Paris - Os negros americanos são indiscutivelmente os que melhor conhecem a supremacia branca e que mais a desafiaram. Já a desafiaram em todas as áreas e principalmente intelectualmente. Dissecaram a sua astúcia e os seus vícios e até souberam inventar palavras para os nomear. Nos espaços mais deficientes de conhecimento sobre a supremacia branca, encontramos a lusofonia na liderança, onde a intelectualidade se limita a imitar os brancos e buscar a sua aprovação. Isso explica, por exemplo, que em Angola, no Jornal de Angola, velhos com orelhas musculosas pelo assimilacionismo já não conseguem entender porque o nome da rainha Nzinga não deve ser escrito à portuguesa. Em vez disso, insistem em escrevê-lo "Ginga" porque escrevê-lo corretamente, com o seu som africano, minaria os fundamentos que moldaram os seus imaginários. Mas também temos um consolo quando vemos que são as mesmas pessoas que dizem conhecer Le Corbusier sem saber escrever o seu nome. Então isso também é alienação, muita fumaça para criar uma distracção. Outros falam da ciência de Alain Finkielkraut sem se distanciar do intelectual racista que ele é. No fundo, parece que os Assimilados não se apropriaram plenamente da noção de universalismo que defendem e que esta só seria concebível quando definida como a soma dos particularismos e não o seu apagamento em benefício da supremacia branca, que eles incorporam através da sua educação e meios familiares. Falharam em entender que a discriminação enfrentada pelos não-brancos decorre da supremacia branca, que é a única beneficiária. Nunca compreenderão, pois, que esta mesma realidade, a supremacia branca, os faz participar no apagamento dos imaginários negros e das culturas angolanas, que atacam constantemente e que nunca quiseram defender, excepto quando as folclorizam para divertir a minúscula e racista lusofonia. Por exemplo, como explicar que Eduardo Paim, na sua linda música, Rosa Baila, evoca toda uma vertente do imaginário africano (macumba, kilumba, feitiço, kianda, banda) para falar de uma bela e distinta bailarina e que no seu clipe ela é encarnada por uma mulher branca, que está longe do imaginário evocado e que além disso não sabe dançar, já que se contenta em virar-se em volta de si mesma, sacudindo o seu vestido que não evoca nada africano? Esse clipe é tão problemático que chega a premiar essa mulher com o corpo mais bonito que já existiu, o que no final apaga completamente a existência da mulher negra. Da mesma forma que ocupam os imaginários africanos com uma mulher branca neste clipe, os Assimilados do Jornal de Angola fazem o mesmo substituindo Nzinga (ou Njinga) por Ginga, porque é melhor assim para eles quando não soa africano. Vemos o trabalho de artistas e escribas que construíram o imaginário de Angola. Depois, surpreende-nos que uma criança negra se recuse a ter uma boneca que se pareça com ela? Este é o nosso principal problema: uma Angola que tem imaginários alienados.

Fonte: Club-k.net


No dia 7 de janeiro, Tyre Nichols, um jovem negro de 29 anos, foi espancado por aproximadamente três minutos por polícias em Memphis, Estados Unidos, após ser parado pelo que a polícia inicialmente caracterizou como condução imprudente. A interpelação degenerou num confronto violento que culminou no internamento do jovem em estado crítico. Morreu três dias depois. É um facto banal da mais extrema expressão histórica da supremacia branca, o facto dos polícias envolvidos serem negros não muda nada. A supremacia branca é um sistema de dominação criado por Brancos para dominar e obliterar pessoas não-brancas. E os de populações dominadas que incorporam órgãos historicamente usados contra elas, como a polícia, geralmente servem ali para legitimar a violência e reforçar a supremacia branca. James Baldwin, um intelectual sério, escreveu o seguinte: “Os polícias negros eram outro problema. Costumávamos dizer: "Se tiver que chamar um polícia" - porque quase nunca o fazíamos - "pelo amor de Deus, tenha a certeza de que é branco." Um polícia negro pode acabar consigo completamente. Ele sabe muito mais sobre si do que um polícia branco e você se acha impotente diante desse irmão negro fardado cuja única razão para respirar parece ser a esperança de provar que, embora fosse negro, não é negro como você”.


