Luanda - Logo no inicio do ano, entre 09 e 25 de janeiro de 2023, estiveram em África, em peso, as personalidades de destaques das três superpotências mundiais, visando reforçar as suas relações de cooperação bilateral com os governos africanos, no contexto da Guerra da Ucrânia, da Geopolítica Mundial e da Parceria Estratégica. Estou-me a referir a digressão pela África do Qin Gang, Ministro dos Negócios Estrangeiros da China; da Janet Yellen, Secretária das Finanças e do Tesouro dos Estados Unidos da América; e do Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa. Importa sublinhar que, além da Janet Yellen, os dois Ministros das Relações Exteriores da China e da Rússia, acima referidos, estiveram em Luanda, como sendo o alvo estratégico da sua missão diplomática à África.

Fonte: Club-k.net 

Além disso, o Antony Blinken, Secretário de Estado dos EUA, neste mesmo período, desdobrou-se em inúmeros contactos diplomáticos com as lideranças africanas, inclusive com o Presidente de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, que participou igualmente na Cimeira EUA-África, que teve lugar em Washington entre 13 e 15 de dezembro de 2022. É importante salientar o facto de que, embora haviam divergências agudas entre as três (EUA, China e Rússia) superpotências mundiais; mas a verdade é de que, a invasão da Ucrânia pela Rússia não somente agravou a crise económica mundial, de todos os países do mundo, mas sobretudo, ela desarticulou totalmente a Nova Ordem Mundial que emergiu na década 90, no rescaldo da Guerra-Fria.


Ora bem, a globalização do mercado internacional, por exemplo, ficou afectada fortemente pela invasão da Ucrânia e pelas sanções económicas contra a Rússia, um país mais rico em petróleo, em gás, em diamantes e em cereais, sobre os quais dependem os países europeus e africanos, sobretudo da Região do Sahel, que está fortemente afectada pelas secas cíclicas, resultantes das mudanças climáticas.


Nesta referência, as duas maiores economias mundiais (EUA e China), com o peso enorme no mercado internacional, estão de costas viradas, sem a vontade política para superar as suas divergências de modo que haja a confiança no mercado internacional, capaz de incentivar os grandes investidores e dinamizar a economia mundial, que ficou fortemente abalada pela pandemia da Covid-19 e pela oscilação do mercado petrolífero.


Por isso, devida as rivalidades entre as potências ocidentais e asiáticas, começa a emergir novamente a bipolarização do mundo, com a tendência de surgir o mercado asiático, como um polo económico, dominado pela China. Aliás, a Rússia, que tinha uma implantação forte no mercado europeu, agora está virada para China, India e Paquistão, em condições precárias.


Portanto, as movimentações diplomáticas das três potências mundiais, acima referidas, estão enquadradas na geoeconomia e na geopolítica mundial, em que, o Continente Africano constitui o objectivo principal das potências mundiais, em busca do poder global e da supremacia mundial. Por isso, eu tenho dito que, o domínio do mundo passa necessariamente pelo controlo do Continente Africano. Isso, não se trata apenas da abundância dos recursos naturais estratégicos que ela possui, mas sim, da sua localização geográfica no coração dos Continentes, banhada por Oceano Atlântico, Oceano Índico e o Mar Mediterrâneo.


Note-se que, a zona mediterrânea não é rica apenas em recursos petrolíferos, mas sobretudo, é uma via marítima muito importante e mais curta, que passa por Canal do Suez e pela Estrada do Gibraltar, que ligam os dois oceanos, acima referidos. Enquanto que, a via marítima que passa em torno da Cidade do Cabo é mais longa, em termos do comércio mundial. Como sabemos, a migração africana com destino à Europa passa pelo mar mediterrâneo, onde as pessoas arriscam as suas vidas, afogando-se no mar, em busca de melhores condições de vida na Europa Ocidental.


O mais caricato é de que, embora a Rússia fica muito próxima da Turquia e da Grécia, onde os emigrantes africanos passam, mas ninguém, e ninguém mesmo, se dirige para Rússia ou para China, que são as grandes potências asiáticas, que apoiaram os africanos na luta pela independência, e que, neste momento, têm uma presença forte nos Países Africanos.


Portanto, o fenómeno migratório, com destino ao ocidente, deve merecer uma reflexão profunda das elites africanas, do Kremlin e do Beijing, que mantêm laços históricos de amizade e de solidariedade com os povos africanos desde a época colonial. Hoje a sua presença em África é bastante enorme, explorando massivamente os recursos naturais africanos, mas sem exercer algum impacto sobre a redução dos níveis elevadíssimos da pobreza e do subdesenvolvimento. Isso podia fazer diferença positiva em relação ao sistema colonial europeu. Pelo contrário, a estrutura social africana desde as independências degradou-se, com níveis de pobreza crescentes, causando o fluxo migratório da população activa africana para Europa e para os Estados Unidos da América.


