Luanda - No pretérito mês de Outubro do ano em tese, partilhamos algumas linhas através do nosso artigo sobre as exonerações e nomeações dos Ministros das Relações Exteriores versus os desafios da Diplomacia Económica Angolana. No mesmo artigo, a nossa abordagem foi mais na perspectiva dos desafios olhando mais para o ambiente externo, ou seja, sobre o que os agentes diplomáticos angolanos têm feito ou podem fazer para alcançar os objectivos consubstanciados nas missões que lhes são confiadas. Paralelamente a isso, surge-nos, pois, a ideia de escrevermos sobre os desafios da diplomacia económica na perspectiva do ambiente interno.

Fonte: Club-k.net


Antes, para que nos situamos sobre a matéria em abordagem, permitem-nos esclarecer em síntese o que é um ambiente interno e o que se pode compreender por diplomacia económica:


 Em breves palavras, considera-se ambiente interno o espaço sobre o qual uma entidade colectiva ou singular (neste caso, Angola) tem o total comando e controlo.


 Por outro lado, compreende-se como diplomacia económica a utilização da capacidade de influência política dos Estados e outros actores internacionais a favor dos seus interesses económicos nos mercados internacionais.


Neste quesito, importa antes sublinhar que na execução da diplomacia económica, o ambiente interno tem grande relevância e influencia sobremaneira nos resultados da principal missão diplomática na sua vertente económica, fundamentalmente na captação de investimento estrangeiro. Por esta razão, a criação de sinergias no melhoramento deste ambiente torna-se deveras importante. Pois, na sua vertente económica, uma diplomacia que se deixa apenas sob dependência dos agentes diplomáticos terá, como é óbvio, dificuldade de materializar a sua missão quer na captação de investimento, quer na internacionalização das empresas nacionais, bem como na exportação de produtos. Fundamentalmente na captação de investimento que é, particularmente, o foco primário do Governo angolano, na actualidade.

Neste cenário, chamamos, antes, atenção ao seguinte facto relativo ao sector mineiro angolano e que ilustra as vantagens de se trabalhar o ambiente interno: durante muito tempo, o sector mineiro não petrolífero andou quase que bloqueado devido aos métodos que não eram tão atrativos para quem quisesse investir no sector mineiro, especificamente na exploração diamantífera.

 

Entre os constrangimentos, podemos assinalar dois maiores, sendo um de ordem jurídica face à dispersão de legislação, e o outro de ordem política face ao cenário que se vivia a este nível. Estes elementos constituíam-se numa das principais burocracias ou obstáculos para este sector, pelo facto de que na época, para se conceder, por exemplo, direitos mineiros relativos à exploração em aluvião seria necessário os interessados interpretar e integrar uma lista quase que “infinita” de diplomas legais, e para os que conseguiam reunir tudo, depois da exploração, enfrentavam um outro constrangimento que tinha a ver com os chamados clientes preferenciais, ou seja, os clientes a quem podiam vender os seus produtos, tinham de lhes ser indicados.


Este quadro era de todo constrangido e produzia insegurança por parte dos investidores. Entretanto, com a aprovação, em 2011, do Código Mineiro, foram revogados alguns desses diplomas considerados dispersos. Porém, apesar do esforço de se ter eliminado esse quadro que constituía em obstáculo de ordem jurídica, o quadro político não facilitou, na prática, a implementação deste Código Mineiro face aos interesses instalados de algumas pessoas políticas ou ligadas a elas, sobretudo na comercialização de diamantes.


Neste entretanto, com a realização das eleições gerais em 2017, e a consequente eleição de uma nova figura para o cargo de Presidente da República e do Titular do Poder Executivo, ficou afastado o outro obstáculo da ordem política. Este acontecimento, veio dar uma outra dinâmica ao sector mineiro (com ênfase ao subsector dos diamantes), que passou a merecer um novo olhar no quadro das melhorias no clima de negócios para o país, através de aprovação de novos instrumentos em consonância com o Código Mineiro vigente, com vista a estimular a actividade mineira e garantir a transparência na venda dos produtos, onde se destaca particularmente a aprovação da Nova Política de Comercialização de Diamantes, que estabelece um conjunto de princípios que conduzem a um objectivo claro e transparente relativamente à comercialização dos diamantes brutos produzidos em Angola, visando melhores condições para a atratividade do investimento privado.