E tendo frequentado por muito tempo os altos lugares da vida social parisiense, sei, por exemplo, que cada vez que se coloca um negro na frente de uma porta, todas as pessoas que se parecem com ele sempre terão acesso mais difícil do que os brancos, que poderão acessá-la às vezes muito mal vestidos e até de chinelo, e que esse negro na porta sempre receberá com uma reverência servil. Então não costumo ir a um lugar onde tem um negro na porta que eu não conheço ou até o dono do lugar, que geralmente é do mesmo pequeno círculo de organizadores de eventos parisienses, que eu conheço de alguma forma, me apresentar oficialmente ao seu empregado negro. Além disso, sempre conto uma anedota engraçada sobre o que aconteceu comigo na L’Arc: a famosa discoteca parisiense, desde os anos 2000, fechou por um tempo após um incêndio em 2013. Fui convidado para a sua reabertura em 2014, depois que tudo foi refeito sob a direcção artística de Lenny Kravitz. Mas soube depois que o novo porteiro era negro, então não quis voltar na discoteca até que o gerente, um amigo, nos apresentasse. E quando cheguei no dia do encontro, ele chamou o seu empregado e eu comecei a rir. Sem entender porque razão eu estava a rir, o gerente continuou na sua intenção e disse ao porteiro, que esperava atentamente: "Este é o Ricardo, é meu amigo e eu queria que o conhecesses". Eu e o porteiro nos abraçamos amigavelmente, então o gerente, sem palavras, percebeu que já nos conhecíamos. E sim, o porteiro era até um grande amigo mas não sabia que era ele quem estava na porta da L’Arc desde a reabertura. O que podemos entender disso é que nós, Negros no Ocidente, sabemos que é sempre mais complicado com um polícia negro, uma administrativa negra ou um controlador de Métro árabe, porque geralmente são o que o Baldwin descreveu acima.


Então não, Tyre Nichols não foi morto por 5 polícias negros, foi morto pela supremacia branca. E nos Estados Unidos a função da polícia sempre foi controlar o corpo negro, desde a escravatura, passando pela segregação até agora. Assim, o polícia negro vê o seu semelhante com o auto-ódio criado pela supremacia branca e que o outro exacerba ao relembrá-lo de quem ele realmente é no hostil mundo branco. E essa parte vergonhosa dele, da qual ele gostaria de fugir, manifesta-se violentamente diante de outro negro, a quem, portanto, será tentado a provar o seu poder caso se encontre em posição de poder diante dele. Durante a colonização de Angola, por exemplo, a minha mãe, que a conheceu bem, contava-nos que os administradores negros sempre eram mais maldosos com as populações locais. Nos países ocidentais, o polícia negro é vítima e fusível, ele deve constantemente provar o seu valor. O seu uniforme é uma conquista, ele deve fazer de tudo para defendê-la, mesmo se tiver que matar o seu irmão. É o mesmo fenómeno com os mestiços alienados, para justificar a sua integração ao mundo branco, devem agredir constantemente a cultura negra e afastar-se dela para se sentirem mais brancos e aceitos por eles. Sempre lembrarão a uma pessoa negra que falam a língua dos brancos melhor do que ela e que a sua pele clara é uma forma de beleza superior à dela. Portanto, o trabalho fundamental que os Negros devem fazer é redescobrir os seus imaginários que a supremacia branca destruiu para melhor os dominar. Existem muitos aliados brancos que também entenderam isso e estão prontos para acompanhar esse movimento de mudança que já está em andamento. Porque desta vez, ou todos nos salvamos ou todos morremos. Cabe a nós decidirmos em toda a alma e consciência.


Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), colunista lifestyle da revista Forbes Afrique, cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.