Luanda - Em África, o branco é a cor dos mortos, dos ancestrais, mesmo que os alienados gostem dela por outros motivos, por ignorância. É a cor do luto, da passagem da morte ao renascimento, da mutação dos seres, dos espíritos e do mundo invisível. Quando eu era pequeno em Mbanza-a-Kongo, os espíritos dos mortos, que voltavam a vagar pela cidade ou pelas nossas lavras, eram sempre vistos pelos vivos de branco. Na cosmogonia africana, os mundos visível e invisível se cruzam e se distinguem claramente. A tradição ensina, de geração em geração, o significado das coisas, inclusive das cores. Em Mbanza-a-Kongo, a cor branca não estava associada à felicidade na minha infância, era uma cor mística, apesar de todos os esforços do cristianismo para a enobrecer. A minha mãe, que tinha o dom de ver coisas invisíveis, sempre pedia aos espíritos que via dia e noite, no nosso bairro ou a caminho das lavras, que voltassem para o lugar de onde vinham e 'parassem de perturbar os vivos'. E o meu irmão Lucas, filho da minha tia materna Carolina, que teve a infelicidade de ser incomodado por espíritos na infância, sempre os descreveu como brancos. Ele gritava alto quando os via antes de cair e desmaiar. Sempre foi encontrado no chão, inconsciente. E a mãe dele, a minha mãe, a nossa avó materna ou qualquer pessoa que o encontrasse no chão ou que fosse informada da situação sempre vinha dizer as mesmas palavras, pedindo aos espíritos que deixassem o Lucas em paz e fossem ter com os responsáveis das suas mortes.

Fonte: Club-k.net

As nossas noites eram horrorizadas pelo menor pensamento de cruzar com espíritos enquanto caminhávamos à noite. As nossas belas infâncias também inspiravam alguns de nós a ser cruelmente travessos e a tirar vantagem egoísta da situação para assustar os outros. Ao lado da nossa casa, ao descer a rua, na casa que vinha depois da nossa, a do tio Geral, havia uma grande árvore de ramos compridos e folhas grossas. Quando passávamos, muitas vezes vindos da casa da tia Carolina, duas casas abaixo, sempre tinha alguém do grupo que gritava ou fazia um gesto brusco de propósito para assustar os outros. Pulávamos com medo e corríamos ofegantes para a casa. E alguns de nós caíam e os nossos corações quase se partiam com a ideia de sermos pegos por um espírito, especialmente nas noites em que não havia eletricidade. Quando o vizinho Lengosse morreu num acidente de moto, era visto quase todas as noites parado no pilar de eletricidade que ficava entre a nossa casa e a casa que ele havia alugado antes de sair para morar mais longe, num outro bairro. Podíamos ouvir a nossa mãe gritando para ele sair dali, ir ver o responsável pela sua morte e deixar o nosso bairro em paz. Os espíritos ouvem e vão embora quando confrontados, dizendo-lhes coisas justas. A minha mãe dizia-nos que o espírito do vizinho Lengosse ia embora sempre que ela lhe pedia quando o via à noite naquele pilar.


Na nossa caminhada rumo à descolonização dos nossos imaginários, iremos um dia também estabelecer um inventário antropológico das cores. Partindo do ponto de vista histórico, cultural e linguístico, apoiar-nos-emos nos factos da civilização africana atestados em todas as sociedades negro-africanas, inclusive a do Egipto faraónico, para compreender o significado das cores no contexto africano. Aprenderemos, por exemplo, que a cor preta significa maturidade em África. É a cor das origens, da nova vida, das possibilidades e do renascimento, como demonstra Oscar Pfouma no seu livro "L'harmonie du monde : anthropologie culturelle des couleurs et des sons en Afrique depuis l'Égypte ancienne". É sem dúvida por esta razão que os estilistas ocidentais mais refinados fizeram dela a sua cor simbolizando a elegância. Assim, para este final de ano, enquanto os Assimilados estarão vestidos de branco, cor que para eles simboliza elegância, pureza, luz e inocência, consequência da sua colonização mental, eu estarei de preto, cor da maturidade. Feliz Ano Novo!

Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), colunista lifestyle da revista Forbes Afrique, cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.