Luanda - Há já muitos anos que os relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) destacam o papel dos media e do jornalismo de investigação na luta contra a corrupção.

Fonte: JA

É uma grande utopia acreditar-se que a corrupção acabou


Os media desempenham um papel crucial na sujeição da corrupção ao escrutínio público e no combate contra a impunidade. Apesar dos reiterados pedidos dos jornalistas angolanos, não foram até hoje criadas as condições de liberdade e autonomia para que a imprensa angolana possa exercer um papel essencial na estratégia de combate à corrupção no nosso país. Tais condições referem-se à autonomia editorial dos grandes grupos económicos e políticos que detêm a propriedade dos órgãos de comunicação e mais liberdade para o exercício de um jornalismo de investigação ao nível legislativo e de boas práticas deontológicas.

 

A ausência de jornalismo de investigação nos principais órgãos de informação, aliado à tentativa de desvalorização da pouca investigação jornalística que é feita, impedem os jornalistas nacionais de contribuir, como seria desejável, no exercício de desvendar crimes e casos de corrupção, actos de políticos, governantes e agentes públicos ocultos do conhecimento geral ou perversidades sociais que os seus autores pretendam esconder.

 

Com o seu sistema de denúncias e fiscalização dos actos governativos, o jornalismo investigativo independente oferece à sociedade muito mais chances de mudanças de comportamento, de um corte, ruptura contra as más práticas do passado do que outras instituições.

 

Infelizmente, há no nosso país uma consciência social favorável à corrupção. A nomeação de um familiar para cargo público continua a permitir actos de nepotismo nos negócios e nas admissões de pessoal e negócios com empresas de amigos e compadres. A própria sociedade não denuncia nem critica os excessivos gastos com viagens ao exterior, as interferências nos actos de gestão financeira das administrações municipais ou ainda as mesadas, propinas e outras despesas que as empresas publicas são obrigadas a fazer para os ministérios de tutela.

 

Não é possível combater a corrupção pública, mas também a privada, sem um papel determinante da imprensa e do jornalismo investigativo em particular. Se no primeiro mandato se tivessem criado as condições para que a imprensa angolana tivesse mais autonomia editorial, teríamos certamente hoje um ambiente publico muito mais favorável a acreditar no sucesso da luta contra a corrupção.

 

A ausência até agora (já no segundo mandato) de uma estratégia concreta de participação dos media angolanos na luta contra a corrupção, como seria de esperar, levanta imensas dúvidas quanto ao impacto dessa campanha tão aplaudida.

 

Não se terem criado condições para um jornalismo investigativo vibrante e actuante, sobretudo nos órgãos afectos ao Governo, faz com que haja hoje um sentimento de desalento e descrédito em relação à luta contra a corrupção. Mesmo que tenhamos detenções e julgamentos em diferentes províncias, a luta contra a corrupção não se conseguiu afirmar como uma causa nacional, que deveria ser consensual e estratégica quanto à mudança de mentalidades. É também por acção do jornalismo que se deveria lograr uma maior educação jurídica e cívica dos cidadãos para outro elemento importante do processo que é um ambiente geral de denúncia de todos os corruptos e corruptores e das diferentes formas de pilhagem e saque da coisa pública, que ainda se assiste.

 

É uma grande utopia acreditar-se que a corrupção acabou. É óbvio que não acabou nem está perto disso. Pelo contrário, há o aparecimento de novos corruptos, que se mostram mais discretos, mas, na essência, mantendo-se, mudando de protagonistas, as velhas práticas. Mesmo a narrativa do fim da impunidade, que parecia ter sido o maior ganho da luta de João Lourenço contra a corrupção, conhece agora um enorme abalo face ao silêncio geral, ausência de investigação e de reacção em relação às "poucas” denúncias públicas que são feitas. Governantes, juízes dos principais tribunais e membros da Polícia Nacional são acusados publicamente de casos de corrupção, nepotismo, impunidade e bajulação, sem que haja uma acção de responsabilidade política e prestação de contas perante os cidadãos. O tumular silêncio das autoridades e da imprensa oficial face às reiteradas denúncias coloca obviamente em risco não só a campanha pública de moralização do Presidente João Lourenço, mas também descredibiliza profundamente as mais fortes instituições do país, como são os tribunais superiores, a Assembleia Nacional e o Governo. Não havendo uma reacção do Governo, ao menos o Parlamento deveria desencadear processos de inquérito e investigação tendo como finalidade esclarecer a opinião pública e não oferecer solidariedade institucional, como parece ter sido o caso da audição ao Ministério do Interior. As zonas cinzentas criadas com esse silêncio das instituições desmobilizam quem acreditava na luta contra a corrupção e incentiva, fortalece, dá razão ao discurso pessimista que pré-anunciava um mero fogo de artifício.

 

E este é o ponto de viragem. Ou o Presidente João Lourenço e sua base de apoio assumem uma atitude frontal e decisiva de promoção de uma imprensa independente, do jornalismo investigativo e de investigação das denúncias públicas ou para a história nada ficará de realce nesta matéria. Se ainda pretender ser visto como o Presidente que limpou o país da corrupção, um mal tão pernicioso quanto a guerra, João Lourenço tem de agir de imediato e com muita firmeza. Mais do que nunca a sociedade necessita de sinais, verdadeiros e concretos de combate à impunidade e firmeza contra os novos corruptos. Não há aliado maior do que uma imprensa independente que denuncia, fiscaliza a actividade pública e leva a PGR e, nalguns casos, a própria AN a desencadear processos de inquérito para responsabilização criminal e política, respectivamente.

 

Esta é a hora de agir e agir com pulso, com autoridade. Caso contrário, no fim do mandato, a corrupção estará mais discreta, mais endémica e pior do que em 2017.