Na verdade, sem ocultar as coisas, existe de facto uma pequena classe de capitalistas africanos, que é altamente rica e corrupta, aliada aos interesses das potências mundiais, que pilham os recursos naturais africanos. Essa elite africana, que emergiu do processo da descolonização, tem os seus activos fabulosos escondidos nas metrópoles ocidentais, onde passam mais tempo com as suas famílias, e onde estão os seus filhos a estudar nas melhores Escolas e Universidades, enquanto os seus povos padecem na indigência, na opressão e na pobreza extrema.


Por isso, as afirmações do Ministro Russo, Sergey Lavrov, em Luanda, é um paradoxo, de tentar fazer a comparação entre a Guerra da Ucrânia, o Colonialismo Português e a Guerra Civil Angolana, este último, que ocorreu durante a Guerra Fria, e cujo desfecho provocou o desmoronamento do Império Soviético, a Perestroika e o Glasnost. Veja que, a Guerra da Ucrânia, em termos da dimensão, do grau de violência e da doutrina, só pode ser comparada com a 2ª Guerra Mundial, em que, Alemanha perpetrou o «holocausto» contra o povo judeu.


Pois, o que está sendo feito na Ucrânia é uma limpeza étnica, um genocídio. Só que, o ser humano não aprende com a história, vendo pelo aquilo que os Judeus estão a fazer contra o Povo Palestino, cujas terras foram ocupadas, a viver em campos de refugiados, cercados pelas tropas israelitas, e a ser mortos todos os dias, como se fossem animais selvagens.


Na minha opinião pessoal, em relação a conjuntura actual do mundo, não devemos apenas olhar para os aspectos da geopolítica mundial, da militarização da Ucrânia, da confrontação semidirecta entre a Rússia e a NATO, mas sim, devemos analisar (em perspectiva) profundamente qual será o desfecho mais provável desta guerra, e quais serão as suas consequências a nível mundial – com destaque à África.
Para que, se fizermos isso, permitir-nos-á ter uma visão realista do mundo, que nos permite tomar decisões correctas, formular políticas externas realistas e conduzir habilmente a nossa diplomacia. Pois, é importante termos a previsibilidade do final desta guerra e da ordem mundial que emergirá desta confrontação indirecta ou directa entre a Rússia e a NATO. Tendo em consideração de que, com a evolução da situação no terreno, é bem provável de que haja uma solução diplomática, negociada na mesa, ou isso conduza a uma confrontação directa entre o Ocidente e a Rússia, que mergulhará o mundo na 3ª Guerra Mundial, sem descurar o uso de armas nucleares no teatro de guerra.

 

O posicionamento da China, neste respeito, dependerá da visão do Beijing e da rapprochement entre Joe Biden e Xi Jinping. Todavia, se formos a analisar bem a política externa chinesa, é fácil notar que, a China já sabe o que ela vai fazer e já tem uma estratégia bem definida para todos os cenários da geopolítica mundial. Pois que, a China tem uma política subtil que assenta na expansão económica como instrumento de alcançar o poder global e a supremacia mundial. Ela conduz uma política de détente, de apaziguamento e de rapprochement com Washington e com a Europa, evitando envolver-se directamente na guerra da Ucrânia, mantendo uma relação estreita com Kremlin. A China sabe que, o afastamento da Rússia do mercado europeu favorece a sua posição estratégica; já que, isso aumenta a dependência da Rússia sobre o mercado chinês, reduzindo assim a influência do Moscovo na Ásia.
Em relação à África, a minha preocupação não consiste muito naquilo que é a guerra da Ucrânia, mas sim, na doutrina do Kremlin diante a Ucrânia. Como sabemos, os Estados actuais africanos foram delineados na Conferência de Berlim sem ter em consideração a existência das Nações Africanas pré-coloniais, que eram de facto Estados soberanos. A divisão territorial feita em Berlim constitui o fundamento jurídico dos Estados africanos pós-independência, e isso, foi assumida integralmente pela Organização da Unidade Africana e mais tarde pela União Africana. Mesmo assim, essa «divisão colonial» do Continente Africano tem sido contestada e tem sido a fonte de instabilidades e de conflitos internos nos Países Africanos, entre as diversas Etnias e Nações, com Culturas e Línguas distintas.