Essa nova lei de comercialização confere aos investidores, o direito de venderem 60% da sua produção de diamantes em bruto a clientes da sua escolha, facto que veio a eliminar o constrangimento que os obrigavam a vender os seus produtos a clientes, de alguma forma, impostos.

 

De facto, todas essas mudanças de ordem interna, foram determinantes e contribuíram positivamente ao sector em referência, e, embora não tenha atingido ainda aos níveis da excelência que se deseja, pode-se considerar que o quadro do ambiente interno no sector mineiro é motivador e coloca o País no top dos três melhores destinos do mundo para investir em diamantes, tal como afirmou, em Novembro de 2021, o Director de exploração da Rio Tinto para Africa-Eurasia, Ken Tainton.


Este é, na verdade, um factor fundamental de se assinalar, e com essas melhorias viu-se, logo nos últimos anos, nomeadamente 2020 e 2021 as empresas multinacionais no sector mineiro, como a Rio Tinto e AngloAmerican, a apostarem os seus investimentos no mercado angolano, bem como assistiu-se também ao regresso da De Beers à Angola, após longos anos fora do mercado angolano, facto que veio mais uma vez certificar de que, citando o Ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, «as medidas políticas e legislativas tomadas pelo Executivo angolano, para o sector mineiro nacional são eficazes, transparentes e atrativas para todos aqueles interessados de uma maneira sustentável e responsável em investir no país».


Os factos narrados acima dão-nos, certamente, um claro indicador sobre as vantagens de se trabalhar e/ou organizar o ambiente interno para concomitantemente atrair o externo.


Na lógica, podemos considerar que a diplomacia constitui também num dos elementos do poder dos Estados. Contudo, para se chegar ao resultado que seja positivo é fundamental, neste caso, que o Estado angolano saiba fazer uma análise periódica visando identificar e sobretudo superar as vulnerabilidades no ambiente interno, de modo a aproveitar as oportunidades externas para o seu desenvolvimento e bem-estar do seu povo.
Sem que Angola elimine os elementos internos que constituem obstáculos à imagem do País, as consequências terão sempre uma influência directa no exercício diplomático com foco económico a ser desenvolvido no concerto das nações.


Os problemas que têm que ver com a corrupção, a impunidade, o nepotismo, a democratização das instituições, o elevado custo dos serviços de hotelaria e restauração, o custo dos bilhetes de passagem com a transportação aérea, sobretudo de Luanda para o interior do país, a expansão da energia eléctrica e da água, a construção e o melhoramento das vias de comunicação, a segurança pública e do sistema financeiro, e a expansão da rede bancária para o interior (fundamentalmente nos municípios) do País, e em alguns casos, a indicação ou nomeação dos agentes diplomáticos com base em critérios subjectivos (conveniência assente no grau parentesco, amiguismo ou tráfico de influência, etc.) são algumas das vulnerabilidades do ambiente interno que afectam fortemente a imagem internacional de Angola, e têm uma influência directa no sucesso da diplomacia económica na captação de investimento estrangeiro.


Em termos práticos, é possível compreender-se que não se consegue mobilizar os investimentos para Angola, quando os investidores, de antemão, sabem que, apesar das várias oportunidades de negócio que o País oferece, um investidor que pretender, por exemplo, apostar na produção de café, pensando instalar a sua fábrica no Município de Kimbele, Província do Uíge, terá de enfrentar dificuldades resultantes da falta de vias de comunicação para escoamento de produtos, da falta de energia eléctrica, de bombas de combustível, de instituições bancárias e de outros elementos que concorram para efectivação deste projecto. Este é um dos muitos exemplos que podemos enumerar aqui sobre essa realidade das condições que o ambiente interno a nível do país adentro oferece.


