Luanda - A não inclusão do nome do veterano atleta benguelense, Alberto Silva“ Pepino” numa lista dos 100 atletas angolanos mais destacados, não teria cabimento nem no dia primeiro de Abril, dedicado às mentiras. Pepino foi, provavelmente, o maior atleta de Angola de todos os tempos. Faleceu há quatro anos, quando a família e a comunidade se preparavam para cantar-lhe o “Parabéns a Você”. Estava a um ano de completar um século de vida, toda ela dedicada ao desporto, conciliando com o seu ofício de marceneiro.

Fonte: Club-k.net

Mais do que uma galeria de troféus, indiscutivelmente, Pepino deixou-nos um insubstituível legado humano, que perdurará eterno como as estrelas mais brilhantes, um exemplo digno para todas as gerações de atletas angolanos, sobretudo os da nova geração e para os que virão a seguir. A sua ímpar trajetória simboliza a virtude, a ética e comunga na sua essência, os sagrados valores exclusivos de Humanidade, como a solidariedade fraterna e o perdão genuíno, entre todos e com todos.


Alberto Silva renegava para segundo plano a componente da competição pura do desporto, na qual, no fim da contenda, de costas viradas, de um lado os vencedores cantam hinos de vitória e erguem a taça bem alto, enquanto os vencidos, às vezes escoltados pela polícia para saírem das arenas em que competiram, sofrem cabisbaixos o escárnio e as agressões dos díscolos disfarçados de torcida.


Ele via o desporto como um ideal de concretização de justiça e também de plena Concórdia e de Paz genuína. O seu percurso é revelador desse ideal.


Pepino foi um desportista de eleição, em três modalidades diferentes. Praticou futebol nos anos 30 e 40, do século passado nas melhores equipas de Benguela e do Huambo. Depois abraçou o atletismo e finalmente rumou para o ciclismo. Viveu uma vida intensa ao serviço do bem comum, sempre comungando os inabaláveis ideais de lealdade, humildade e de solidariedade.


Estamos absolutamente convictos de que, para todo o sempre , estará presente entre os atletas angolanos, a imagem do veterano ícone, nos seus quase 100 anos de vida, vergado sobre o guiador da bicicleta, as pernas
fortes pedalando cadenciadamente e o suor escorrendo generoso pelo seu rosto.


Ocorridos ao longo da vida, recordam-se hoje e sempre, os seus inusitados feitos. Surpreendia tudo e todos com os seus inesperados desafios de correr, não contra outros atletas como ele, mas desafiando os seus próprios limites com uma ilimitada paixão.


Pepino não era simplesmente um atleta competidor, mas sobretudo um mensageiro de Tempos Novos que sempre tardam em chegar.


Existem pessoas que não entendem a vida distante da arrebatadora paixão, de estarem em desafio permanente com as fronteiras de suas próprias capacidades. São os aventureiros que palmilham o mundo lutando, não contra adversários de sua espécie, como acontece nos desportos convencionais. Esses vão mais além.


Certa vez, ao partir para mais uma de suas incríveis odisseias, Fernand Fournier-Aubry sentenciou que quando o vento da aventura sopra o que temos a fazer é deixar-nos ir:
“-Antes de seguir o meu caminho, quero libertar-me de tudo: das minhas alegrias, do meu sofrimento, do meu suor, dos meus segredos. Quero oferecer tudo. Limito-me a devolver pois, o que dou não me pertence”, escreveu na sua imortal obra D. Fernando.


Desde pequenos os nossos mais-velhos nos ensinaram o respeito a Pepino, sempre banhado em seu suor, pedalando firme, sem lamentos, superando sempre um desafio aos seus próprios limites. Era impossível ficar indiferente a imagem daquele guerreiro nato.


Ficará para sempre a recordação daquela manhã ensolarada, do dia 14 de Novembro de 2005, no próprio tempo das acácias rubras florirem, quando os benguelenses viram mais uma vez partir o seu herói de sempre. Os mais velhos reencontraram a magia dos inolvidáveis acontecimentos vividos no passado. Para os jovens, ficava o testemunho exemplar de que o homem nasceu para lutar e para vencer as barreiras da adversidade, nunca desistindo, até se extinguir o derradeiro sopro de vida.


Outras histórias também ficaram registadas. Quando tinha 53 anos de idade, em 1973, Alberto Silva correu a pé, em 47 horas, a distância entre Huambo e Benguela. Fora uma aposta com amigos e ganhou 100 contos portugueses pelo feito. Mais tarde voltou a protagonizar outra façanha, ao percorrer a pé as sete centenas de quilómetros que separam Benguela e Luanda, logo a seguir a proclamação da Independência Nacional, em memória das viúvas e dos órfãos da guerra angolana, sendo homenageado pelo presidente Agostinho Neto.


Quando chegou o ano de 2005, decidiu fazer o mesmo percurso em bicicleta. Não se pense que foi para encontrar facilidades. Nada disso. No leque da actividade desportiva, o ciclismo é considerada, em si, uma modalidade penosa. O atleta tem apenas duas rodas, um selim e uma pedaleira aparafusados a um quadro metálico. O resto são quilómetros e quilómetros de estrada pela frente. Durante horas os ciclistas competem expostos ao sol, à chuva e à sinuosidade do percurso.

 

Ao atingir a barreira dos 95 anos de idade, o consagrado ciclista continuava a mostrar a sua infatigável energia, percorrendo distâncias ao lado de jovens ciclistas que etariamente seriam seus trinetos, bisnetos e netos, em nome da luta contra o flagelo do Sida, que ameaça tirar a vida a milhões de crianças portadoras do vírus mortal, sobretudo no continente africano. Nobre e generosa, a sua odisseia chamou a atenção do pais e do mundo.


As constantes odisseias de “Pepino” pareciam pretender inverter o curso irreversível da vida, buscando no implacável passar dos anos, a fonte para a sua inesgotável vitalidade. Outra e mais uma vez, ele fazia ecoar o grito inconfundível de quem desconhece os limites da idade.


Sempre com pedaladas de gigante, Pepino transportava na bagagem a gloria de um povo sofredor que conquista com dignidade o seu lugar entre as nações do mundo, tal como o brilho do Sol refulge no horizonte após a noite de tempestade.


O veterano atleta deixou um inestimável legado para o desporto angolano e não só. Algo que nos impele a mergulhar no oceano da redenção, indagando a nós mesmos, sobre aquilo que de profícuo poderíamos ter feito em prol dos demais. E o pior que tudo, faz-nos também irremediáveis reféns de uma pesada culpa, quando nos apoderamos indevidamente do pouco que também aos outros por direito pertence, com o fito de alimentarmos o nosso egoísmo desmedido.


O mundo seria certamente um lugar melhor para todos vivermos, se o homem não fosse o lobo do próprio semelhante.


Por isso, quando o víamos pedalar, silencioso, sem um único queixume, desafiando suas próprias fronteiras, invadia-nos a estranha sensação do pecado cometido. Da cumplicidade teimosa de nos postarmos nas arquibancadas da indiferença, ouvindo, impávidos, ecoar bem junto aos nossos ouvidos, a lancinante sinfonia dos deserdados do nosso mundo injusto e cruel.

Humildemente , em nome da justiça e da verdade:


PEPINO FOI O MAIOR!