Luanda - 1. Introdução: Na semana finda os meios de comunicação veicularam uma informação dando conta de que o Tribunal Supremo ordenou o arresto preventivo de bens pertecentes à empresária Isabel dos Santos, deles se destacando saldos existentes em contas bancárias tituladas pela empresária com domicílio em vários bancos comerciais no país e participações sociais detidas pela mesma em várias empresas em Angola e no estrangeiro, bem ajustado, em termos pecuniários, fala-se em cerca de USD 1.136.996.825, 56 (mil milhões, cento e trinta e seis milhões, novecentos e noventa e seis mil, oitocentos e vinte cinco Dólares e cinquenta e seis cêntimos). Uma quantia nada módica.

Fonte: Club-k.net


Esta notícia suscitou várias reacções nas redes sociais e não só, muitos internautas levantaram questões pertinentes à respeito da decisão do Tribunal que recai sobre os bens da empresária. Algumas correntes de opiniões questionam a competência do tribunal, outras questionam os procedimentos e a validade da decisão.


Na verdade, tratou-se de um Despacho-Sentença proferido em primeira instância pelo Tribunal Supremo, recaindo sobre uma Providência Cautelar de Arresto requerida pelo Ministério Público, agindo em nome do Estado.


A intensidade das preocupações manifestadas por vários intervenientes acabou por deixar os demais confusos sobre se os bens foram definitivamente perdidos a favor do Estado ou se haverá chances de recuperação dos mesmos pela empresária.


Neste pequeno exercício, vamos procurar explorar o procedimento cautelar ao qual o estado, através do Ministério Público, lançou mãos para salvaguardar os seus legítimos interesses visando aclarar uma das preocupações manifestadas.


2. Nocão de Providência Cautelar (Generalidade)


No âmbito do Processo Civil, o nosso ordenamento jurídico oferece um conjunto de institutos jurídicos ou procedimentos cautelares (art. 381.º CPC) aos quais podemos lançar mãos para salvaguardar os nossos legítimos interesses (bens ou direitos) sempre que haja um fundado receio de alguma circunstância ou ameaça susceptivel de lesar ou pôr em perigo a integridade dos mesmos.

 

Neste universo de procedimentos cautelares, podemos surpreender-nos com providências cautelares classificadas como especificadas e não especificadas. As providências cautelares especificadas, que podem anteceder ou correr em forma de incidente no decurso de uma acção principal, são aquelas que a lei determina de forma especifica e típica, tais como a providência cautelar de alimentos provisórios (art. 388.º CPC) – aplicável em casos de incumprimento de prestação de assistência à menores; providência cautelar de restituição provisória de posse (art.393.º CPC) – aplicável em casos de esbulho (ocupação ilegal) de propriedade/imóvel e a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais (art. 396.º CPC) – aplicável em situações em que alguma deliberação social lese os interesses de algum sócio ou destinatário presente ou ausente.


Por outro lado, temos a classe das providências cautelares não especificadas (art. 399.º CPC), as quais podem abranger um universo de situações não especificadas por lei. Nesta catergoria, na secção VI do CPC, encontraremos a providência cautelar de arresto (art. 402.º CPC), instituto utilizado pelo tribunal, no caso em análise, para a apreensão judicial dos bens da empresária Isabel dos Santos, o qual merecerá a nossa maior atenção nos próximos parágrafos.

 

Noutra classificação, os procedimentos cautelares podem ser conservatórios e antecipatórios. São conservatórios aqueles que visam preservar um dano ou lesão marginal que põe em risco o processo principal (Ex o arresto). São procedimentos cautelares antecipatórios aqueles que visam antecipar os efeitos úteis da acção principal (Ex alimentos provisórios).

 

De um modo geral, a providência cautelar é melhor entendida como uma medida judicial que visa evitar que, no decurso de um determinado processo judicial, ocorra uma situação de facto consumado (danosa) que torne inútil o efeito prático da acção pretendido pelo requrente/possível lesado, ou, que seja consumada a lesão receada pelo mesmo ao seu direito/bem, sendo o dano iminente e dificilmente reparável.