O número excessivo de governantes e gestores públicos que ao mesmo tempo dedicam-se à actividade comercial e empresarial, colocando-se num verdadeiro conflito de interesse, é também um dos elementos que não pode ser ignorado quando se analise o ambiente interno, pois esta prática pode igualmente inibir a vontade dos investidores estrangeiros à Angola. Algumas vezes, essa dualidade faz com que alguns destes gestores públicos sejam constantemente associados à prática da cobrança dos famosos 10% às iniciativas de investimentos, ou querendo os mesmos se tornar (sem participação financeira) sócios de quem pretende investir, como condição para autorização do contrato.


Outrossim, se por um lado os acordos de superação de vistos em passaportes ordinários, eliminam um dos obstáculos no processo de fomento do turismo, por outro lado o elevado custo dos serviços hoteleiros e restauração, bem como a exiguidade dos mesmos sobretudo no interior de Angola, desencoraja quem pretenda escalar Angola para fins turísticos.


Finalmente, conforme o próprio título indica, um outro elemento não menos importante, neste quadro do ambiente interno tem que ver com aquilo que chamaríamos de “apropriação social da diplomacia angolana”. Numa altura em que o país já conta com um número significativo de especialistas em relações internacionais e de outras áreas de natureza análoga, que inclusive, estão organizados em associações, a ideia de apropriação social da diplomacia angolana, traduzir-se-á na estratégia de criação, por parte do Governo angolano, de um espaço público nacional de consulta, que reúne todos aqueles actores internos possíveis de influenciar na acção diplomática em particular e na política externa do país, em geral, incluindo nisto os especialistas em relações internacionais e também os de outras áreas do saber, como economistas, politólogos, juristas e engenheiros informáticos especializados na segurança cibernética, etc.


Todos estes especialistas devem ser partícipes em razão da matéria que frequentemente são discutidas na arena internacional, com vista a recolher as contribuições que possam enriquecer, sobretudo, o plano estratégico e operacional da diplomacia angolana, em particular, bem como na concepção e planificação da política externa de Angola, em geral.


A eliminação e concretização de todos esses elementos vai exigir um trabalho conjunto entre vários departamentos ministeriais, e, é um imperativo trabalhar-se neles para melhorá-los, no sentido de oferecer ao mundo uma imagem positiva e real do País, que não se limite apenas a um marketing político que visa encobrir a realidade cujo terreno desmente. Infelizmente, o quadro actual do ambiente interno angolano não é muito estimulante para captação de investimentos estrangeiros, por mais que os diplomatas se esforcem.


É fundamental, tal como observou Morgenthau, distinguir-se entre o dever oficial, que implica pensar e agir em função do interesse nacional, e o desejo pessoal do político, que é o de ver os seus próprios valores morais e seus princípios políticos realizados em todo o mundo.


Que Deus abençoe Angola e os Angolanos!


Henriques Depende - Mestrando em Gestão e Direcção de Projetos de Cooperação Internacional pela Universidade Europeia do Atlântico, Espanha.


Fontes consultadas
1. Azevedo, Diamantino. (2022, Abril 20). Regresso da De Beers à Angola confirma que as medidas do Executivo "são eficazes". Jornal de Angola. https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/regresso-da-de-beers-a-angola-confirma-que-as-medidas-do-executivo-sao-eficazes/ .
2. Barston, Ronald. (2006). Modern Diplomacy (3ª edição.). Pearson Longman.
3. Decreto-Lei nº 31/11, de 23 de Setembro. Código Mineiro Angolano. Diário da República, Iª Série - Nº 184.
4. Decreto Presidencial nº 175/18, de 27 de Julho. Política de Comercialização de Diamantes. Diário da República, Iª Série - Nº 111.
5. Farto, Manuel. (2006). A Diplomacia Económica Contemporânea. Janusonline. http://janusonline.pt/.
6. Morgenthau, Hans. (2003). A Política entre as Nações: A Luta pelo Poder e pela Paz. UnB.
7. Tainton, Ken. (2021, Novembro 26). Angola está entre os três melhores destinos do mundo para investir em diamantes, aponta Rio Tinto. Jornal Observador. https://observador.pt/2021/11/26/angola-esta-entre-os-tres-melhores-destinos-do-mundo-para-investir-em-diamantes-aponta-rio-tinto/.