho negro revelará outros nomes como ela. E quando éramos crianças, o MPLA ensinava-nos a rir quando assistíssemos a filmes americanos, westerns em particular, em que brancos matavam índios, pois os alienados desse partido nunca entenderam que os índios eram eles. Mas aqui, em Paris, quando fui ver The Woman King, na maior sala de cinema do UGC Ciné Cité Les Halles, o maior cinema da Europa, todos aplaudimos na cena em que os escravos são libertados e os próprios matam um dos traficantes que falavam um português estranho. Acho que os alienados do MPLA ficariam tristes de ver aquela cena e isso não me chocaria mais do que o Neymar que apoia o Bolsonaro, o Negro fabricado na Lusofonia é esquisito, basta olhar para os dirigentes do MPLA!
De qualquer forma, todos aqueles que acompanham o despertar da Nova África, repleta de desejos de mudança, ficarão encantados com este filme, uma raridade em Hollywood, que começa a mostrar os negros sob os melhores auspícios. Gina Prince-Bythewood encanta-nos com a sua capacidade de encenar uma África que se apega às aspirações dos Negros que esperam há gerações para reabilitar o seu imaginário. O afro-feminismo que ela nos mostrou confirma implicitamente o imperativo de nos livrarmos dos nossos falocratas imundos, os neo-colonizadores que continuam a humilhar e a vender os nossos povos. Este filme, soberbamente filmado, não apenas traz visibilidade bem-vinda a uma parte da história africana que ainda está sub-representada na tela, mas também diz para onde os mundos negros estão a ir. Um filme imperdível.


Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), colunista lifestyle da revista Forbes Afrique, cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.