3. Providência Cautelar de Arresto


A providência cautelar de arresto colhida no artigo 402.º do CPC, constitui, depois da Declaração de Nulidade, da Sub-rogação do Credor ao Devedor, da Acção de Impugnação, o último meio conservatório de garantia geral e patrimonial do credor de natureza crediticia ( Paulo Campos).


Esta medida típica, visa a apreensão cautelar de bens do devedor, com a finalidade de garantir uma futura execução, tendo claras ligações com o instituto da penhora do ponto de vista funcional e da sua fisionomia estrutural.


A aplicação da medida de arresto impõe sérios efeitos restritivos à esfera jurídica do devedor que colidem com os seus direitos de propriedade, nomeadamente a faculdade de usar, gozar e dispor ou reivindicar a coisa. O arresto tem na mira a execução do património do devedor pelo não cumprimento das suas dívidas e assegura ao credor a conservação da garantia patrimonial mediante a apreensão oportuna dos seus bens susceptíveis de responder pelas suas dívidas. Ele aplica-se quando o credor disponha de razões objectivas que justifiquem o receio da perda, ocultação, dissipação ou solvabilidade de bens do devedor que possam responder pelas obrigações a que está adstrito perante o credor.


Nestas situações, pode o credor promover a execução dos bens do devedor. Porém, devido a demora que se regista na tramitação do processo executivo, nem sempre é prudente e eficaz optar por ele devido ao risco de ocultação ou dissipação de bens susceptiveis de penhora por parte do devedor. É aqui onde o arresto, devido à celeridade e urgência na sua tramitação processual, se mostra como sendo o meio mais eficaz para garantir o ressarcimento de possiveis prejuizos ao credor.


4. Requisitos do Arresto


Qualquer credor comum pode requerer a providência cautelar de arresto, bastando observar os requisitos previsto na lei (artigo 403.º CPC). O credor que tenha fundado receio de perda da garantia patrimonial deduzirá os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, descrevendo, se puder, os bens que devem ser apreendidos, com a indicação do seu valor.


Porém, é importante notar que o receio, para poder considerar-se um "justo receio" deve apartar-se do subjectivismo do credor ou do juiz e alicerçar-se nas circunstâncias e factos demonstrados e devidamente fundamentados, daí o fundado receio referido na disposição legal supra.


Além deste requisito preliminar, existem outros pressupostos processuais para a procedência do arresto, designadamente o periculum in mora e o fumus bonis iuris. O arresto depedende da verificação comulativa da probabilidade de existência de um crédito ( fumus bonis iuris) e que o credor tenha o justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pelo decurso do tempo ( periculum in mora ). Os factos constitutivos destes dois requisitos devem ser devidamente alegados e fundamentados pelo credor no requerimento inicial. Significa que nos casos em que o arresto é deduzido pelo credor perante o devedor, cabe ao credor o ónus de alegar e provar de forma plausível a existência do seu crédito para os quais ele preenche o primeiro requisito.


5. Concluindo


Chegados aqui, voltemos à nota introdutória para concluir e aclarar uma das preocupações atrás referidas, é importante realçar que a providência cautelar de arresto, apesar de se revelar eficaz e célere em processos como este que envolve a empresária Isabel dos Santos, trata-se de uma medida meramente instrumental e assessória do ponto de vista processual, destinando-se apenas para a obtenção de medidas urgentes e necessárias ao bom andamento de um outro processo, conhecido como processo ou acção principal. Nestes moldes, a providência cautelar pode ser requerida de modo preparatório antes do processo principal ou incidental no decurso do processo principal. Mas, dependendo sempre do desfecho da acção principal para a sua subsistência.


Isto significa que no caso do processo em apreço, apesar de os bens terem passado provisoriamente para a esfera jurídica do estado, através das entidades nomeadas como fiel depositárias, a empresária Isabel dos Santos continua a ser a legítima proprietária dos bens arrestados até que o processo ou acção principal transite em julgado ou seja decidida pelo tribunal. Contam-se 30 dias a partir da data de notificação do arresto para que o requerente introduza em juizo a acção principal. É com o desencadear do processo principal em que a requerida será convertida em arguida que esta terá a possibilidade de se defender embargando, opondo-se ou recorrendo, conforme a situação em concreto. Tenho dito.


Simão Pedro

Jurista&Politólogo