Logo, a «Doutrina Putin», do uso de força e do desrespeito dos princípios da igualdade, da soberania e da integridade territorial dos Estados, se tiver o beneplácito (explícito ou implícito) da União Africana e dos Países Africanos, quais serão as consequências? Repare que, o «sentimento de pertença étnica» contra o «espirito de Estado-Nação ou de Estado-Nações» continua bem enraizado nas sociedades africanas, inclusive em Angola, na qual algumas elites da sociedade angolana estão altamente aculturadas, assimiladas e alienadas, com uma postura bastante hostil contra os valores culturais dos povos nativos africanos. Por natureza, isso corrói o espirito patriótico da unidade nacional, assente no princípio do Estado-Nações, que integra todas as Etnias no mesmo espaço territorial definido na Conferência de Berlim.


Para dizer que, a nossa postura, como africanos, deve basear-se na Realpolitik, definir a nossa politica externa não é na base da «solidariedade histórica», invocado por Sergey Lavrov; pelo contrário, deve basear-se na realidade concreta dos nossos povos, dos nossos países e do nosso Continente perante a geopolítica mundial, e tendo em vista as consequências. Eu percebo que, a África está num dilema devida a condição de dependência económica e tecnológica sobre as potências industrializadas. Essa condição de fraqueza retira-nos a autoridade de tomar decisões livremente sem que haja a pressão externa das grandes potências, como está a acontecer agora com a China, a Rússia e os Estados Unidos da América durante a última digressão diplomática pela África.


No caso concreto de Angola, há compromissos assumidos com a Rússia, com a China e com os Estados Unidos da América. Na realidade, existe o conflito de interesses em Angola entre essas potências mundiais, que se colide frontalmente. Logo, se não existir prudência, tacto e realismo há o risco de “desestabilização” do país pelas potências mundiais, ávidas de implantar-se, afirmar-se e controlar o Continente Africano por todos os meios.


Na minha leitura, o MPLA não é capaz de livrar-se da Rússia e da China, tendo em conta o volume dos seus interesses (investimentos, créditos e dividas) estratégicos no país, que condicionam a soberania e a integridade territorial de Angola. Como é do conhecimento geral, a nomenclatura do Partido no Poder, é parte integrante desses interesses estratégicos, como sócios das multinacionais que exploram o petróleo, os diamantes e os outros recursos minerais do país. Por outro lado, os Estados Unidos da América é a maior economia do mundo, com um potencial tecnológico mais avançado. Acima disso, os EUA têm sob sua alçada os sistemas bancários, financeiros e monetário internacional. Com este potencial económico, tecnológico e científico seria imprudente atrever-se em desafiá-los e afastá-los, a favor de outras potências mundiais.


Nesta dinâmica, o mais caricato é ainda o facto de que, o mercado angolano quer formal quer informal está nas mãos dos investidores, comerciantes, agentes económicos e contrabandos estrangeiros. Os cidadãos angolanos estão empurrados à periferia, absolutamente bloqueados e marginalizados, sem acesso aos circuitos financeiros que estão dominados por um pequeno grupo de magnatas do circulo interno do poder.


Este grupo interno do poder esconde atrás das empresas estrangeiras, que exploram a mão-de-obra barata dos angolanos, em condições muito precárias; sem ter contractos de trabalho, e expostos às despedidas anárquicas, sem indemnização nenhuma. Importa enfatizar que, este fenómeno é quase generalizado em África Subsariana, que caracteriza o sistema neocolonial que emergiu logo após as independências, assente na doutrina da acumulação primitiva de capitais, isto é, do enriquecimento rápido e ilícito.


Em síntese, o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço está num grande dilema no que diz respeito a política externa e a política interna. Pois, a sua leitura dos fenómenos mundiais não tem sido realista e prudente. Neste âmbito, devemos salientar o facto de que, a política externa de um Estado requer a subtileza para lidar habilmente com situações difíceis, e sem ferir suscetibilidades, criando o equilíbrio, acautelando os interesses de todos, diversificar o espaço de cooperação internacional, observar atentamente o direito internacional e ajustar as metas e os objectivos estratégicos de acordo com a conjuntura nacional e internacional. Com efeito, a legitimidade política e a legalidade democrática são os fundamentos do Poder que concedem a credibilidade, a dignidade e o prestigio de um estadista perante os parceiros internacionais. Quando isso não acontecer, o Estado fica vulnerável e perde a dignidade e a autoridade dentro e fora do País.

 

Enfim, quanto à configuração da nova ordem mundial, seja qual for o desfecho da Guerra da Ucrânia, a verdade é que, os grandes acontecimentos, como desta guerra, sempre tem o potencial de alterar a ordem mundial e provocar transformações políticas, sociais e económicas profundas das sociedades.
Ali reside o cerne desta problemática que deve nortear a nossa visão estratégica, para que o nosso país não esteja do lado errado da história e não seja o trampolim das potências mundiais, ávidas de tomar conta da África, pilhar os seus recursos naturais e oprimir os povos africanos.

Luanda, 29 de Janeiro de 2023.