Luanda - Dar é um privilégio. A pergunta não é o quanto devo dar, mas o quanto posso sacrificar.

Fonte: Club-k.net

Esta frase serve apenas para despertar a atenção do leitor quanto à atitude positiva que, na semana passada, o comandante da Polícia Nacional, no município do Huambo, intendente António Manuel Katuta, tomou, para evitar prejuízos a um grupo de vendedeiras cujos produtos foram destruídos por agentes da ordem pública.



Descontentes com a perda de seus produtos, durante a habitual correria após a chegada da viatura que transportava os agentes do Comando Municipal do Huambo, as zungueiras, desta vez, quebraram o silêncio e queixaram-se ao soba, que as ouviu atentamente.


Solidário, este, por sua vez, denunciou o caso através da rádio Eclésia, onde lamentava veementemente que algumas mulheres vendedeiras tinham acabado de perder seus negócios, isto é, os únicos e já parcos meios de subsistência.



Mas, ao contrário do que sucedeu em Benguela, onde o jornalista José Honório foi brutalmente agredido ao apelar aos agentes da corporação, que não agredissem vendedeiras, enquanto tentavam levar produtos, manchando o dia 16 de Novembro, Dia Internacional para a Tolerância, já no Planalto Central, o comandante Kituta, num grandioso gesto de humanismo, mudou o final de uma história que começou mal, mas terminou bem.


Em um acto heróico, digno de filme, primeiro, contactou o jornalista da Emissora Católica no Huambo, ao qual pediu a localização daquelas pobres mulheres.


Logo que as encontrou, visivelmente desesperadas e em lágrimas, o responsável pediu pessoalmente – cara-a-cara - desculpas pelos excessos dos seus homens.


Como desculpas não curam feridas, segundo um ditado popular angolano, o comandante fez as contas dos estragos causados pelos agentes e, sem demoras nem delongas, foi a um armazém. Comprou utensílios plásticos com dinheiro do seu próprio bolso e ofereceu-os às zungueiras.


Conta quem assistiu àquela cena que as mulheres, estupefactas e incrédulas, agora choravam de emoção, perguntando-se se aquilo era sonho ou realidade, numa sociedade onde o desprezo e a violência contra as vendedeiras passaram a ser tónica da polícia, sob o silêncio ensurdecedor do Governo.

Este gesto magnânimo da mais alta patente da Polícia Nacional na cidade do Huambo não se fica por aí. Como forma de se redimir, o oficial teria também dado, a cada uma, algum valor monetário como se fosse uma indeminização, para reparar os danos da brutalidade.


Reconstruídas as pontes de diálogo com as indefesas zungueiras, António Manuel Katuta ainda posou à vontade para foto, ao lado delas, na via pública. Ao mesmo tempo, prometeu fazer que agentes e vendedeiras interajam pacificamente na cidade do Huambo.


Com este gesto sem precedentes nas hostes da Polícia Nacional de Angola (PNA), o comandante do Huambo fez jus ao provérbio segundo o qual: “um exemplo vale mais que mil palavras”.

Sem rodeios nem perdas de tempo com comunicados espalhafatosos, defendeu e muito bem que a polícia é, de facto, uma instituição de bem. Mesmo assim, os homens, às vezes, falham.

Apenas pouco mais de duas semanas desde a agressão do jornalista da ANGOP, por nove agentes do Comando Municipal de Benguela, a “Cidade Vida”, o Huambo, torna-se, assim, timoneira no apaziguamento do “irritante” entre polícias e estas mulheres batalhadoras que vivem miseravelmente da zunga.

Mudança de paradigma ?

Agora, a sociedade pergunta-se se o gesto do comandante Katuta é apenas para “inglês ver”, ou se estamos perante uma mudança de paradigma na actuação da Polícia Nacional, tão esperada pelos cidadãos de bem.

Seja como for, dúvidas já não restam de que o melindroso caso José Honório trespassou o coração da Polícia Nacional, fazendo que despertasse para alterar a abordagem para com o cidadão, principalmente quando este não representar perigo ou ameaça relevante.

Há boas expectativas. É curial que os agentes aprendam a respeitar os direitos mínimos da pessoa humana, evitando, sempre que possível, a apreensão de produtos, cuja venda, com suor e sacrifício, garante pão para muitas crianças sob dependência directa das vendedeiras.

E por falar em sacrifício, a inesperada atitude do intendente Katuta pode e deve ser replicada por outras patentes da Polícia Nacional no país, na medida em que Deus nos criou para amar as pessoas e usar as coisas; o nosso problema está em amar as coisas e usar as pessoas.

Na sociedade actual, milhares de famílias angolanas têm na venda ambulante diária a única maneira de sobreviver à fome e resistir à extrema pobreza que as apoquenta.

É necessário lembrar de que, hoje em dia, os níveis de pobreza crescem a grande velocidade, no nosso país.

Esta situação tem destruído o tecido familiar em Angola, a célula básica da sociedade e da humanidade, empurrando muitos cidadãos para a penúria nunca dantes vista.

Basta olhar para o número de mendigos, entre os quais crianças de tenra idade, idosos, cegos e pessoas com mobilidade física condicionada, que tomaram de assalto as ruas e avenidas das principais cidades, estendendo a mão a quem possa ajudar nos cruzamentos, à porta de lojas.

Já para não falar dos que, receando estar no fundo do poço e sem qualquer alternativa, entregaram-se à criminalidade, à prostituição, ao alcoolismo e ao tabagismo.

Perante este quadro, as autoridades governamentais precisam de compreender e aceitar esta dura realidade, fazendo que os fiscais das administrações municipais e polícias respeitem o direito à luta pela sobrevivência de quem exerce essa actividade precária.

Mais importante ainda: muitas destas mulheres são o único pilar de famílias monoparentais, com muitas bocas para sustentar sozinha, em função da crescente fuga à paternidade, maioritariamente por agentes da Polícia Nacional.

Assim, recolher coercivamente produtos prejudicando este grupo de mães solteiras é desestabilizar famílias, já à rasca, deixando crianças ao “deus-dará”.

Aliás, o tão propalado discurso governamental visa o combate à pobreza e não aos pobres coitados. Que o diga o tal Kwenda…

Por outro lado, geralmente, as autoridades denotam dificuldades para restituir produtos apreendidos, que as zungueiras chegam a adquirir, por vezes, a crédito com juros injustos.

Essa é a razão por que as vendedeiras se alvoraçam sempre que são surpreendidas por uma viatura policial, correndo como aves em debandada, algumas com bebés às costas.

Para trás, deixam mercadoria, nomeadamente frutas, hortaliças, leguminosas, peixe, roupas. Em caso de apreensão, todo negócio vai “por água abaixo”.

Ainda assim, caberá ao agente da ordem pública escolher entre sensibilizar e, quem sabe, até com amor e solidariedade as pessoas que se dedicam à venda ambulante ou então punir quem já anda severamente punido pelos longos anos de pobreza.

Olha puxa katuta, arranca katuta. São problemas, pá.