Luanda - 1.A Amnistia enquadra-se no que é comum designar-se em Direito Penal, de Direito de Graça e inclui, além da amnistia, o perdão, o indulto e a comutação. Este Direito de Graça constitui, o resquício do Poder do Estado antes da divisão tripartida do poder, assegurando assim quer à Assembleia Nacional e ao Chefes de Estado alguma margem de intervenção residual no poder judicial, tal como este último também detém nesga de intervenção nas funções daqueles.

Fonte: Club-k.net

2.A aministia é uma causa de extinção da responsabilidade criminal, (138.º do CP) determinada pelo poder legislativo, que elimina genericamente a incriminação de factos passados. Se ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença condenatória extingue o procedimento criminal e se ocorrer após a condenação transitada em julgado extingue a execução tanto da pena como dos seus efeitos como da medida de segurança. É uma medida de graça e ao mesmo tempo pressuposto negativo da punição.


3.Foi publicada no Diário da República, I Série – N.º 244, de 23 de Dezembro de 2022, a Lei n.º 35/22 (Lei da Amnistia). A referida Lei, contrariamente a versão inicial apresentada pelo preponente contem excessos, absurdos jurídicos e demonstra ignorância do legislador em matéria penal.


4. A primeira nota diz respeito ao limite da pena de prisão dos crimes abrangidos pela amnistia que consta no artigo 1.º. 8 (oito) anos é o limite da pena de prisão. Não sei que estudos foram feitos? Quando? Como? e quem os fez entre 12 de Novembro 2015 a 11 de Novembro de 2022, para chegar a conclusão que o limite ideal da pena, do ponto de vista político-criminal é, efectivamente, 8 (oito) anos. Também não sei se, o Legislador sabe que entre 2015 a Fevereiro de 2021, vigorou o CP de 1886, cuja pena de prisão em termos gerais era de 3 dias a 24 anos, estando escalonadas em 3 dias a 2 anos de prisão; 2 a 8; 8 a 12; 12 a 16; 16 a 20 e 20 a 24 anos de prisão (artigos 55.º e 56.º). No actual CP, a pena de prisão tem um mínimo de 3 meses de prisão e máximo 25 anos (artigo 44.º). Em função da natureza do crime e sua gravidade, o Legislador determinou as penas para cada crime, mas sem atender a dosimetria penal do CP de 1886. Isto significa, que ficam prejudicados da amnistia, os arguidos que praticaram crimes entre 2015 a 2021 (data da entrada em vigor no novo CP) e os que praticaram crimes à luz do novo CP pouco ou nada beneficiam. Aliás, seria importante que o Legislador explicasse porque saiu do limite de 12 anos (Lei da amnistia de 2016) para 8 anos (Lei da amnistia de 2022). Seria importante porque no Relatório Parecer Conjunto na Especialidade, da Assembleia Nacional, que tive acesso, para além da “alteração” e “substituição”, usando expressões que já são ladainhas na prática legislativa, tais como “onde se lê”, “passa ter a seguinte redação”, desacompanhada da fundamentação exigível pela CRA e pelo Direito, nada mais consta. Não se sabe, assim, se tratou de facto do Parecer de um Órgão de Soberania e Representante do Povo ou de opiniões pessoais de alguns iluminados.

 

5. No artigo 2.º (Perdão), n.º 1, o Legislador condiciona o perdão pelo trânsito em julgado da decisão. Ora, mas o Legislador quer ou não perdoar? No n.º 3 do mesmo artigo e no 4 do artigo 3.º o Legislador não perdoa, de forma genérica, o que é perigoso, “os crimes dolosos de que tenham resultado morte ou ofensa grave a integridade física” e os “crimes sexuais.” Sobre os crimes sexuais é excessivo e absurdo do ponto de vista político-criminal que o Estado não amnistie nem perdoe, por exemplo, o assédio sexual (186.º) e a importunação sexual (191.º), cuja prática, deste último crime, pode traduzir-se no simples acto de exibição dos órgãos genitais a outra pessoa.


6.Como demonstração que o Legislador desconhece o CP de 2020, que o mesmo aprovou, na al. d) do n.º 1, artigo 3.º, estabelece que a Lei da amnistia não abrange o “crime de tráfico sexual de pessoas” e na al. f) os “crimes sexuais”. Ora, porque o Legislador autonomiza na Lei, o “crime de tráfico sexual de pessoas” (190.º) se é igualmente um “crime sexual”, isto é, contra a liberdade sexual. Que o pretende o Legislador transmitir?


7. Outro absurdo e excesso, consta no n.º 2, do artigo 3.º onde se estabelece que “não são amnistiados os reincidentes e os agentes de crimes que se encontrem em situação de concurso efectivo de infracções”. Mas, o Legislador sabe Direito Penal ou vincaram na Lei opiniões de alguns Deputados iluminados? Senhores Legisladores, o único fundamento para não amnistiar é ser “reincidente”?, por um lado. Por outro lado, se um indivíduo, por exemplo, injuria (213.º) ou difama (214.º) “em situação de concurso efectivo de infracções”, também não deve ser amnistiado? Mais uma vez, pergunto, o fundamento para não ser amnistiado é somente o “concurso efectivo de infracções”? Isto é razoável do ponto de vista político - criminal? Foram opções ponderadas, fundamentadas com jurisprudência, dogmática e doutrinal penal ou deixaram-se levar pela emoção e força das palavras “reincidência” e “concurso efectivo de infracções”. Onde ficam os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade do artigo 57.º da CRA?


8.Sendo o Estado “pessoa de boa fé” ao condicionar o perdão pelo trânsito em julgado da decisão, não amnistiar nem perdoar todo o tipo de crimes sexuais, não perdoar os crimes dolosos de que tenham resultado morte ou ofensa grave a integridade física, não amnistiar agentes reincidentes ou que tenham praticados crimes em concurso efectivos de infracções, transmite a ideia, salvo o devido respeito, de um Estado (Legislador) “rancoroso” e “vingativo” que trata os seus cidadãos que tenham cometido crimes como se de verdadeiros inimigos se tratassem à estilo de Gunther Jakobs (Direito Penal do inimigo). Os excessos e absurdos desta Lei da amnistia contrariam o sentido de “Direito de Graça” própria da amnistia e perdão.


9. Termino lembrando Alexandre Lacassagne, “cada sociedade tem os criminosos que merece.”


10. Sobre as demais excepções que a Lei apresenta falarei depois. Por agora, Santo Natal e Próspero Ano Novo, para todos amigos, amigas e respectivas famílias.